“Ele tinha a capacidade de contar a mesma piada centenas de vezes e continuar engraçado”. É dessa forma que mais de um amigo se refere a Glauco Villas Boas (1957-2010), cartunista que ficou imortalizado pelo famoso Geraldão, personagem célebre que criou em 1981. Junto com os chargistas Angeli e Laerte, formou um dos trios mais famosos dos quadrinhos brasileiros. Sua obra, marcada pelo riso e a reflexão, pode ser conferida na Ocupação Glauco, em cartaz no Itaú Cultural, a partir de 9/7.
O instituto apresenta mais de 200 obras desenhadas pelo artista, além de lançar uma publicação virtual e um hotsite que abordam sua trajetória. Com curadoria coletiva da equipe do Itaú, a mostra é dividida em três eixos: Personagens, Pessoal e Parceiros. Segundo Carlos Costa, membro da equipe curatorial, duas pessoas foram centrais para o processo de pesquisa da exposição: Beatriz Veniss, com quem Glauco foi casado por 15 anos, até a sua morte, e o editor Toninho Mendes, que trabalhou com o cartunista de 1984 a 1995 na Circo Editorial.
No primeiro eixo da mostra, são apresentados os principais personagens criados por Glauco. Desfilam pela exposição os famosos Geraldão e Geraldinho, Dona Marta, o Casal Neuras, Zé do Apocalipse, dentre muitos outros. São esboços de personagens, HQs e fontes, rabiscos, charges, tirinhas e desenhos, a maioria proveniente do acervo de sua viúva Beatriz. A curadoria evidencia detalhes do seu processo de criação, dos primeiros esboços até a arte final, marcada por traços simples e personagens em movimento, com braços e pernas freneticamente agitados. “Seus personagens tratam de temas tabus, mas com leveza. O Geraldão, por exemplo, vive nu, tem 30 anos e é apaixonado pela mãe”, afirma o curador, Carlos Costa.
Ainda no primeiro eixo, estão concentradas as sátiras políticas produzidas pelo cartunista, desenhos variados, que ele fez quando o Brasil vivia o período de redemocratização. São obras que ironizam figuras da política brasileira, como os ex-presidentes Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, entre outros. “É incrível o quanto suas piadas são eternas, adequando-se perfeitamente ao contexto político no qual vivemos”, evidencia Costa.
A faceta mais intimista do artista também pode ser conferida no segundo eixo da exposição. Glauco começou a desenhar desde o pequeno, influenciado por sua mãe que também gostava muito de artes. Nos bilhetes que escrevia para os filhos, era comum que ela também fizesse algumas ilustrações junto às palavras. Inspirado pela mãe, Glauco presenteava as pessoas com desenhos. Parte desses registros pode ser conferida na mostra.
Além das relações familiares, o lado espiritual do cartunista também é ressaltado na ocupação. A partir da década de 1980, Glauco tornou-se devoto do Santo Daime. Em 1993, fundou a igreja daimista Céu de Maria, em Osasco, cidade na qual vivia. Ao lado de sua mulher, conduziu inúmeros trabalhos de Daime e escreveu cerca de 53 hinos para as cerimônias. Os curadores da mostra criaram uma reprodução da igreja fundada pelo cartunista, expondo a sanfona que ele tocava durante as cerimônias, entre outros objetos que remetem a esse ambiente religioso. “Todos com quem conversamos reforçaram esse lado espiritual do Glauco, algo que também aparece em personagens como o Zé do Apocalipse e os ETs. Conforme ele foi se envolvendo na religião, sua obra também foi ficando muito mais colorida, algo que se relaciona com esse lado mais sensorial do Daime”, diz Costa.
Por fim, a exposição tem uma parte dedicada às parcerias que o cartunista realizou ao longo de sua trajetória. Toninho Mendes, Wilson Azevedo, Henfil e Pelicano, seu irmão, foram grandes influências na obra de Glauco. Há ainda, claro, a presença de Laerte, Angeli e Adão, trio com quem produziu a famosa série de HQs Los 3 Amigos.
Em março de 2012, ocasião em que foi capa da edição 56 de Brasileiros, Angeli afirmou que o cartunista foi uma das pessoas que mais fez jus ao predicado hippie: “Éramos meio carrancudos, veio o Glauco com aquelas tirinhas e eu, mesmo na minha fase mais riponga, não conseguia fazer essa piada por piada, tinha a pretensão de ter algum viés político, só que a piada pela piada do Glauco era incrível”.
Esse humor escrachado e, ao mesmo tempo, leve do cartunista pode ser conferido na Ocupação, que também apresenta um enorme banco de dados sobre o artista. Esses arquivos, que contém um material extra que não foi para a exposição, podem ser consultados no hotsite produzido pela equipe. A mostra fica em cartaz até 21 de agosto, sendo, como ressalta o curador, “praticamente impossível sair de lá sem dar ao menos uma risada”.
Serviço – Ocupação Glauco
De 9 de julho a 21 de agosto
De terça-feira a sexta-feira, das 9h às 20h
Sábado, domingo e feriado, das 11h às 20h
Itaú Cultural, São Paulo, SP
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