Os Jogos Olímpicos acontecerão. A 30 dias da abertura do encontro, a cidade do Rio de Janeiro se prepara para acolher as primeiras delegações internacionais. Apesar dos problemas enfrentados pela cidade e pelo Estado do Rio, “os jogos vão ser um sucesso”, aposta Marcelo Valença, professor do departamento de Relações Internacionais na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Não porque tudo estará pronto para o inicio dos jogos nem porque o Brasil terá superado a crise político-econômica, mas porque as ações estão sendo tomadas como “uma grande maquiagem” dos problemas sociais do Estado, como segurança e transporte, durante o período do evento. “Depois, chegará uma conta altíssima a ser paga pelos cidadãos.”
De fato, os preparativos ainda estão em andamento: a cidade corre contra o relógio para conseguir terminar as obras atrasadas. A via Transolímpica, por exemplo, que liga a Barra da Tijuca e o Recreio dos Bandeirantes à zona norte da cidade, deveria ter sido entregue no final do mês de abril, mas houve atraso, embora a prefeitura negue demora na entrega. Ela sustenta que a implantação gradual dos serviços já estava prevista porque a prioridade era garantir a operação para os jogos.
A linha 4 do metrô, entre a Barra da Tijuca e Ipanema, está para ser concluída, mas com uma estação a menos do que as seis previstas – a sexta deve entrar em funcionamento apenas em 2018. De acordo com a Secretaria de Estado de Transportes, essa ligação metroviária vai transportar 300 mil pessoas por dia, o que significa dois mil veículos a menos nas ruas por hora no horário de pico.
Ainda segundo a secretaria, os testes de cada um dos sistemas seguem dentro da programação e as obras estão com 95% de conclusão, inclusive as cinco estações que estarão em operação antes dos Jogos, que estão em fase final de acabamento – Nossa Senhora da Paz, Jardim de Alah, Antero de Quental, São Conrado e Jardim Oceânico. A previsão é que essa linha seja aberta no dia 1º. de agosto, às vésperas da abertura da Olimpíada, que se inicia no dia 5. Por enquanto, a utilização do transporte estará restrita para passageiros relacionados ao evento.
Calamidade Pública
O Estado do Rio virou notícia quando, em 17 de junho, pediu socorro nacional com a edição do decreto de “Estado de Calamidade Pública no âmbito da administração financeira”, assinado pelo governador em exercício Francisco Dornelles. Ele justificou a medida pela “grave crise econômica que assola o Estado” que impede o Rio de “honrar seus compromissos” para a Olimpíada deste ano.
Em resposta, o governo federal formalizou um pacote de ajuda com uma doação de R$ 2,9 bilhões, dinheiro destinado exclusivamente para garantir a segurança dos Jogos, não para a conclusão das obras. No começo de julho, a verba começou a ser aplicada para esse fim.
Em nota oficial, Carlos Ivan Simonsen Leal, presidente da Fundação Getulio Vargas (FGV), comentou que a declaração de estado de calamidade pública “é uma medida exemplar e corajosa que permite trazer à tona a dificílima realidade fiscal do Estado. A decisão abre espaço para a implementação (…) de medidas absolutamente necessárias e inadiáveis para a recuperação do Estado”.
À Brasileiros, o vereador Renato Cinco (PSOL) afirmou que a principal finalidade do decreto é “poder utilizar todos os recursos disponíveis para a realização dos jogos e garantir a segurança” sem pensar nos servidores públicos que estão com salários atrasados. Ele acredita que não se pensou em um “pós-Olimpíada” porque ninguém sabe ao certo o que vai sobrar para atender a população carioca.
A opinião é compartilhada por Marcelo Valença, da UERJ. “Organizar a festa é fácil, o difícil é pagar a conta depois. Ninguém parou para pensar nisso. Todos querem que a Olimpíada seja um sucesso, ao custo que for e com as consequências que forem.”
José Eisenberg, professor de Ciências Políticas da UERJ, afirma que, para garantir a calma na cidade e evitar protestos durante o evento, todas as atividades cotidianas serão suspensas para assegurar fluidez e segurança. “Escolas e repartições públicas entrarão em recesso em agosto.” As férias escolares deste ano, inclusive, foram transferidas de julho para agosto.
Para o vereador Cinco, “a grande preocupação do Estado é garantir uma ocupação militar sem precedentes na cidade, um aparato repressivo que possa permitir que os jogos aconteçam, proibindo as manifestações populares e os problemas históricos de violência”.
Em resposta, o secretário de Estado de Fazenda, Julio Cesar Carmo Bueno, disse à Brasileiros que “a prioridade absoluta do governo do Estado é o pagamento dos salários dos servidores ativos, inativos e pensionistas e as despesas constitucionalmente obrigatórias. O decreto em nada muda essas prioridades”.
Serão mobilizados 47 mil policiais e 38 mil membros das Forças Armadas durantes as três semanas do megaevento esportivo. É mais do que o dobro do contingente de segurança usado nos Jogos Olímpicos de Londres, em 2012. Também foi criada uma força-tarefa marítima, que conta com três mil fuzileiros navais disponíveis.
Em sua defesa, o País carrega o fato de ter realizado com sucesso bons eventos na última década, entre eles os Jogos Pan-Americanos (2007), a Conferência Rio+20 (2012), a Copa das Confederações (2013) e a Copa do Mundo (2014).
Em cerca de um mês, o Brasil deve receber mais de meio milhão de turistas, além de dez mil atletas de cerca de 200 países.
A imagem do Brasil
O prefeito Eduardo Paes afirmou que o decreto estadual de calamidade pública não iria afetar o município, responsável por 93,5% das obras dos jogos. Do orçamento total, de R$ 39,07 bilhões, 57% vêm de fontes privadas. Em coletiva, ele afirmou que a Olimpíada não quebrou a administração municipal e pouco influenciou na derrocada econômica do Estado. Admitiu, porém, que o decreto ajudou a piorar a imagem do Brasil e dos Jogos no exterior.
No dia 23 de junho, o jornal americano USA Today revelou que mais de 50% de turistas americanos tinham o Rio como destino. As estimativas falavam em 200 mil turistas americanos, número agora rebaixado para perto dos 100 mil, de acordo com a publicação. “Uma atleta [a velejadora paralímpica australiana Liesl Tesch] foi assaltada no local onde serão as provas de iatismo”, lembra Valença.
No final do mês de junho, dois contêineres com equipamento de transmissão de uma TV alemã, que está no Rio para cobrir a Olimpíada, foram roubados na Avenida Brasil. Os equipamentos, avaliados em R$ 1,3 milhão, chegaram de navio no porto e seriam levados em direção ao Parque Olímpico, na Barra da Tijuca.
Outros males
Além de problemas de segurança, o vírus zika gerou polêmica entre os médicos. Em carta aberta à OMS (Organização Mundial da Saúde), 150 cientistas internacionais pediram que os Jogos fossem transferidos ou adiados “em nome da saúde pública”. A organização manteve a recomendação para que mulheres grávidas não viajassem para o Rio ou qualquer área do território nacional de risco do vírus. Para o vereador Cinco, “a Olimpíada está apenas servindo para expor os problemas do Brasil ao mundo e não para vender uma imagem positiva. Deu tudo errado desde a gestão do projeto”.
De acordo com o vereador, os Jogos Olímpicos não cumprirão o objetivo de desenvolvimento social destacado na candidatura oficial do Brasil, em 2009 – esta é a primeira Olimpíada na América do Sul. Ele critica a escolha das construções na zona oeste e diz que teria sido mais vantajoso se elas tivessem sido feitas na zona portuária para que “a construção da vila dos atletas e do parque olímpico servissem para aquela área crescer”.
Também por achar que faltou planejar o pós-Olimpíada, Valença teme o futuro das infraestruturas construídas “com pressa” para o inicio do evento. “Meu medo é que, como em outras inúmeras oportunidades, em pouco tempo essas obras precisem de reformas profundas que custarão tanto ou mais para serem feitas.”
E agora? Para Eisenberg, quando o evento começar, em 5 de agosto, nada atingirá a Olimpíada no Brasil. “O País está preparado para isso? Não. Teria sido melhor suspender o evento? Talvez, mas a suspensão não geraria nenhuma consequência positiva. Agora, vamos que vamos.”
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