A presença britânica em nossa história, desde o período colonial, é muito enfatizada pelos historiadores, embora estivéssemos praticamente fechados a relações com outros reinos que não Portugal naquela época. E quase sempre é vista por nós brasileiros como essencialmente negativa. Pelo menos é o que aprendemos nos bancos escolares. Foi-se a Colônia, veio o Império e depois a República, e nossa economia permaneceu durante largo tempo subordinada aos interesses econômicos britânicos, deixando de sê-lo apenas quando migramos para a esfera de dominação dos Estados Unidos.
Um outro lado dessa história é o que pretende iluminar a publicação organizada por Carlos Eugênio Marcondes de Moura, Brasil-Grã-Bretanha – Uma Relação de Cinco Séculos (apoiada pela Cultura Inglesa de São Paulo em celebração pelos seus 75 anos), ao tentar apresentar, principalmente, o lado positivo para o Brasil dessa relação.
Da extensa cronologia que abre o livro, de autoria do organizador, e dos demais nove ensaios, destacam-se as contribuições britânicas para as terras tropicais em vários campos. José Rubens Pirani aborda as contribuições de botânicos e ilustradores ingleses para o estudo da flora brasileira, chamando a atenção, por exemplo, para a obra de Alfred R. Wallace, o formulador independente da teoria da seleção natural, que por aqui esteve, e a arte de Margaret Mee. Elizabeth Höfling, Renata Stopiglia e Marcos André Raposo focam a contribuição britânica para o estudo das aves brasileiras no século XIX. Aqui, um reparo: talvez por não serem da área, os autores cometem algumas imprecisões históricas na página 72, no exagero de afirmar que o Brasil “fervilhava em revoltas”, entre o final do século XVIII e início do XIX, e ao situarem a Revolução Pernambucana no ano de 1816 (na verdade, ela aconteceu no ano seguinte, em 1817). Ana Maria Beluzzo, com o texto mais denso de toda a obra, analisa a maneira como os viajantes britânicos do século XIX construíram sua visão da paisagem brasileira, a partir dos pressupostos estéticos que traziam na bagagem, do Classicismo ao Romantismo. Rita Amaral mensura a contribuição de vários britânicos ao estudo da realidade brasileira, desde o citado Wallace até Maureen Bisilliat, cujas obras, segundo ela, servem como espelho para que os próprios brasileiros se vejam e se reconheçam.
Tema mais familiar ao leitor, provavelmente, será reconhecido no ensaio de Ana Luiza Martins, que trata dos negócios britânicos no Brasil, desde o estabelecimento dos primeiros comerciantes ingleses em nossas terras, na esteira do casamento do soberano inglês Carlos II com Catarina de Portugal, em 1661, até os empreendimentos da primeira metade do século XX, passando pelos efeitos do tratado de Methuen, de 1703, da vinda da família real portuguesa, em 1808, e do reconhecimento britânico da nossa independência, na década de 1820. Ainda sobre assuntos econômicos, o leitor encontrará bem documentado o ensaio, escrito por Antonio Soukef Jr., sobre oito das 25 companhias ferroviárias britânicas que operaram em várias partes do território brasileiro, como a Great Western Railway Company, no Nordeste, e a São Paulo Railway Company. O mesmo autor assina outro texto sobre a atuação da Companhia City na urbanização da cidade de São Paulo, e sua contribuição para a criação de um novo modelo urbanístico, a partir do lotea-mento do Jardim América – que fugiu do modelo “tabuleiro de xadrez”, a norma informal utilizada até então pelos empreendedores locais.
Last but not least, John Robert Mills e Nilu Lebert demonstram, respectivamente, que os britânicos trouxeram muito mais esportes para o Brasil do que apenas o decantado futebol – como tênis, golfe e vela, entre outros – e que nossa cozinha não seria a mesma sem sanduíches, geleias e pudins.
Mas o que sobressai neste livro, sem demérito para os textos, é a rica iconografia: há mais de uma centena de reproduções de fotografias, gravuras e telas, garimpadas em coleções nacionais e estrangeiras, que mostram a contribuição britânica no campo da representação visual do Brasil e que maravilham o leitor.
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» Brasil-Grã-Bretanha – Uma Relação de Cinco Séculos, editora museu a céu aberto, 304 páginas
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