“Documentário é pacto entre realizador e espectador”, diz Amir Labaki

Amir LabakiDivulgação

Os números: foram 15 dias, 80 filmes, 22 mil espectadores, exibição nas duas maiores capitais do País, e nenhum centavo de bilheteria. Essa foi a fórmula do festival É Tudo Verdade, que encerrou sua 17ª edição no fim de semana no Rio de Janeiro e em São Paulo. Agora ele segue para Brasília, entre os dias 10 e 15, e para Belo Horizonte, na primeira semana de maio (a data exata ainda não foi confirmada pela organização). Para fazer um balanço do festival e dos rumos do documentário no Brasil e no exterior, a Brasileiros entrevistou o diretor e fundador do evento, Amir Labaki. Confira:

Brasileiros – Qual o balanço que você faz desta edição do festival?
Amir Labaki – Uma das coisas que distingue essa edição é que houve uma ampliação do público e da faixa etária de quem estava frequentando o festival. Espectadores de 25 anos estiveram muito presentes neste ano.

Brasileiros – O que mudou no mercado de documentários em 17 anos?
AL – Houve uma ampliação do número de pessoas que se interessam por documentários. O fato de termos regularmente produções nos cinemas ajuda na formação de público. Essa é a nossa grande batalha. Quando começamos, em 1996, no ano anterior haviam sido exibidos em salas de cinema dois filmes documentais brasileiros e um internacional. No ano passado, tivemos 40 documentários brasileiros e quase 20 internacionais. Isso é uma mudança muito significativa. O público de documentário no Brasil está se diversificando, assim como as produções estão se diversificando.

Brasileiros – Não houve sessões do festival em cinemas comerciais esse ano, ao menos em São Paulo. É uma perda de espaço?
AL – Durante dois anos nós saímos do Cinesesc por problemas de datas. Já fizemos no Cine Livraria Cultura e no Espaço Unibanco. Contudo, o Cinesesc é uma dos principais cinemas de arte do Brasil. A grande batalha do É Tudo Verdade é não deixar o festival crescer demais e ter esse equilíbrio de ter 80 filmes exibidos simultaneamente no Rio e em São Paulo, com muitos convidados nas duas cidades. Nós não podemos expandir muito o nosso número de sessões e o nosso circuito, porque a negociação que fazemos com os produtores dos filmes limita o número de sessões que podemos fazer, já que a maior parte é pré-estreia. Isso ocorre em qualquer festival do mundo.

Brasileiros – Não há intenção de aumentar o festival?
AL – Acho que o tamanho é esse. Já fizemos festivais maiores, tivemos edições com 120 filmes, e não foi um dos melhores no atendimento ao público, pois havia poucas reprises e as pessoas perdiam o boca a boca do que estavam acontecendo. Com 80 títulos, cumprimos melhor o papel de apresentar a nova safra de documentários no Brasil.

Brasileiros – O É Tudo Verdade não pretende, então, ser algo maior como a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo?
AL – Cada festival tem que se adaptar à sua realidade e sua política. Quando a mostra surgiu e se expandiu, a realidade era outra. Cada um tem que assumir sua própria identidade e sua estratégia de sobrevivência. Foi possível desde o começo do É Tudo Verdade trabalhar com o ideal de ‘venham assistir os melhores documentários do Brasil com entrada gratuita’. Depois esses filmes estarão em salas, mas para nós essa é uma questão programática.

Brasileiros – O que a 17ª edição teve de diferente das outras?
AL – Hoje não dá para falar de vetores hegemônicos estilísticos ou temáticos. Isso em si já é uma mudança. Tivemos outros momentos no festival que havia essa tendência. No pós-11 de setembro de 2001, por exemplo, houve uma nova guinada política dos documentários internacionais, com foco mais jornalístico e mais histórico. Já o documentário brasileiro vem em processo de renovação e diversificação intenso nos últimos anos. Não é específico desse ano, mas é bastante característico de 2012, a renovação do documentário tradicional, que é o cultural e o histórico. É o caso de Mr. Saganzerla – Os Signos da Luz, de Joel Pizzini, e também de Tropicália, Jorge Mautner – o Filho do Holocausto, Sertão Cinzento, que estão procurando novas estratégias narrativas para revisitar a história cultural brasileira. Aquele modelo mais didático está sendo implodido. Isso ocorre principalmente fora do universo televisivo. A tela grande possui exigências que a TV não tem. As produções têm se tornado mais ousadas e investigativas do que tradicionalmente o documentário foi.

Brasileiros – Em paralelo ao festival ocorreu a 12ª Conferência Internacional de Documentário, que discutiu a utilização da animação nos filmes de não-ficção. Essa é uma tendência?
AL – Essa relação entre documentário e animação tem se intensificado nos últimos 20 anos. O documentário vive um momento de muita liberdade e de experimentação. É um gênero pouco simpático a barreiras e está derrubando os limites que tem para renovar a linguagem como forma de expressão. Uma das barreiras mais óbvias é do documentário, que é baseado em imagem real, não poder usar imagem animada. Isso está sendo posto em discussão, o que é muito interessante, pois há uma relação da animação com o real. Isso faz parte também do esforço do documentário de aumentar seu poder de sedução junto ao público.

Brasileiros – Você já escreveu sobre o perigo de considerar algumas produções como documentário e que há uma linha muito tênue nessa definição. Então gostaria que saber que linha tênue é essa? O que é documentário e o que não é?
AL – Documentário é muito difícil de definir. Para mim, é o que o seu realizador define como documentário. Essa definição ampla é boa. Minha preocupação é com produções que não são documentários e buscam se legitimar na esfera pública como tal. Em alguns casos, é mais complicado, como quando lida com publicidade política. Há duas obras recentes muito interessantes e bem feitas:  O Cone (2012), que se tornou o viral mais visto do ano, e o filme que David Guggenheim fez para campanha de Barack Obama. O fato dessa peça ter sido produzida por um documentarista não a torna documentário, e o fato de usar imagens reais não necessariamente torna o discurso documental. Pode ser discurso não-ficcional. O documentário é autoral, é um pacto entre o realizador e o espectador. É assim tanto uma questão ética quanto estética.

 


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