Martin Corullon e Paulo Mendes da Rocha estão erguendo, juntos, a Casa das Artes, em Vitória (ES). A obra grandiosa engloba teatro e museu – espaços públicos escassos na cidade que vão inseri-la no roteiro cultural do País – em uma área histórica e deslumbrante com vista para o mar. Uma entre tantas outras que fazem em parceria.
Corullon, 38, é sócio, com Anna Ferrari e Gustavo Cedroni, do escritório Metro, em São Paulo, considerado um dos 25 que vão fazer o futuro da arquitetura no Brasil e que acaba de ganhar o prêmio New Practices São Paulo, concedido pelo Instituto de Arquitetos de Nova York.
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Mendes da Rocha, 82, é um dos nossos maiores representantes do Modernismo. Com um Pritzker no currículo – o Nobel da arquitetura -, assina alguns dos mais emblemáticos edifícios de São Paulo, como o Museu da Língua Portuguesa, o Museu Brasileiro de Arquitetura, o Centro Cultural da Fiesp, o Museu Brasileiro da Escultura (MuBE) e revitalização da Pinacoteca do Estado.
Essa parceria de duas gerações que pensam a arquitetura brasileira começou 20 anos atrás, quando Corullon era aluno e Mendes da Rocha, seu professor, na Faculdade de Arquitetura da USP. “Houve uma identificação, nos unimos por afinidade pessoal”, afirma Corullon. “Tudo o que sei aprendi com ele.” Depois de fazer um estágio e trabalhar quatro anos sob a batuta do mestre, o jovem arquiteto decidiu abrir o próprio escritório com colegas da faculdade (a configuração original mudou ao longo dos anos). Era 2000. “Escolhemos o nome Metro porque é universal, tem a ver com metrópole e com a unidade de medida básica da arquitetura. Foi natural continuar trabalhando com o Paulo, desenvolvendo projetos com ele.”
A maior parte desses projetos, espaços públicos ou privados, é de uso coletivo. Por exemplo, o setor de visitação da fábrica de chocolates Nestlé (SP), a Galeria Leme (SP), o MAM de Santos (SP), o Museu de Belas Artes (RJ) e o novo Teatro Castro Alves (BA). “Esse é o campo da arquitetura que mais me interessa. A primeira razão é o fato de ter a possibilidade de contribuir para a cidade e para a vida das pessoas. Também tentar aproximar o urbanismo da arquitetura, diminuir a fronteira entre o que é um edifício e o que é cidade.”
Corullon e Mendes da Rocha somam talentos no processo de criação. “Normalmente, o Paulo faz umas maquetezinhas de papel, quase como se fosse um desenho, só que tridimensional. E desenha na lousa, enfim, com esses dois recursos, ele faz todo o partido do projeto. Daí, quando a gente desenha no computador, começam as questões mais objetivas”, revela Corullon.
O primeiro grande projeto, que marca a história do Metro, são os hangares da Gol, em Confins (MG). Uma área gigantesca onde o maior desafio era transformar aspectos estruturais em virtudes espaciais. “Eram muitas equipes técnicas trabalhando juntas no local, e a gente tinha de por tudo para conversar. Por exemplo, havia várias redes e sistemas de ar comprimido, hidráulica, elétrica, o piso tinha de ser superespecial. Cada decisão acabava tendo impacto em outras. A questão da beleza entra mais como consequên-cia de uma equação complexa do o que você procura em primeiro lugar.”
Essa foi a primeira obra grande do escritório, realizada sem a participação de Mendes da Rocha. “Nós brincávamos que se pudéssemos colocar todos os projetos que já tínhamos feito até então, lado a lado, dentro do hangar, eles caberiam ali. A partir disso, nos sentimos capazes de fazer coisas maiores”, afirma. Os hangares foram inaugurados em 2006.
Uma dessas “coisas maiores” é a reestruturação da área de visitação de uma fábrica de chocolates, a Nestlé, em Caçapava (SP). A ideia era encontrar soluções para questões estruturais, como o conflito de fluxos – entre funcionários e visitantes – e criar um projeto sensorial. Como no filme A Fantástica Fábrica de Chocolate, fazer da jornada uma “experiência”. “Criamos uma ambientação e um percurso mais interativo. Quando você entra, tudo é banhado com uma luz vermelha, que dá certo clima para o que vem adiante. À noite, essa luz funciona como uma espécie de lanterna para quem vê de fora. Vira uma referência na Dutra”, conta. A inauguração está prevista para julho.
Outro projeto do escritório que tem uma marca de ambientação muito forte – e que foi feito antes da Nestlé – é o do Grupo Votorantim, em São Paulo. “A gente usou muito material da própria empresa, que é o alumínio, então criou um ambiente impactante.”
A inspiração na arquitetura é resultado mais de um processo intelectual que espiritual, na opinião de Corullon. “Você tem de lidar com leis da física, com grana, com um monte de técnicos, então sobra pouco espaço para inspiração. Eu diria que os projetos são quase equações”, afirma.
Uma das obras que expressam a ideia de equilíbrio na história da parceria Corullon-Mendes da Rocha são o estúdio e a Galeria Leme, em São Paulo. Os dois edifícios – o primeiro construído pelo escritório Metro e o segundo, por Mendes da Rocha – funcionam com uma única unidade. “É como se fosse um só projeto.” Eles foram erguidos um de cada lado da rua, que Corullon considera parte da obra. A Galeria é toda de concreto, introspectiva. Já o estúdio é translúcido. “É uma brincadeira de opostos.”
No Metro, todo mundo se atualiza. Corullon faz mestrado na área de Projeto, Espaço e Cultura na USP – após passar dois anos em Londres, onde foi para trabalhar no escritório Foster+Partners, conhecido pelos projetos de grandes escalas, de museus a estádios, no mundo todo. Anna, sua sócia, mora na Basileia, Suíça, onde desenvolve um trabalho para o escritório de arquitetura Herzog & de Meuron.
“Acho que o Paulo representa de alguma maneira uma escola que tem uma matriz modernista, com particularidades brasileiras ou paulistas, e nosso escritório é inevitavelmente herdeiro dela. Talvez uma marca da nossa geração seja reconhecer essa tradição, mas tentar estabelecer um diálogo, uma troca, entre ela e a produção internacional”, acredita Corullon.
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