A União Europeia é o segundo maior parceiro comercial da Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) depois, obviamente, dos Estados Unidos. Nos últimos 12 anos, o comércio entre a UE e a América Latina mais que duplicou, representando quase 7% do comércio total do bloco europeu.
A UE é também o maior investidor estrangeiro direto nos países latino-americanos, com valores que totalizaram 506 bilhões de euros em 2013 (11% do investimento direto estrangeiro da UE). Na década que vai de 2004 a 2014, a União Europeia passou, em geral, de um déficit comercial a um superávit com a região, particularmente significativo no México e no Brasil.
A base da política externa e econômica europeia está na procura de acordos com blocos regionais, em detrimento de acordos bilaterais com países. Na aproximação com o Mercosul não foram utilizados instrumentos de caráter político-militar, mas, sim, instrumentos vinculados à defesa da democracia e proteção de direitos humanos, regras de abertura das economias e apoio explícito aos processos de integração regional.
Desde 1998, o Mercosul e a União Europeia negociam, sem sucesso, um importante acordo comercial (sabendo que o ponto mais difícil da negociação é o tema dos produtos agrícolas), mas propuseram, além disso, um passo histórico nas relações entre as duas regiões e devem contribuir para o estabelecimento de relações empresariais e de investimento mais estáveis entre elas e para o aumento dos benefícios sociais a seus cidadãos, bem como para impulsionar um modelo de desenvolvimento sustentável. Na visão da União Europeia, o dito acordo deve ser um elemento fundamental no processo de integração política na América Latina e, portanto, para a estabilidade, a democracia e a segurança da região.
Bem diferente é a política dos Estados Unidos em relação à América Latina. O objetivo americano é a multiplicação de acordos bilaterais, individualizados e com um forte componente político-militar. A prioridade é a abertura das economias latino-americanas para as regras liberais do mercado financeiro internacional, o desinteresse pelos aspectos sociais e a dependência exclusiva, em termos de segurança, do guarda-chuva estadunidense.
O Mercosul (Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai, Venezuela e agora, praticamente, Bolívia) é, potencialmente, a quarta maior economia do mundo, depois da União Europeia, Nafta (Tratado Norte-Americano de Livre Comércio) e Asean (Associação de Nações do Sudeste Asiático) com um PIB total de US$ 3,2 trilhões em 2015. A fragmentação regional, tão desejada pela Casa Branca, privilegia a manutenção de acordos comerciais, financeiros e estratégicos favoráveis aos Estados Unidos.
No caso do Brasil, visto de Washington, ainda mais inaceitável que a integração regional no Mercosul é a vontade de dar realidade ao BRICS, um agrupamento econômico atualmente composto por cinco países: Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Esse grupo de países com características econômicas em comum (que representa 21% do PIB mundial) passou, a partir de 2006, a ser um mecanismo internacional. Durante uma cúpula do BRICS, em 2013, os países-membros decidiram pela criação de um Banco Internacional do grupo, o que desagradou profundamente aos Estados Unidos e ao Reino Unido, responsáveis pelo FMI e Banco Mundial, respectivamente. A decisão sobre o banco do BRICS ainda não foi oficializada, mas deve se concretizar nos próximos anos. A ideia, acompanhada da criação de um fundo de reserva no valor de US$ 100 bilhões, é fomentar e garantir o desenvolvimento da economia dos países-membros do BRICS e de demais nações subdesenvolvidas ou em desenvolvimento.
União Europeia, Mercosul e BRICS de um lado e a superpotência estadunidense de outro são duas formas antagônicas de imaginar as relações geopolíticas e econômicas no futuro. É um debate fundamental e indissociável das consequências que trará a atual onda neoliberal.
Os desmoronamentos, quase simultâneos, dos governos e políticas peronistas, petistas e chavistas deixaram um espaço enorme na América Latina para um retorno a uma situação de “quintal dos Estados Unidos”.
O presidente argentino, Mauricio Macri, foi o primeiro a corresponder a essas exigências americanas: esfriamento do Mercosul, medidas econômicas da mais estrita conformidade liberal e abertura de negociações para a instalação de duas bases militares norte-americanas em território argentino.
O governo de Michel Temer, com José Serra nas Relações Internacionais, entrou logo na mesma lógica: desapreço ao Mercosul, acenos aos Estados Unidos, distância do projeto BRICS e apaixonadas declarações neoliberais.
Mas não somente Argentina e Brasil. No Peru, Pedro Pablo Kuczynski, novo presidente eleito, é um liberal de carreira, foi banqueiro de investimentos nos Estados Unidos, onde passou metade de sua vida, e na Venezuela a presença americana ao lado dos líderes da oposição que ganharam as últimas eleições legislativas é constante.
O Mercosul está em crise, a presidência venezuelana do bloco foi recusada pela Argentina e pelo Brasil e a negociação com a União Europeia foi congelada. Os parceiros do Brasil no grupo do BRICS expressaram sérias preocupações pela permanência do País nesse processo depois das declarações de José Serra.
O momento político atual brasileiro tem como objetivo não apenas retomar o caminho de uma política interna culturalmente conservadora e economicamente neoliberal, mas reavivar uma política externa alinhada com os interesses dos Estados Unidos. Todos os mecanismos de integração regional (Mercosul), de consolidação geopolítica (BRICS) ou de procura de acordos globais (com a União Europeia ou a Asean) são vistos como frutos de um ciclo progressista que deve ser fechado. Na visão neoliberal clássica, a dimensão social, democrática e multipolar das políticas integradoras deve ser neutralizada e marginalizada.
*François Huteau é cientista político e economista, doutor pelo Institut d’ Études Politiques de Paris (Sciences-Po)
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