O Brasil vive em meio a uma “guerra não declarada” e o combate a ela passa pela descriminalização e legalização das drogas. É o que afirmaram os jornalistas investigativos Caco Barcellos e Misha Glenny na mesa Os Olhos da Rua, realizada nesta quinta-feira na 14a Festa Literária Internacional de Paraty. Enquanto o brasileiro afirmou que “quem proíbe as drogas é a favor do tráfico”, o inglês disse que a “legalização é o futuro de um mundo racional” onde o ser humano é o centro das decisões políticas.
“Quem ganha com a ilegalidade, a não ser o traficante e o funcionário desonesto, que ao invés de combater acaba se beneficiando?”, questionou Barcellos, que foi enfático também ao dizer que qualquer política pública de saúde que se refere as drogas e excluí o álcool – devastador de milhares de famílias – é hipócrita. O jornalista, que lança o livro Profissão Repórter 10 Anos, é autor também de Abusado (2003), sobre o narcotraficante Marcinho VP, e do clássico Rota 66 (1992), uma denúncia dos crimes da PM paulista. Glenny, por sua vez, está lançando na Flip O Dono do Morro, sobre o traficante Nem da Rocinha.
A mesa, com forte tom político, lotou a Tenda dos Autores e foi muito aplaudida pelo público. Barcellos provocou os presentes ao dizer, “com todo o respeito”, que as empregadas domésticas são mais bem-informados do que qualquer intelectual que estava ali, já que elas conhecem profundamente tanto o mundo dos “bacanas”, seus patrões, quanto o universo pobre em que vivem. O repórter disse também que a “guerra brasileira”, que deixou nos últimos anos mais mortos do que uma Guerra do Iraque, não nos impressiona mais pelo simples fato de que as principais vítimas são os pobres e desprotegidos, e não “nós”, membros da elite do País.
Com seu português pausado, mas fluente, Glenny contou um pouco de suas impressões sobre o Brasil, especialmente as que teve ao começar suas pesquisas. A ausência do Estado na Rocinha, o imenso poder de um traficante que controla toda uma comunidade, assim como os números de mortos gerados pela guerra ao tráfico foram alguns dos fatos que mais o impressionaram – e o incentivaram a escrever o livro. Sobre Nem, traficante que conseguiu trazer relativa segurança para a Rocinha, o repórter afirmou que seu poder era baseado em três pilares: monopólio da violência, apoio da comunidade e corrupção. “E ele viu que, trazendo segurança, os negócios seriam mais bem-sucedidos.”
Por fim, os dois autores falaram sobre a escolha de retratar em seus livros personagens do mundo do crime, e das acusações que receberam de estar “dando voz a bandidos”. Para Barcellos, contar a história dos morros é também aproximar estes mundos distantes, o do “bacana” e o da “empregada doméstica”, e perceber que é preciso convívio. “Nunca vi um promotor na favela, nem um juiz, e até mesmo poucos repórteres.” E concluiu: “Algumas pessoas me criticaram por dar voz a um bandido. E eu perguntava: ‘Então, por que no caso de um governador que desvia grandes quantias de verba você dá voz a esse tipo de pessoa?”
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