Espírito revolucionário

Ela pode até não ser televisionada, como cantou o músico e poeta norte-americano Gil Scott-Heron em 1970, em The Revolution Will Not Be Televised, mas a revolução foi – e por certo continuará sendo – fotografada. Prova disso é o livro Revoluções, do sociólogo Michael Löwy, que inspirou exposição homônima que acontece até 3 de julho no SESC Pinheiros, em São Paulo.

A obra reúne cerca de 400 fotografias em preto e branco dos principais movimentos revolucionários da história, desde a antológica Comuna de Paris (1871), que acaba de completar 140 anos, até a famosa Revolução Cubana (1953-67), que imortalizou Che Guevara como um dos principais ícones revolucionários de todos os tempos. O livro abrange ainda alguns movimentos sociais expressivos, inclusive no Brasil, que, segundo o autor, são imbuídos de um “espírito revolucionário”.
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A ideia pioneira de juntar toda essa documentação fotográfica em um livro veio do amigo de Löwy, o editor francês Eric Hazan. “Existem obras com fotografias de um ou outro evento histórico, mas pela primeira vez são reunidas imagens que percorrem o conjunto da história revolucionária moderna. Juntamos uma equipe de especialistas para escrever os comentários e outra de documentaristas, para pesquisar o material. Em um segundo momento, fizemos a seleção das fotos mais interessantes para cada capítulo”, observa. Em dois anos, tudo estava pronto.

Revoluções brasileiras?
Em geral, fotografias são utilizadas para ilustrar análises históricas. No caso do livro Revoluções, o caminho é outro. “Fizemos o inverso: são as fotos que nos contam o que aconteceu. Os comentários, sucintos, tratam de entender os acontecimentos por meio das imagens, que por sua vez não substituem o papel da análise e da narrativa. Elas trazem uma dimensão essencial, a da subjetividade revolucionária, tal como se manifesta no olhar, nos gestos, no sorriso ou no desespero”, explica.

“É possível aprender muito com as imagens”, prossegue Löwy. A composição social dos insurgentes, o papel das mulheres, o lugar das barricadas. “Nossa preocupação era mostrar a revolução, não como uma abstração, uma ideia, um conceito, uma estrutura, mas uma ação de seres humanos vivos, homens e mulheres que se rebelam contra uma ordem que se tornou insuportável.”

O sociólogo se diz convencido de que as fotos de revoluções – sobretudo se foram interrompidas ou vencidas – possuem uma poderosa carga utópica. “Contêm uma qualidade mágica, ou poética, que as torna sempre atuais e subversivas. Nos falam ao mesmo tempo do passado e de um futuro possível.”

Apesar de viver na França desde 1969, Michael Löwy nasceu em São Paulo, em 1938. Formou-se em Ciências Sociais pela USP, fez doutorado na Sorbonne, em Paris, e hoje é diretor emérito de pesquisas no Centre National de la Recherche Scientifique e professor na École des Hautes Études en Sciences Sociales.
O Brasil aparece no posfácio do livro, intitulado Revoluções Brasileiras?. Questionado sobre o porquê da interrogação, ele responde: “Corresponde à minha opinião de que não houve revoluções propriamente ditas na história do Brasil”.

Entretanto, alguns movimentos de rebelião com aspirações revolucionárias ganham espaço no livro, como a greve geral (dirigida pelos anarcossindicalistas) de São Paulo em 1917, a coluna Prestes, o levante da Aliança Nacional Libertadora em 1935, a resistência contra a ditadura militar nos anos 1960-70 e as invasões de terra do MST. Cada um desses movimentos é representado por uma fotografia.

A luta não acabou
E os recentes levantes no Oriente Médio, África e até na Europa, seriam um indício de que o espírito da revolução está de volta? “Na verdade, esse espírito nunca deixou de estar presente”, rebate. Ele cita a queda do Muro de Berlim (1989), evento que teve, pelo menos em um primeiro momento, um aspecto revolucionário. “A mídia decretou o fim das revoluções e das utopias.” Mas, segundo ele, vários eventos recentes provam o contrário.

“Teve o levante zapatista de 1994, a greve dos trabalhadores franceses em 1995, a mobilização contra o neoliberalismo em Seattle em 1999, as semi-insurreições que derrubaram governos neoliberais na Argentina e na Bolívia no início de 2000, todos atestam que a história das lutas libertárias não acabou”, afirma Löwy.

Para uma próxima edição de seu livro, ele já admite a necessidade de incluir fotos das novas revoluções que estão em curso, caso, por exemplo, dos recentes levantes na África do Norte e Oriente Médio. “São exemplos da vitalidade desse espírito da revolução, que sempre surge onde menos se espera”, diz, referindo-se a uma frase de Marx que compara as insurgências históricas de populares a uma toupeira que escava por baixo da terra e que, para surpresa das classes dominantes, de repente irrompe na superfície.

E na França, ou mesmo no Brasil, haveria algum embrião insurgente na cena política atual? “Não vejo muitas possibilidades de movimentos revolucionários na França, atualmente, apesar da bela tradição do povo francês.” Já no Brasil, ele vislumbra um horizonte mais animador: “Observo muitas aspirações a uma mudança radical, a uma ruptura com o modelo neoliberal e mesmo com o sistema capitalista, responsável pela brutal injustiça social e pela destruição da natureza. Quem viver verá”, conclui.


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