A saga de Olmir Stocker, o nosso Alemão, é um exemplo da capacidade do artista brasileiro. Como o gaúcho, existem inúmeros e inestimáveis músicos de valor saídos dos mais distantes rincões ou mesmo da esquina da casa do leitor que vão se virando, aprendendo, ensinando, fazendo a coisa acontecer, levando uma vida gerúndia e anônima, mas sem os quais estaríamos parados no tempo. Portanto, considero uma honra a Brasileiros ter cedido espaço em quatro edições para contar a história do compositor de O Caderninho, permitindo que se falasse de assuntos e nomes pouco mencionados, não raro há muito esquecidos, sem os quais, como já disse, babau!
Como vimos no capítulo anterior, Olmir Stocker, o nosso Alemão, fechou os anos 1970 como um músico requisitado. Nesse período, encontrou tempo para tocar New York, New York no Gallery, a casa noturna paulistana da moda, acompanhar astros em seu auge, como Simone, participar de espetáculos fundamentais, como Brasileiro Profissão Esperança, de Paulo Pontes, com Clara Nunes e Paulo Gracindo, direção de Bibi Ferreira, e ainda compor jingles para o Nosso Estúdio, fundado pelo casal Walter Santos e Tereza Souza (pais da internacional Luciana Souza), local sagrado e ainda em funcionamento onde foi gravado, por exemplo, os discos Clara Crocodilo, de Arrigo Barnabé, e A Música Livre, de Hermeto Pascoal. Resumindo, Alemão estava a mil. Era hora de decolar.
E foi o que aconteceu. Em 1981, saiu Longe dos Olhos, Perto do Coração, disco que focou sua carreira em seu próprio trabalho – Alemão tem quase duas mil composições -, vendeu mais de 30 mil cópias e o levou a formar um grupo estável. E dos mais curiosos. Alemão simplesmente dispensou o baixo. Para acompanhá-lo, chamou sopros: Paulinho Oliveira, percussão, João Parahyba (Trio Mocotó) e, surpresa, outro violão. O primeiro convidado foi Rafael Rabelo que estava impedido no momento – logo sofreria o acidente que resultou em seu desaparecimento precoce. Alemão, então, escolheu um menino que frequentava sua casa, amigo de seus filhos, excelente músico que se apresentava na igreja do bairro da Casa Verde, zona norte de São Paulo: Zezo Ribeiro. O quarteto gravou o segundo disco do guitarrista, Alemão Bem Brasileiro (1987), e chamou a atenção dos promotores do Montreal Jazz Festival canadense, onde se apresentaram dois anos seguidos – tornando-se a única atração a repetir a participação devido ao sucesso. As apresentações se sucederam. Free Jazz Festival, São Paulo, Town Hall, Nova York, mais um disco, Só Sabor (1990), só alegria. Mas Alemão não estava satisfeito. Obedecendo a seu humor único, alegou doença. “Peguei conjunto-evite”, explicou antes de dissolver a banda.
O duo Alemão & Zezo se tornou “O” som. Juntos gravaram Brasil Geral (1992) e De A a Z (1995), se apresentaram em 23 países, sendo mais ligados ao Ministério de Relações Exteriores que ao de Cultura. Normalmente, o que faziam eram apresentações oficiais durante os fins de semana intercalados por gigs nos clubes e teatros locais. Até que foram abatidos em pleno voo pelo governo FHC, que cortou a verba para essas atividades. Sem qualquer aviso, eles se viram impedidos de cumprir uma agenda de 18 shows na Alemanha, sendo taxados de “não sérios” pelos promotores. Por coincidência, nesse período, Zezo, que andava encantado com o estilo flamenco, ganhou uma bolsa de estudos e foi para a Espanha aprender com os mestres ciganos. Foi o início de sua carreira solo – seu disco de estreia, Gandaia (1997), tem a participação do baixista americano John Patitucci (Chick Corea), o segundo, Flamencando (2001), de Elba Ramalho, é o que dá uma mostra de seu ecletismo. Com a volta de Zezo, seis anos depois, a dupla voltou à ativa.
Não que nosso herói estivesse inativo. Casado há 53 anos com dona Terezinha, pai de quatro filhos – apenas a caçula é solteira e mora com o casal -, compondo o tempo todo, Alemão leciona há 12 anos na Universidade Livre de Música (ULM), em São Paulo – rebatizada Centro de Estudos Musicais (CEM) -, e é membro efetivo da Associação Internacional de Guitarras. Autor de vários livros, o guitarrista tem especial orgulho de Valsas Contemporâneas Brasileiras, lançado no Japão, e Método de Composição Popular (Diferentes Formas de Harmonizar), em que oferece cinco tratamentos diferentes, do mais simples ao mais jazzístico, para cada uma das oito composições do livro. O músico tem predileção por aulas particulares, mas são poucos os escolhidos. Para eles, Alemão costuma se lembrar de uma vez que tocou em Angola com Zezo e o cachê foi pago em kwanza, moeda local que durante muito tempo foi considerada a unidade monetária de menor valor do mundo. Os dois receberam um caminhão de dinheiro. O guitarrista diz para os alunos: “Vocês que estão começando a tocar guitarra agora, toquem em libra esterlina, dólar ou euro e não em kwanza. É muita nota para pouco valor”.
Palavras do compositor de O Caderninho, Olmir Stocker, o Alemão, um herói brasileiro que toca (com palheta!) uma guitarra Gibson ES175 modelo 1966, daquelas que precisam de um Wes Montgomery para encarar.
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