“A vista é um sentido promíscuo. O ávido olhar sempre quer mais!” A frase, da ensaísta e romancista norte-americana Susan Sontag está coberta de razão. O olho é o farol do mundo e como tal vasculha o que está ao seu alcance. Como extensão dele, a câmera fotográfica também age, registrando tudo, na construção da subjetividade e na discussão de como o sujeito se comporta diante dela. A fotografia brasileira já foi desconsiderada por intelectuais do elitizado grupo do modernismo de 1922. Não é que justamente Oswald de Andrade, o líder das mudanças estruturais da arte brasileira naquela época, antenado com tudo o que ocorria na Europa, sai com essa: “… arte não é fotografia, nunca foi fotografia”. Os tempos e os conceitos mudaram e os críticos também. Hoje a fotografia se junta a outras formas de expressão e compõe performances, espetáculos de dança, teatro, e muitas vezes não é só a alma, mas a salvação de péssimas instalações em bienais.
O Prêmio Brasil Fotografia, criado pela Porto Seguro, é prova desse protagonismo ao longo de 16 anos, iniciativa que Fabio Luchetti, presidente da entidade, defende com a ideia de “fomentar a cultura e a circulação da produção fotográfica brasileira”. Em sua 14ª edição, expõe pela primeira vez, até 14 de agosto, os trabalhos finalistas no novo Espaço Cultural Porto Seguro, inaugurado em janeiro deste ano. Foram inscritos 1.500 participantes e os 15 finalistas somam 83 obras divididas entre fotografia, vídeos, multimeios, instalações e projetos experimentais.
A cada ano, o prêmio homenageia um fotógrafo, pelo conjunto da obra, e desta vez Evandro Teixeira, do Rio de Janeiro. Uma seleção de imagens de seus momentos notáveis aponta que ele vive mesmo para fotografar. As fotos, geradas há décadas, são prova de que o fotojornalismo brasileiro é o segmento mais organizado do setor e, por isso mesmo, compreendido como tal internacionalmente. Sebastião Salgado é um dos paradigmas dessa constatação.
Um dos méritos do prêmio é formar um acervo da fotografia contemporânea, a partir de aquisições de, entre outros, Thomaz Farkas, Cássio Vasconcellos, Claudio Edinger, Claudia Andujar, Cristiano Mascaro, German Lorca, Luiz Braga, Luiz Humberto, Rosângela Rennó e Miguel Rio Branco. Destinado a fotógrafos brasileiros ou estrangeiros residentes no Brasil, o prêmio teve em sua comissão de seleção deste ano Ana Maria Belluzzo, Cildo Oliveira, Cristiano Mascaro, Lucia Py e Ronaldo Entler. Foram premiados, além de Evandro Teixeira, Luiz Baltar, na categoria Ensaio Impresso, e Marlos Bakker, na de Ensaio Multimeios. As seis menções honrosas são de Thelma Vilas Boas, Ricardo de Abreu Neves, Bárbara Wagner, Diego Lajst, Edu Simões e Ligia Jardim. As bolsas para o desenvolvimento de projetos em andamento ficaram com Leo Caobelli e Dirceu Maués. Já Letícia Ranzani recebeu o Prêmio Brasil Fotografia Revelação.
Um dos bons trabalhos deste ano revela o olhar desiludido dos refugiados africanos em Paris e tem empatia imediata com o público. Um conjunto desconcertante de retratos, originalmente feitos em 3×4, para documentos de pedido de asilo, registrados por Diego Lajst revela a injustiça do mundo globalizado. O portrait sempre atraiu seguidores desde o tempo em que era disciplina obrigatória, em desenho e pintura, nas antigas escolas de belas artes, em todo o mundo.
Em 2012, com a ideia de reestruturações do evento, o redenominaram como Prêmio Brasil Fotografia, instituindo uma bolsa, que está em sintonia com o projeto da diretora executiva do Espaço Cultural Porto Seguro, Ângela Barbour, para residências artísticas. A mostra dos finalistas da premiação, com a coordenação de Cildo Oliveira, também curador da competição, ganha espaço adequado na arquitetura contemporânea e arrojada do local, sem elementos interferindo nas obras. Heterogênea na abordagem, mas unida no propósito de confrontar experimentações, histórias, fatos políticos e sociais, as obras demonstram que seus autores também foram tocados pelas turbulências sociais e políticas do mundo.
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