O futuro de Inhotim

Pavilhão do artista Hélio Oiticica em Inhotim. Foto: Marcelo Coelho
Pavilhão do artista Hélio Oiticica em Inhotim. Foto: Marcelo Coelho

Quando foi aberto à visitação, em 2006, o Instituto Inhotim surgiu aos olhos do público como um ousado projeto pessoal de um colecionador multimilionário. Em uma grande área de sua fazenda em Brumadinho, Minas Gerais, o empresário Bernardo Paz começava a expor grandiosas obras de seu acervo – algumas construídas especificamente para o local – e dava os primeiros passos na consolidação do que se tornaria, anos depois, o maior espaço ao ar livre dedicado à arte contemporânea no mundo – hoje com 140 hectares. Paz passava, também, a ser visto como um dos maiores mecenas de arte do País, uma pessoa capaz de investir milhões de reais todos os anos para expandir uma espécie de museu, ou parque, cada vez mais fascinante aos olhos do mundo. Dez anos após a inauguração, com cerca de 1.300 obras no acervo, transformado em Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) e tendo recebido mais de 2,5 milhões de visitas, o instituto não deixa de ser associado à figura de Paz, presidente do Inhotim e ainda financiador de parte importante de suas atividades, mas almeja cada vez mais caminhar com as próprias pernas, artística e economicamente. Ao comemorar uma década de aniversário, Inhotim olha, mais do que nunca, para o seu futuro, percebendo que não pode depender para sempre da figura de seu criador.

“Todas as coleções e ideias pessoais, quando são colocadas em escrutínio público, adquirem uma dimensão coletiva. Inhotim obviamente é muito mais do que um projeto pessoal. Hoje, é de Brumadinho para o mundo”, afirma a portuguesa Marta Mestre, uma das três curadoras do instituto ao lado de Jochen Volz (curador da Bienal de São Paulo deste ano) e Allan Schwartzman. “Por isso é um desafio também entender como desenhar e projetar o futuro de Inhotim de uma maneira coletiva”, diz ela, sobre o espaço que reúne obras de brasileiros como Hélio Oiticica, Lygia Pape, Tunga, Cildo Meireles, Amilcar de Castro, Adriana Varejão, Miguel Rio Branco e Claudia Andujar, e dos estrangeiros Yayoi Kusama, William Kentridge, Ólafur Elíasson, Jorge Macchi, Dam Graham, Chris Burden e Matthew Barney, entre muitos outros. Do funcionamento dos primeiros anos, quando Paz financiava tudo do próprio bolso e escolhia sozinho as obras, até os dias de hoje muita coisa mudou. Na parte artística, o fato de ter formado um time curatorial independente, de ter um diretor artístico e atividades expandidas para outras linguagens (música, dança e teatro) revela a consolidação da dimensão pública do projeto. Nas partes financeira e administrativa, a criação de diretoria e conselhos consultivos, o reconhecimento do instituto enquanto Oscip e a captação de recursos através de sistemas de patronato, patrocínios e apoio estatal – tudo analisado por uma auditoria externa – também apontam na direção da independência do Inhotim.

"Desvio para o Vermelho", de Cildo Meireles. Foto: Daniela Paoliello
“Desvio para o Vermelho”, de Cildo Meireles. Foto: Daniela Paoliello

“Temos vários mecanismos para buscar essa sustentabilidade”, diz o diretor executivo do instituto, Antonio Grassi. “Ainda não alcançamos, mas é uma instituição muito jovem.” Segundo Grassi, o custo anual de manutenção do Inhotim, com cerca de 700 funcionários diretos, está em torno de R$ 42 milhões. Deste valor, a arrecadação com bilheteria cobre cerca de R$ 10 milhões, enquanto as captações alcançam no máximo R$ 15 milhões. Restaurante, loja e eventos também geram receitas, menos significativas, e o restante ainda sai dos bolsos de Paz. Enquanto o número de visitantes cresce ano a ano – de 121 mil pessoas em 2008 para 353 mil em 2015 –, gerando um aumento nos ganhos, a captação de patrocínios vem sofrendo quedas em tempos de crise. Nesse sentido, Grassi afirma que o fortalecimento dos formatos de patronato, a possível criação de uma estrutura de fundos patrimoniais e uma maior arrecadação com centro de convenções, eventos e o hotel, que deve ficar pronto no próximo ano, são alguns dos caminhos viáveis. “Todo esse formato desenha uma instituição sólida que tenha  uma possibilidade de perenidade.” Até porque, diz ele, “se Inhotim acaba deixa um vácuo gigantesco”. Além de empregar centenas de jovens da região, o instituto movimenta hotéis, restaurantes e toda a estrutura de comércio de Brumadinho.

Arte em expansão

Ao mesmo tempo que pensa em soluções administrativas e financeiras, o Inhotim não deixa de ambicionar a expansão de seu projeto artístico, com ideias para novos pavilhões – de Ernesto Neto e Anish Kapoor, entre outros –, além de programar uma série de atividades comemorativas dos dez anos. “É um modo de se atualizar e fazer crescer constantemente o debate sobre a arte contemporânea”, explica Mestre. Para a curadora, Inhotim é um espaço muito particular não só no Brasil, mas no mundo, que pela dimensão de seu território e pelo tipo de obra que abriga já nasceu com vocação internacional. “Há poucos lugares assim, dedicados a trabalhos de grande escala. A arte contemporânea, em geral, foi se adaptando a um perfil mais adequado à escala do museu, da galeria e da casa, porque entrou em um circuito mais mercadológico. E Inhotim é diferente”, afirma. Por isso mesmo a curadora prefere não chamar o instituto de museu, ou de parque, como muitos fazem, dizendo que nenhuma dessas categorias o define com precisão. “O Bernardo fala uma coisa muito bonita, de que Inhotim é um estado de espírito”, diz ela. “Eu diria também que a experiência ali é sinestésica, mais do que interativa, onde todos os sentidos são convocados.”

Sonic Pavillion
Sonic Pavilion, de Doug Aitken. Foto: Divulgação

Grassi segue a mesma linha: “O olhar para a arte contemporânea dentro de um lugar como Inhotim é muito diferente daquele que você habitualmente tem em um espaço convencional. É uma coisa para ser vivida, não só vista”, afirma. “Tem um visitante que vem aqui todos os anos para passar uma semana inteira. Ele já conhece todas as obras, já circulou pelo jardim botânico diversas vezes, mas vem para estar nesse lugar. Chega de manhã, na hora que abre o parque, e passa o dia todo visitando, lendo, pensando. Quer dizer, é um lugar em que você não entra necessariamente com uma tarefa, uma missão específica, um roteiro definido. Inhotim tem disso: mesmo para quem está ali todos os dias, sempre há uma novidade.” O jardim botânico a que se refere é um dos grandes destaques do instituto, para além do acervo de arte. São mais de cinco mil espécies de plantas, representando cerca de 28% das famílias botânicas conhecidas do planeta. A coleção de palmeiras, por exemplo, é uma das mais relevantes do mundo, com cerca de 1.400 espécies. O setor botânico do instituto promove ainda pesquisas científicas avançadas e diversas atividades educativas.

Para a comemoração dos dez anos, Mestre conta que a exposição Por Aqui é Tudo Novo, que ocupa dois pavilhões do Inhotim a partir do dia 8 de setembro, propõe um olhar para o futuro da instituição, com foco especial nos artistas jovens do acervo. Sara Ramo, Erika Verzutti e Pablo Accineli são alguns dos nomes que terão obras expostas, colocadas em diálogo com trabalhos de artistas consagrados, como Di Cavalcanti e Victor Grippo. Considerando a performance como uma linguagem mais nova, estabelecida apenas recentemente nas coleções de arte contemporânea, um trabalho deste gênero de Laura Lima também ganha espaço na mostra. Sobre esta ideia de novidade, de “apontar para a frente como uma bússola”, a curadora explica também o nome da exposição. “Teve um viajante inglês que quando passou por Brumadinho, no século XIX, escreveu em um caderno de memórias que por aqui tudo era novo. E achei muito curioso, porque quem vem para Inhotim sempre diz que há aqui qualquer coisa de novo.”

A performance "Make-up Coincidence", realizada em meio à obra "A Prole do Bebê", de Tunga, é uma das atividades em homenagem ao artista na celebração dos dez anos de Inhotim. Foto: Daniela Paoliello
A performance “Make-up Coincidence”, realizada em meio à obra “A Prole do Bebê”, de Tunga, é uma das atividades em homenagem ao artista na celebração dos dez anos de Inhotim. Foto: Daniela Paoliello

As comemorações ainda trazem shows – de Fernanda Takai, Marisa Monte e Orquestra Filarmônica de Minas Gerais –, uma homenagem ao artista Tunga, morto este ano e um dos grandes incentivadores de Bernardo na construção de Inhotim, uma noite de visitação aberta – “quando vemos o espaço à noite é sempre muito marcante”, diz Grassi – e passeios temáticos para rememorar momentos importantes da história da instituição. Tudo isso em uma proposta de olhar para o passado, mas sempre planejando o futuro. Numa proposta, também, de aproximar ainda mais um público amplo, considerando que Inhotim não é um “mundo à parte” acessível apenas aos iniciados, como alguns costumam pensar. “Não existe a arte e o resto, a arte está junto do mundo. Então Inhotim é um prolongamento da sociedade. Um espaço dedicado à arte contemporânea, à natureza, onde também se colocam questões de ordem social, antropológica, moral, ambiental, etc.”, diz Mestre.


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