Matthew Shipp, uma experiência

Apresentação de Mathew Shipp em São Paulo - Foto: Daniel Benevides
Apresentação de Mathew Shipp no Sesc Pompeia, em São Paulo – Foto: Daniel Benevides

Não foi um show, nem um concerto, apesar do grande piano preto instalado no centro do teatro do Sesc Pompeia, mas uma experiência. Ver Matthew Shipp ao vivo é dessas oportunidades que ninguém deveria perder. Infelizmente ele fez apenas uma apresentação, na última sexta, como parte do festival Jazz Na Fábrica, que continua a partir de hoje até domingo.

Em entrevista exclusiva para a Brasileiros, o pianista nascido e criado em Wilmington, mas radicado em Nova York desde 1984, disse nunca preparar seus shows solo: “eu sempre improviso muito e às vezes toco alguns standards do meu jeito.”

E foi o que ele fez. Surgiu, simples, com camiseta listrada,  fez mesuras para os dois lados da plateia, dobrando o corpo alto e magro, de longas pernas e braços, sentou-se ao banquinho do piano lustroso e tirou mágica dos dedos por uma hora, sem interrupção. Pura invenção espontânea, com rara concentração, só interrompida quando ajeitava os óculos no nariz ou quando segurava a tampa do piano que teimava em cair nos momentos mais intensos.

“Música é linguagem, é energia, é vibração, é vida”, diz. O mesmo se aplica a seu modo de tocar, um misto de vitalidade crua e capacidade cerebral de criar as mais improváveis conexões musicais. Por vezes, Shipp despeja camadas sobrepostas de sons tão densas que é difícil acreditar que só tenha duas mãos. Os dedos parecem flutuar no teclado, mesmo quando ataca as teclas com determinação, e seus cotovelos vão e voltam ao lado do corpo, como se executassem uma dança alienígena. Em outros momentos, dá espaço a silêncios e pontuações sonoras intrigantes. Parte do público não entende ou não gosta e começa a sair. Quem fica, porém, ovaciona o músico calorosamente e ganha de bis uma versão brutalmente bela de Summertime, mais ou menos como se pode ouvir no seu álbum de 2014, o excelente I’ve Been to Many Places. Ele já declarou que, quando toca e fecha os olhos, “é como um orgasmo”. Também aproximou seu estilo ao processo de action painting de Jackson Pollock. Faz sentido. Ao mesmo tempo, afirma que vive em “constante transformação, aberto a diferentes parâmetros”. Não à toa, Shipp explorou diversos gêneros, do free jazz ao hip hop.

Sua primeira epifania surgiu na igreja, aos cinco anos: “fiquei impressionado com o organista e desde então resolvi que tocaria teclados.” Estudou música clássica, aprendeu jazz nos discos de Erroll Garner, Ahmad Jamal, Bud Powell, Cecil Taylor e Yusef Lateef. Teve aulas com antigos professores de Clifford Brown e de John Coltrane (foi bastante influenciado por McCoy Tyner). E tocou por bastante tempo na banda de David S. Ware, além de gravar em dupla com William Parker, Roscoe Mitchell e outros luminares da música experimental. Um deles é o saxofonista brasileiro Ivo Perelman, com quem já gravou cerca de 12 álbuns,muitos dos quais recentemente. “Ele frequentava o restaurante em que minha mulher trabalhava e acabamos nos conhecendo. Nos entendemos de cara, temos muita sintonia um com o outro. Mas devo dizer que conheço pouco de música brasileira, só o óbvio, Hermeto, Jobim etc. Contudo, sou capaz de senti-la intensamente, de alguma maneira.”

Pergunto se acha que a música tem um papel social: “Qualquer coisa que você faça é um ato político. Levantar-se de manhã é um ato político. Tocar um instrumento também. Fazer música é falar algo sobre a cultura, mesmo quando essa música é abstrata, instrumental, pois está inserida num momento particular, num ambiente particular. Então ela tem um papel social sim, não importa qual tenha sido a intenção do artista.”


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