“Sou gaúcho, critico pra caralho, sério e resmungão.” Talvez a melhor definição de Rafinha Bastos seja a que ele mesmo se dá ao explicar por que seu humor é “pesado”. O comediante de 34 anos e 2 m de altura parece viver seu auge. Está na televisão na segunda-feira, no programa CQC, e na terça, em A Liga, ambos da Bandeirantes. Tem mais de 2 milhões de seguidores no Twitter, onde foi considerado pelo New York Times a pessoa mais influente do mundo – ou seja, aquela que mais tem a opinião reproduzida por outros usuários. Tem uma agenda de shows de stand up comedy que lota teatros em todo o Brasil, principalmente o seu próprio, o Comedians, em São Paulo, e assiste ao sucesso de seus empreendimentos: o bar GLS Frey Café e o DVD A Arte do Insulto, que em dois meses atingiu a marca de 25 mil cópias vendidas. Trata-se do mesmo show que chamou a atenção dos produtores da Band, em 2007, quando o convidaram para integrar o elenco do CQC.
Com um humor politicamente incorreto que não poupa ninguém – nem golfinhos nem Jesus Cristo -, Rafinha conquistou milhares de fãs e alguns desafetos, o que nunca chegou a incomodá-lo. “Meu objetivo não é me tornar apresentador do programa da tarde da Rede Globo”, brinca. Sobre o fato de suas piadas provocarem revolta em algumas pessoas, principalmente pelo Twitter, ele rebate: “Não é porque você faz piada de preto que você é racista, de gay que você é homofóbico”.
Mas na tarde em que Rafinha recebeu a Brasileiros no Comedians, o apresentador não estava exatamente em crise, mas passava por um momento de questionamento. A rejeição causada – ao que tudo indica – pela má interpretação de suas tiradas o fez refletir: “Isso nunca tinha me incomodado, mas agora me fez parar para pensar o porquê de as pessoas se incomodarem ou sobre qual é realmente minha preocupação com essa rejeição”.
Filho de um médico e de uma dona de casa, e irmão de uma professora de ioga, Rafinha nasceu em Porto Alegre e desde a infância gostava muito de TV. Prestou jornalismo para trabalhar em televisão e chegou a produzir e editar reportagens para um programa voltado a jovens na extinta Manchete. Depois de um ano nos Estados Unidos, onde estudou e jogou basquete na Liga Universitária Norte-Americana (NCAA), pela Universidade de Nebraska-Lincoln, voltou ao Brasil e foi contratado pela RBS, a Globo do Rio Grande do Sul, para produzir conteúdo para seu portal. Sem poder extravasar sua verve artística no trabalho, ele decidiu criar seu próprio site. A Página do Rafinha foi inaugurada em 1999, com o objetivo de abrigar sua produção criativa – um dos principais atrativos eram as paródias de clipes. Já com o intuito de seguir a carreira de comediante, aterrissou em São Paulo em 2003 e fez alguns trabalhos alternativos, como locutor de telessexo e DJ na balada Trash 80’s, além de comerciais de TV. Até conhecer os comediantes Marcela Leal e Marcelo Mansfield que o incentivaram a fazer stand up comedy. Ele estreou no gênero em 2004. Casado com uma cenógrafa e pai de Tom, de sete meses, Rafinha leva uma vida bem mais suave do que a imagem dura que muitas vezes passa. Não bebe, não fuma, não usa drogas e gosta de passar o tempo rindo de piadas na internet.
Brasileiros – Você é conhecido por um humor mais agressivo. Muitas vezes, suas piadas repercutem de forma negativa. Isso te incomoda?
Rafinha Bastos – Não preciso ser adorado nem amado por todos. Quem gosta da minha comédia que me acompanhe. Quem não gosta que não acompanhe. Com visibilidade, a rejeição aumenta. Tem mais gente que se ofende com a piada publicada. A piada escrita parece ter um peso maior. Quando ela é falada, a pessoa pode sentir que aquilo é uma ironia, mas quando vai para o papel, às vezes isso não aparece, vira uma agressão gratuita e meu objetivo não é esse, é fazer graça, é fazer comédia. Eu vou testando, acertando, errando, sem limite nenhum. Não faço questão de agradar mais gente, deixando de ser eu mesmo, entendeu? Meu objetivo não é me tornar apresentador do programa da tarde na Rede Globo. Nem tudo sobre o que faço piada é minha opinião. Às vezes, o que falo também não são preconceitos, são simplesmente piadas ou ironias em cima de preconceito. Não é porque você faz piada de preto que você é racista; de gay que é homofóbico, tem uma diferença grande entre a piada e o crime racial, quem não consegue entender essa diferença é idiota. Recentemente, saiu uma matéria sobre mim que repercutiu de forma negativa, isso nunca tinha me incomodado, mas agora me fez parar para pensar o porquê de as pessoas se incomodarem ou sobre qual é realmente minha preocupação com essa rejeição. Tenho uma preocupação única e exclusiva que é com a lei, porque pelo o que eu notei, a lei não protege quem faz piada, isso é uma coisa que preciso pesquisar porque os processos começam a chegar.
Brasileiros – Já tem algum?
R.B. – Tem um processo em cima de um vídeo que eu fiz na internet sobre bullying, movido por uma pessoa física, sei lá, um fulano que se sentiu ofendido.
Brasileiros – Apesar dessa rejeição, você é considerado a pessoa mais influente do Twitter, ou seja, aquela que mais tem a opinião reproduzida por outros usuários. O que significa isso?
R.B. – Não sei te dizer. Talvez reproduzam porque não gostaram, em revolta. Meu objetivo nunca foi que se reproduzisse em escala mundial o que eu tenho para dizer, eu quero ter meu público, gente que entende o que estou dizendo.
Brasileiros – Você atuou no seriado Mothern, da GNT (sobre mães modernas), que é mais sério, assim como A Liga (programa que trata de grandes temas, como drogas e preconceito). Mas também atua como comediante no teatro e no CQC. Com qual dessas atividades mais se identifica?
R.B. – Sou tudo isso que você falou, real e genuinamente. Posso falar de um tema sério, de aborto, por exemplo, e brincar, depois que meu filho nasceu, que eu passei a ser a favor do aborto. São experiências que eu tenho por não carregar esse peso absurdo das coisas, de poder brincar. Às vezes, o humor serve inclusive para aliviar certas tensões. Pode servir de forma terapêutica para muita perda. Outro dia, um menino me parou na rua e falou: “Meu pai morreu, eu criei um texto assim, assado e as pessoas ficam constrangidas”. E eu falei para ele: “Não, as pessoas ficam constrangidas não é porque seu pai morreu, mas porque seu texto é ruim, a piada não é boa. Se a piada for boa, ela vai funcionar”.
Brasileiros – Qual assunto te atrai mais nos seus trabalhos na TV: a cobertura política, esportiva, cultural?
R.B. – No CQC, fiz dois anos e meio do quadro Proteste Já (de denúncia) e todas as coberturas de eleição. Admiro o talento da galera que faz matéria com celebridade, por exemplo. Não me atrai, mas respeito, porque é mais difícil do que fazer Brasília. Porque em Brasília a piada já está lá. E outra, deputado é um representante do povo, ele tem de falar com a imprensa. Se ele vira as costas, já é uma piada. Se você vai falar com a Grazi Massafera ou o Toni Ramos, você não sabe se eles vão querer falar contigo. Podem virar as costas e ir embora e isso não é piada. O que você vai falar para o Toni Ramos depois de todas as piadas que fizeram a respeito de ele ser peludo?
Brasileiros – Qual o limite entre o que é piada e o que é desrespeito ao artista?
R.B. – Por isso que eu te digo que acho difícil, porque você está tratando direto com a pessoa, tem de ter um pouco de sensibilidade para saber de que lado você vai, onde você bate. É um artista, aí o cara fica puto e te fode com todos os outros, todo mundo te acha um trouxa.
Brasileiros – Improvisa muito no CQC?
R.B. – Tem bastante improviso, mas eu diria que 85% é roteiro.
Brasileiros – Vocês são amigos fora dali?
R.B. – Não. Não por eu não gostar das pessoas, é porque nosso convívio é pequeno. O (Marco) Luque e o (Marcelo) Tas são caras de quem eu gosto muito, mas é assim, a gente não se encontra durante a semana para beber cerveja.
Brasileiros – O que te faz rir?
R.B. – Dou risada das coisas que as pessoas mais simples dão, um tombo, um peido. Agora, com a criação da comédia, não sei dizer o que me faz rir, mas eu respeito muita gente.
Brasileiros – Por exemplo?
R.B. – Toda essa geração antiga que faz comédia. Às vezes, me perguntam se eu assisto Zorra Total, A Praça é Nossa. Não tem como criticar isso porque eles pavimentaram uma estrada para mim. Se hoje eu quebro um pouco paradigma, é porque existe algo sendo feito.
Brasileiros – Você se diverte, por exemplo, com filmes do Mister Bin?
R.B. – Não. Não gosto de cinema. E teatro só costumo ver peças dos amigos.
Brasileiros – O que faz nas horas livres?
R.B. – Gosto de ficar na internet, de escrever, fazer vídeo, criar coisas sempre. Ler blogs americanos de comédia, ficar no YouTube, gosto de ver os maiores absurdos, de interagir.
Brasileiros – Como é subir ao palco? Já se sentiu fragilizado?
R.B. – Acho que sim. Depende de onde eu vou. Se as pessoas vieram me assistir, estão dispostas a me ouvir, mesmo que não achem muito graça, porque, às vezes, faço umas piadas de bosta, que não funcionam. Pesquisar e desenvolver o texto são processos, para mim, muito dolorosos. Tem gente que faz isso com o pé nas costas, eu não. Sou muito crítico. Se a piada funciona um pouco, já tiro, sou perfeccionista.
Brasileiros – Mas o que vale mais: o texto ou a forma como ele é contado?
R.B. – Depende da pessoa, para mim 60% é texto. Também tem a minha maneira, mas as piadas que construí sei que funcionam para qualquer um, principalmente quando são assuntos como o casamento, a TPM. Quando a mulher comete um crime e se prova no Tribunal que ela estava de TPM, ela é absolvida, daí vem o nome do absorvente Sempre Livre. Qualquer um falando isso vai funcionar, mas eu sei quantas vezes testei isso para que conseguisse ter uma métrica boa, para que a palavra certa saísse, para que não gaguejasse, para acertar o verbo a mais que estava me atrapalhando.
Brasileiros – É tudo estudado?
R.B. – É tudo estudado e tudo fica do jeito que eu falo, com o meu tempo, a minha música, porque se a pessoa pega o meu DVD e faz em Cacimbinhas do Oeste, ela vai ter 70% do meu riso, agora, se essa pessoa pegar o texto do Marcelo Adnet ou do Marco Luque ou do Oscar Filho, não vai conseguir fazer, porque existe a interpretação, os três são atores. O Oscar tem um gato que ele imita, o Adnet tem uma música que ele canta como José Wilker e o Luque tem o motoboy, que ninguém consegue fazer, agora, no meu caso, é só texto. Na internet, eu faço as minhas merdas.
Brasileiros – Você tem medo de que alguém roube as suas piadas?
R.B. – Roubam. Aconteceu de o Sérgio Mallandro ir ao programa da Eliana e falar um texto meu: “Casamento é um momento mais feliz para a mulher do que para o homem, não é à toa que na cerimônia ela usa branco e ele, preto. O homem quando está solteiro quer casar e quando está casado quer morrer”. Liguei para o cara e ele falou: “Rafinha, eu não fiz seu texto, eu estava sentado com a Eliana e comentei uma história que eu ouvi de um amigo meu em um churrasco”. Pode ser, porque meu texto está na internet desde 2005, já tem 4 milhões de visitas. Muita gente decora essa porra, e o cara pode ter falado no churrasco. Ele ouviu e contou na Eliana, aí vou dizer que roubou? Ele pediu desculpas. Cada caso é um caso, mas tem gente que faz isso e acho criminoso.
Brasileiros – É verdade que já foi agredido em um show por alguém da plateia?
R.B. – Tinha um casal sentado bem na frente e a mulher não parava de falar. Aí, eu sacaneei, falei uma coisa assim: “Por que você não enfia o pau na boca dela para ela ficar quieta?”. Um negócio absurdo, uma agressão, porque realmente ela não calava a boca, mas, naquele momento, foi uma piada e as pessoas riram. Aí, o cara jogou gelo, eu tirei sarro, eu desviava, tudo vira piada quando se está em cima do palco. Jogou um, dois, três gelos e não aparecia segurança para segurar o cara.
Brasileiros – Como constrói suas piadas?
R.B. – Às vezes, a partir do cotidiano, outras em cima de notícias. Atualmente, tenho muita piada da gravidez da minha mulher, do nascimento do meu filho, que é o que estou vivendo no momento. Então, é a partir da vida.
Brasileiros – Sua mulher não se sente invadida?
R.B. – Não. As duas únicas entidades que podem me fazer ficar constrangido são meus pais e minha mulher, e eu nunca tive problemas com nenhuma delas. Mesmo que meu filho no futuro se sinta ofendido, vou dizer: “O papai paga as contas desse jeito meu filho”.
Brasileiros – Você diz que não bebe, não fuma, não usa drogas.
R.B. – Sempre fui cara de pau para fazer as coisas que eu achava que iam ser legais e mesmo as coisas mais absurdas, dançar na plataforma da balada, por exemplo, e nunca precisei de nada nem de cerveja para fazer essas coisas.
Brasileiros – Qual a sua ambição hoje?
R.B. – Não quero ser menor nem maior. Eu já quis muito, sou um cara competitivo, acho que eu tenho vontade de ser do caralho, mas essa noção de ser do caralho mudou muito. Hoje é manter princípio, ideal, é lutar, falar. Você me pegou em um momento em que eu estou me questionando muito. Será que vale a pena aumentar esse debate ou, em vez de estar conversando aqui, eu deveria estar na minha casa bolando piada? Não é uma crise, mas um questionamento. Será que vale a pena eu falar de liberdade de expressão? Estou com um DVD no mercado e quero que seja um sucesso, meu projeto é que isso seja um diamante de vendas.
Deixe um comentário