Sai Néstor Kirchner, entra a mulher, Cristina. Foram 12 anos com a mesma família na Casa Rosada, sede do governo argentino, até que a derrota do candidato de Cristina nas eleições presidenciais de 2015 selou a ascensão definitiva de um político “moderno”, como pregava a campanha de Mauricio Macri, 57 anos. O que nem todo mundo fora da Argentina sabe é que o novo presidente custou a sair da sombra do pai, o megaempresário Franco Macri: foi só nos anos 1990 que Mauricio se consagrou na presidência do Boca Juniors antes de entrar na política, como deputado federal e depois como prefeito de Buenos Aires, em 2007. Franco apoiou os Kirchners nos últimos anos e não gostou nada de ver o filho ganhar independência pregando exatamente o oposto: sonhava com o filho mais velho à frente de seus negócios, que vão da construção civil à coleta de lixo.
Apesar da oposição do pai, que tornou público seu descontentamento com a candidatura do filho, Macri derrotou o rival peronista com 51,4% dos votos e a promessa de conter uma inflação que chegou a 30% no ano passado. Seu programa liberal foi avalizado por boa parte da mídia local, como o jornal La Nácion, que anunciou uma nova era para a Argentina no artigo “Sem mais Vingança”. O novo presidente também recebeu o apoio de personalidades como o ator Ricardo Darín e o escritor peruano Mario Vargas Llosa, para quem Macri era a única alternativa “à tragédia causada pelo peronismo”.
Recado dado, medidas tomadas. Logo que assumiu o gabinete, o presidente tirou do papel um ajuste fiscal que acabou conhecido como “tarifazos”: cortou subsídios estatais da ordem de 2,5% do PIB (Produto Interno Bruto) sobre serviços básicos para reduzir o déficit fiscal. As tarifas de energia sofreram um aumento médio de 300%, mas em algumas regiões o reajuste chegou a 700%. O preço do gás triplicou e a tarifa de água saltou de 132 para 500 pesos em apenas dois meses. Em Buenos Aires, as passagens de ônibus dobraram de preço.
Professor de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG), o argentino Javier Vadell explica por que os tarifazos são uma reviravolta no estilo kirchnerista de governar: “O governo anterior concedeu subsídios desiguais para as tarifas, mas, no geral, pagava-se muito barato o gás, a eletricidade. Além de não serem muito justos, os tarifazos vieram todos juntos, para todos os setores e de uma só vez. O impacto no bolso foi terrível”. Já para José Pimenta, professor de Relações Internacionais da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), os reajustes “podem trazer impopularidade no curto prazo, mas não tenha dúvida de que esse ajuste colocará a economia nos eixos no longo prazo porque o que estava acontecendo era insustentável”.
Com o aumento brutal das contas básicas, a miséria na Argentina disparou. De acordo com uma pesquisa da Universidade Católica, a pobreza na Argentina atingia 29% da população em dezembro do ano passado, mas saltou para 34,5% em março:13,8 milhões de pessoas. No mesmo período, a taxa de aprovação de Macri caiu mais de dez pontos, de 63,9% ao tomar posse, em dezembro, para 53,5%, segundo o instituto Grupo de Opinión Pública. O envolvimento de Macri num dos maiores esquemas de corrupção do mundo, o Panamá Pappers, também não ajudou. Ao todo, 570 argentinos apareceram no escândalo (além de Macri, também seu pai e seu irmão). Eles estão ligados à empresa Fleg Trading, criada nas Bahamas em 1998 e dissolvida em 2008. O Ministério Público argentino pediu a abertura de uma ação penal para descobrir se o presidente escondeu a empresa de suas declarações patrimoniais.
Assim como o presidente interino do Brasil, Michel Temer, Macri assumiu a Presidência com a promessa de romper com a política externa do governo anterior e substituí-la pela reaproximação com o mundo desenvolvido. Logo após sua posse, o primeiro-ministro da Itália, Matteo Renzi, e o presidente da França, François Hollande, viajaram a Buenos Aires. Mas a visita internacional mais polêmica foi a do presidente americano, Barack Obama, na semana do 40º aniversário do golpe militar – apoiado pelos Estados Unidos – que derrubou a presidenta María Estela Martínez de Perón. Obama preferiu voltar para casa um dia antes da data do golpe para escapar dos intensos protestos, mas foi embora não sem antes apoiar a reinserção da Argentina na comunidade financeira internacional, após a polêmica decisão de Macri de pagar os chamados fundos abutres.
Quando Néstor Kirchner assumiu o poder, em 2003, o país beirava à catástrofe social e econômica. Com o intuito de equilibrar as contas sem contrair novas dívidas, a então equipe econômica iniciou um processo de renegociação: a Argentina pagaria uma parte do que devia em dinheiro e a outra em longas prestações. Conseguiu a adesão de 90% dos credores. Mas representantes de seis fundos não aceitaram o acordo e recorreram à corte americana. Macri, então, assumiu prometendo quitar essas dívidas: desembolsou cerca de US$ 9,3 bilhões e caiu nas graças do mercado. Para Vadell, a decisão foi precipitada. “É um erro acreditar no capital financeiro mais uma vez. Os países que mais vão crescer no mundo em médio prazo são os asiáticos, que têm um controle sobre a entrada de capital.” Pimenta discorda. Ele avalia que a reaproximação com os EUA pode ajudar o governo a se recuperar. “É incoerente com a realidade acreditar na possibilidade de governar um país sem investimento estrangeiro direto em pleno mundo globalizado.” É em nome da globalização que o chanceler interino José Serra visitou Macri: ambos defendem acordos bilaterais com americanos e europeus, ao contrário da política externa anterior, que condicionava as negociações ao crivo do Mercosul.
Assim como a Argentina, o Brasil deve passar por uma reforma econômica liberal, que aprofundará a pobreza. Para Pimenta, a Argentina vive situação mais confortável porque Macri tem o apoio de boa parte da população, ao contrário dos governos de Dilma e de Temer. Vadell concorda que no Brasil a situação é mais grave: “O Brasil está usando o exemplo de Macri para o nosso ajuste fiscal. Os pobres vão pagar a conta”. Se por aqui alguns jornais sustentam que “a narrativa do golpe” não convenceu, por lá não faltou quem avisasse sobre o futuro do País: “Meu filho não tem coração para ser presidente”, admitiu Franco sobre o primogênito.
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