Diretor de Direitos Humanos da OAB-SP: “Estamos numa antessala da ditadura?”

Membros do Ministério Público perguntaram sobre abusos policiais apenas em 1,36% das vezes, e os advogados, em 5,78%. Foto: EBC
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Uma garota de 19 anos ficou cega de um olho no primeiro dia do governo definitivo de Michel Temer na presidência. O episódio já dava o tom do tratamento que seria dado em manifestações contra Temer dali para frente. Deborah Fabri, que participava de um dos protestos contra o peemedebista, foi atingida por um estilhaço de bomba lançada pela Polícia Militar de São Paulo.

O tenente-coronel Hugo Motta, comandante de operações de diversos atos recentes na capital paulista, achou que o caso de Deborah era motivo de deboche. Conforme mostrou a imprensa, Motta compartilhou em seu perfil do Facebook um tweet chamado “Quem planta rabanete, colhe rabanete”, com um texto mostrando que Deborah havia escrito que defendia “destruição em protesto de cunho político que tenha objetivos sólidos” e depois, quando ela comunicava em sua página pessoal que tinha perdido a visão de um olho.

Motta também publica imagens antipetistas, como a bandeira do Brasil, de luto, com uma estrela vermelha, e os dizeres “corrupção e safadeza” no lugar de “ordem e progresso”, e de uma águia com o brasão da Polícia Federal capturando uma cobra com a estrela do PT.

Para Martim de Almeida Sampaio, diretor adjunto de Direitos Humanos da OAB –SP, Motta mostra que não tem condições de exercer a função da Polícia Militar, que é de mediar conflitos sociais: “O coronel pode ter a opinião dele, mas como ele é uma pessoa pública, não pode debochar e manifestar o antipetismo dele. Ele está deixando de ser mediador para tomar um dos lados. Se ele debocha das pessoas que são petistas, de antemão ele mostra que não serve para cumprir a função dele porque ele tem um comprometimento ideológico com o outro lado”.

Sampaio também critica a atuação da Polícia Militar ao reprimir as manifestações contra Temer. Segundo ele, protestos contra Dilma não recebiam o mesmo tratamento violento da instituição: “Manifestações contra o governo terminam em borrachada, perda de um olho, até uma juíza saiu ferida.  Não só isso, pessoas presas por averiguação. Essa prisão por averiguação era um instrumento da ditadura”.

Leia abaixo a entrevista com Sampaio:

Revista Brasileiros: O tenente-coronel Hugo Motta deveria ser afastado de sua função por esse comportamento nas redes sociais?

Martim de Almeida Sampaio: Isso tudo é baseado no código militar, que tem um procedimento administrativo específico. Sob ponto de vista militar, não sei se essa falta levaria ao afastamento.

Posso dizer o seguinte: a democracia fundamentalmente é um processo de confiança, das pessoas nas instituições. A Polícia Militar é uma instituição mediadora de conflito social, isso que eles têm que entender. Eles têm um grau de dificuldade para compreender o papel deles na sociedade. Na medida que um coronel, responsável pelas operações, partidariza a discussão, tomando o antipetismo ou outra posição qualquer, na medida em que ele ridiculariza uma pessoa que sofreu uma grave lesão, ficou cega de um olho, ele demonstra que convive muito mal com a democracia. Essa pessoa está fora do plano da normalidade. O coronel pode ter a opinião dele, mas como ele é uma pessoa pública, não pode debochar e manifestar o antipetismo dele. Ele está deixando de ser mediador para tomar um dos lados. Se ele debocha das pessoas que são petistas, de antemão ele mostra que não serve para cumprir a função dele porque ele tem um comprometimento ideológico com o outro lado. Ele não serve para a instituição.

A Secretaria de Segurança Pública diz que tudo bem manifestar a opinião, contanto que não interfira no trabalho, que tem sido isento e imparcial. O senhor concorda?

Me parece que não, eles partidarizam a discussão. Vemos os resultados. Manifestações que apoiam o impeachment tem até selfie com os policiais. Manifestações contra o governo terminam em borrachada, perda de um olho, até uma juíza saiu ferida.  Não só isso, pessoas presas por averiguação. Essa prisão por averiguação era um instrumento da ditadura. A ditadura prendia sem nenhuma acusação. Proíbe advogados de visitar os clientes. Coisa da ditadura. Não existe o mesmo peso e a mesma medida. As duas manifestações eram pacíficas e ainda que não fossem, tem que prender aquele cidadão [que comete alguma infração]. O que não pode é o castigo coletivo, surrar os manifestantes como foi feito. Isso é inadmissível. O senador Lindbergh Farias (PT-RJ) disse em vídeo que ele ia recorrer à Corte Interamericana de Direitos Humanos. Ou seja, ele não consegue, hoje, resolver dentro do País esse problema de como conduzir uma simples manifestação. A PM de São Paulo, ao invés de mediadora, virou juiz e punidor. Prende, entrega pra civil, e a civil se recusa a apresentar essas pessoas, ou seja, garantir o mínimo essencial numa democracia, os direitos dessas pessoas. Levar essas pessoas à presença de um advogado, recusa a entrada de advogados na dependência da polícia, onde que estamos? Na antessala de uma ditadura?

Para quem apoia o governo, a polícia garante a manifestação pacífica, para quem não apoia, leva porrada para aprender que não é pra se manifestar contra o governo. A mensagem é clara. E ter o escárnio de rir de uma pessoa que perdeu um olho, a gente desconfia que essa pessoa que riu está perdendo a humanidade.

A quem se pode recorrer com relação aos abusos da polícia? Fica por isso mesmo?

Não pode ficar por isso mesmo. Nós da OAB-SP estamos tomando providências. Estamos monitorando as manifestações, atuando em duas frentes. A primeira frente é a de prerrogativa porque somos uma entidade composta de advogados e os advogados tiveram suas prerrogativas violadas. Então estamos montando um plantão. Em relação à população, o presidente da OAB-SP me pediu para que eu montasse um plantão para acompanhar as violações dos direitos humanos. Eu vou monitorar isso, colher relatório e apresentar ao governo do estado, ao presidente da República, ao ministro da Justiça.  E tem uma outra via que é denunciar para a ONU. Em 2012, a ONU já pediu o término da PM, por entender que ela não convive com a democracia. Já existe essa compreensão por parte da ONU. 

O senador vai fazer uma denúncia, vai vir uma comissão de fiscalização e vai repercutir muito mal. O Brasil é conhecido por ser um aís que habitualmente viola os direitos humanos. Foi uma atrocidade o que aconteceu na Plimpíada, de proibir o “Fora, Temer”. Que tipo de governo é esse, que não permite que as pessoas se manifestem contra o presidente da república? Qual a qualidade de democracia desse governo? Nenhuma, se não deixa nem fazer uma manifestação de domingo com hora marcada.


Comentários

Uma resposta para “Diretor de Direitos Humanos da OAB-SP: “Estamos numa antessala da ditadura?””

  1. Avatar de CIANOTON_PACE
    CIANOTON_PACE

    #AbaixoOGolpe! #QueHorasElaVolta? #Lula2018! Muito estranho um membro de instituição golpista vir à imprensa livre falar de ditadura. Saiba, Sr. Sampaio, que a atitude da oab ao inventar crime de responsabilidade contra a Presidenta Dilma Roussef e apoiar Eduardo Cunha (o maior larápio da república), ajudou a derrubar a escolhida em voto popular. Foi no programa progressista que votamos e não num usurpador ladrão como Mishell Temer. Você e o resto da corja de “juristas” da oab são responsáveis, inclusive, pela repressão policial que dá a tônica desse golpe.

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