Sistema partidário entrou em colapso, diz cientista político

O cientista político Jairo Nicolau, professor titular da UFRJ - Foto: Laycer Tomaz / Câmara dos Deputados
O cientista político Jairo Marconi Nicolau, professor titular da UFRJ – Foto: Laycer Tomaz / Câmara dos Deputados

O cientista político Jairo Nicolau, professor titular da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), avalia que o atual sistema partidário entrou em colapso e precisa de uma reforma profunda. Segundo Nicolau, o excesso de partidos está inviabilizando a montagem de coalizões governamentais estáveis. Por isso é imperioso aprovar medidas para reduzir o número de legendas.

A principal delas seria, segundo Nicolau, restringir o acesso dos partidos aos recursos do Fundo Partidário e ao tempo de TV, dois fatores que vêm impulsionando a fragmentação do sistema. Segundo o professor da UFRJ, uma cláusula de barreira que impedisse que partidos com menos de 1,5% dos votos elegessem representantes para a Câmara já reduziria o total de siglas de 27 para 18.

Por que a crise assumiu proporções tão graves? Nicolau recorda que as bases do atual sistema foram criadas após uma ditadura (1964-1985) que limitava severamente a liberdade de expressão. Por essa razão “houve essa generosidade, esse espírito de eliminar as restrições, de não limitar as forças emergentes”. De certa forma essa opção contribuiu para consolidar a democracia no Brasil, uma vez que a “porosidade” do sistema possibilitou que os grupos extremistas se incorporassem ao regime democrático e procurassem obter a hegemonia política por meio de voto.

Mas, embora esse pluralismo consiga inibir os movimentos contrários à ordem democrática, ele acabou se tornando um obstáculo à governabilidade: “O sistema entrou em colapso devido a essa generosidade. Hoje chegamos a uma situação extrema: a pulverização partidária atingiu um grau absurdo, disfuncional para a formação e manutenção dos governos”. Nicolau recorda que a própria presidenta Dilma Rousseff deixou clara a enorme dificuldade de governar com um Congresso tão disperso: “No período do FHC se fazia maioria simples [no Congresso] com três, quatro partidos. No governo do ex-presidente Lula, você fazia maioria simples com oito partidos e absoluta com 11. No meu governo você precisava de 14 partidos para fazer maioria simples”, disse ela. 

Essa dispersão dificulta a aprovação de projetos de interesse nacional, porque esses legisladores estão preocupados sobretudo com questões locais: “Veja o que aconteceu na sessão que aprovou o impeachment de Dilma Rousseff na Câmara, em 17 de abril”. Quem acompanhou as justificativas dos deputados para aprovar o afastamento percebeu que “os deputados eram operadores políticos de bases muito circunscritas. Eram operadores políticos de pequenas cidades, de pequenos interesses”. Como observa Nicolau, essas bancadas são insensíveis a grandes questões ideológicas e a reformas ambiciosas. Eles não estão preocupados em resolver os problemas da Previdência: “A reforma da Previdência é um tema de interesse geral, e sua discussão deveria se originar do Legislativo, mas ela não aparece como tema do Legislativo”.  

Segundo Nicolau, é necessário reduzir essa fragmentação antes que ela aumente ainda mais: “A tendência é chegar a 2018 com um sistema ainda mais fragmentado”. Não há nenhuma maneira de reverter isso de forma espontânea, porque os políticos locais querem controlar suas próprias máquinas partidárias: “Hoje o estímulo para que os políticos migrem para siglas maiores é mínimo. É melhor você ser o dono do PROS ou do PTN do que ser um deputado do PMDB. Mesmo nos Estados ou nas cidades é vantajoso liderar um partido pequeno. O dono do PTN de uma cidade como Nova Iguaçu consegue negociar com o governador. No PMDB ele não teria essa oportunidade. Então os políticos não têm hoje nenhum incentivo para aderir a partidos grandes”.

Como não dá para fechar partidos que já conseguiram o registro definitivo, “é preciso estabelecer regras para eles tenham um mínimo de representatividade, um mínimo de apoio na sociedade”. Por isso, diz Nicolau, é preciso segmentar o acesso dos partidos aos recursos do Fundo Partidário e ao tempo na TV. Hoje basta obter o registro definitivo de um partido para que a sigla comece a receber mais de R$ 1 milhão por ano. “Existem 35 partidos registrados e outros 30 na fila. O Tribunal Superior Eleitoral não vai conseguir segurar isso por muito tempo. Esses novos partidos também vão conseguir acesso aos recursos do Fundo Partidário e, depois, a alguns minutos de tempo na TV. Dois minutos em horário nobre custam uma fortuna em termos de renúncia fiscal. São muitos os benefícios para quem cria um partido.  Com isso você está financiando partidos sem votos.”

Segundo Nicolau, qualquer sistema precisa estabelecer um patamar mínimo de votos. É preciso uma cláusula de barreira que impeça que o Parlamento se disperse em uma multidão de siglas: grupos minúsculos devem atuar como alas de partidos maiores, e não como legendas autônomas. Ele conta que, no início de 2015, os funcionários da Câmara dos Deputados tiveram de transformar vários banheiros em gabinetes para abrigar as lideranças dos pequenos partidos. 

Por isso Nicolau sugere o estabelecimento de um patamar mínimo de votos para que o partido tenha acesso ao Fundo Partidário e ao tempo de TV. Segundo ele, uma barreira de 1,5% seria aceitável para partidos como o PC do B, o PSOL e o PSC: “Em tese não haveria maior dificuldade para aprová-la. E você ficaria com 15 a 18 legendas na Câmara em vez de ter 27 ou 28”. Uma medida assim incentivaria a fusão das pequenas siglas e abriria caminho para um sistema partidário mais governável. Hoje o Senado está discutindo uma proposta de emenda constitucional que cria uma cláusula de barreira de 2% dos votos nas eleições de 2018, que subiria para 3% em 2022. Nesse caso, a resistência à aprovação deve ser muito maior. O patamar de 2% já atingiria o PSOL; o de 3% deixaria fora do Congresso o Solidariedade, o PC do B, o PPS e o PV, entre outros. 

Resta saber se o Judiciário permitirá essa limitação: “O STF teve papel decisivo na fragmentação do sistema partidário em 2012, ao permitir que os políticos levassem seus votos e seu tempo na TV quando criavam um novo partido”. Desde então, seis partidos foram criados. E, em 2015, o STF derrubou a lei 12.875, de 2013, que restringia o acesso das novas legendas ao Fundo Partidário. 



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