Lauro César Muniz, 74 anos, é um dos homens mais importantes da TV brasileira. Mais do que ser um dos maiores dramaturgos em atividade, é daqueles que defendem pontos de vista polêmicos com convicção e destemor. Muniz foi da Globo por décadas, mas encerrou o contrato com a maior emissora do País depois de uma notória “geladeira” de cinco anos. Hoje, terça-feira, 10, às 22h15, estreia sua terceira novela nessa sua segunda passagem pela Record, onde ficou afastado por 35 anos. O autor não escreve Máscaras sozinho. Renato Modesto é coautor, e há ainda a colaboração na dramaturgia de Mario Viana, Mariana Vielmond e João Gabriel Carneiro. A direção é de Ignacio Coqueiro, e o elenco inclui Fernando Pavão, Paloma Duarte, Petrônio Gontijo e Gisele Itié, dentre outros nomes. Muniz deu entrevista exclusiva à Brasileiros.
Brasileiros – O que podemos esperar de Máscaras?
Lauro César Muniz – A novela aborda o tema da busca de outra identidade. Um cruzeiro marítimo, de maneira geral, provoca em alguns passageiros uma liberação de comportamento, buscando vivenciar novas experiências. O ambiente estimula a fantasia, propicia o uso de “máscaras” sociais. Um dos personagens levará essa experiência às últimas consequências, viverá essa transformação de forma radical. Trocará de identidade com um homem que tentou matá-lo, e que morre nessa tentativa. Mas o morto reaparece na identidade de quem julga que ele morreu. Uma trama policial cheia de reviravoltas e surpresas.
Brasileiros – Como entreter telespectadores para tramas que demoram quase um ano para acabar? Como contar uma história por tanto tempo?
LCM – Há um limite para qualquer história. Uma novela de 200 capítulos só se mantém porque é preenchida por muitas redundâncias, flashbacks desnecessários, criação de novas histórias quando tudo já parece ter sido dito, barrigas que o telespectador suporta com enorme paciência. A fórmula da novela longa está superada. Ela se mantém viva graças às imposições das emissoras, que ainda não pararam para pensar sobre a questão. Inércia, comodismo. Diz-se que uma novela de 200 capítulos se paga na metade, pois bem, uma de 120 também terá seu ponto de equilíbrio na metade se houver uma proporção equivalente de personagens. A novela de 200 capítulos necessita uns 60 personagens (há quem peça 100). A novela de 120 capítulos, concentrada na ação principal, poderá ter apenas 25 personagens. Menos personagens, menos cenários, menos locações. O autor se estimulará a escrever e o estilo não se perderá como acontece hoje com a interferência de tantos colaboradores. Ganharão a emissora, os autores, o elenco (que fará mais rodízio), os diretores (terão condições de centralizar os trabalhos sem dividir com tantos outros profissionais com estilo diferente) e o público. Estou a todo momento ouvindo as pessoas dizerem: essa novela não acaba mais?
Brasileiros – A classe C também é seu alvo? Existe pressão na Record para agradá-la ou criar empatia com esses 54% da população brasileira?
LCM – Claro que é meu alvo. O meu principal alvo. Uma asneira foi divulgada recentemente: de que a classe C, mais ignorante, necessita de uma dramaturgia mais esquemática. Isso não acontece. O público não é burro, essa mesma classe C aplaudia nossas novelas como classes D e E, no passado, quando fazíamos um trabalho de melhor qualidade. Não foi a TV Record que pregou essa tolice de se criar para a classe C. Foi outra emissora. Ao contrário, a TV Record está apostando na qualidade. Rei Davi não visa a classe C, mas todos os públicos. E a resposta tem sido excelente.
Brasileiros – A novela era feita para a classe A antes, aliás, ou sempre foi classe C?
LCM – Sempre foi feita para todos os públicos. Não há diferenças tão fortes de percepção entre as classes. O que há é uma interpretação errada. Chaplin agrada tanto a classe A e B como as Classes C, D, E. Um trabalho pode ser bastante popular e ter qualidade. Um dos maiores sucessos dos últimos anos da TV Globo foi O Auto da Compadecida. Alguém coloca em dúvida a qualidade da obra de Ariano Suassuna?
Brasileiros – Com uma maior adesão da TV paga e a consequente popularização das sitcons americanas, como manter a fidelidade do público?
LCM –O público se dividiu, e isso é natural. Mas quando contamos histórias realmente interessantes, o público descobre e vai querer ver, independente de ser exibido na TV por assinatura ou na aberta.
Brasileiros – O que difere técnica e artisticamente trabalhar na Globo e na Record?
LCM – A TV Record nos deixa mais à vontade na escolha dos temas. Não temos compromisso com nada além da nossa própria disposição em fazer uma trabalho ambicioso e arrojado. As novelas da Record hoje superam em arrojo as novelas da Globo. Basta ver alguns títulos de novelas recém-exibidas como Vidas Opostas, Poder Paralelo, Rei Davi. Estamos contando histórias ambiciosas.
Brasileiros – Até onde você tem autonomia de escolha – de elenco, por exemplo?
LCM – Tenho toda autonomia. Desde a escolha do tema à discussão para escalar o elenco da novela. O autor é o único que conhece em profundidade os personagens, sabe até onde a história pode chegar. Portanto a palavra do autor é a mais importante na hora da escalação do elenco.
Brasileiros – Como funciona sua dinâmica de trabalho com colaboradores? Cada um fica encarregado de uma parte do trabalho?
LCM – Não. Escrevo sozinho os primeiros 30 capítulos para descobrir a realidade, força da trama e dos personagens. Depois, a partir de estruturas, escolho os autores que devem escrever uma cena ou outra.
Brasileiros – Você fez novelas emblemáticas na TV, algumas delas de forte cunho político. Esse assunto ainda o interessa?
LCM – Claro! Política é o motor da sociedade. Cada cidadão depende das ações dos políticos, principalmente os mais pobres. Não há boa história sem que se considere o aspecto político e o pano de fundo social. A boa personagem tem implicitamente uma ideologia bem definida.
Brasileiros – O que está achando do governo Dilma?
LCM – Ela teve um primeiro ano muito difícil, enfrentando corrupção de toda natureza, e os reflexos da crise econômica internacional. O público, no entanto, reconheceu seu empenho e seriedade. Se não, ela não teria hoje 77% de aprovação. Espero muito dos três anos que ela está enfrentando. É corajosa, sabe o que quer. Tenho esperanças que ela altere essa forma absurda e desonesta de distribuição de cargos e ministérios em função das reivindicações dos partidos aliados. Para mim, ela se revelaria uma grande presidente se acabasse com os ministérios políticos e nomeasse profissionais realmente competentes para cada área de atuação.
Brasileiros – O que achou de Lula e FHC?
LCM – Dois ótimos presidentes, que elevaram o país a um nível excelente de aceitação internacional. Ninguém é presenteado com a admiração de outras nações se os resultados concretos não aparecerem. FHC implantou um governo sério, cometeu alguns erros no segundo mandato que o Lula conseguiu com grande capacidade política resolver, corrigir alguns rumos e dar ao país um nível nunca antes alcançado.
Brasileiros – Acredita que a ministra Ana de Hollanda precisa realmente ser trocada?
LCM – Ela precisaria dar mais credibilidade às políticas anteriores do Ministério da Cultura. Houve coisas muito bem resolvidas que ela parece desconhecer. Não creio que ela seja uma avestruz. Eu não apoiaria a troca de Ana, mas pediria a ela uma revisão de sua política em função do que se fez antes.
Brasileiros – Por fim, em poucas frases o que diria hoje sobre algumas de suas produções para TV? Sinta-se livre para comentar elenco, releitura de texto, condução do trabalho, resultado final, enfim, o que ficou retido na memória sobre os trabalhos listados abaixo?
Poder Paralelo (2009-2010, Record) – Uma novela que se realizou muito bem. Houve um momento de barriga motivado pela extensão (232 capítulos) e por um afastamento meu por motivos de saúde. Eu não tinha um colaborador à altura do trabalho.
Cidadão Brasileiro (2006, Record) – Uma novela que sofreu as consequências de um início difícil da teledramaturgia da TV Record. Não havia condições como hoje, foi toda gravada em estúdios pequenos, com iluminação pouco cuidada, troca de diretores, sem possibilidade de usar computração gráfica. Hoje com o RecNov a novela seria bem diferente.
Zazá (1997-98, Globo) – Uma novela que foi esticada quando estava preparada para ser finalizada. O diretor de plantão me pediu que escrevesse mais de 50 capítulos quando eu estava terminando a história.
Araponga (1990-91, Globo) – Uma das piores novelas das quais participei. Ficou superada pelos acontecimentos da época, virou uma farsa fácil, cheia de gags velhas, tolas. Mas, apesar disso, cumpriu a finalidade de segurar a audiência de Pantanal, na Manchete.
O Salvador da Pátria (1989, Globo) – Meu maior sucesso de audiência em todos os tempos, a segunda maior audiência da Globo no horário (20 h). Sofri com um tipo de censura terrível que me impôs alterar o final da minha parábola.
Roda de Fogo (1986-87, Globo) – Uma novela que nasceu na Casa de Criação Janete Clair e que foi escrita com o Marcilio (Moraes), que redigiu a primeira sinopse. Um grande sucesso, uma novela em que tudo deu certo.
Um Sonho a Mais (1985, Globo) – A novela era do Marcílio, e eu era apenas o supervisor. Fez sucesso de audiência.
Transas e Caretas (1984, Globo) – Um grande sucesso de audiência, uma novela bastante divertida com uma ideia que contrapunha um cara muito conservador ao irmão transado (como se dizia na época). Lançou várias novidades, tinha um personagem que era um robô.
Os Gigantes (1979, Globo) – Minha pior novela. Tudo deu errado, inclusive a minha total incompatibilidade com Dina Sfat, que vivia um momento terrível em sua vida pessoal. Faltou um diretor com mão firme para não deixar a novela se perder.
Espelho Mágico (1977, Globo) – Uma de minhas melhores novelas, talvez a melhor. Eu amava escrever. Ganhei muitos prêmios, mas uma antipatia absurda da direção da emissora que, dentre outras coisas, mandou destruir a novela. Não há mais a novela, apenas dois ou três capítulos em arquivo. Um crime.
O Casarão (1976, Globo) – Talvez minha melhor novela juntamente com Espelho Mágico. Para mim foi um grande prazer escrevê-la.
Escalada (1975, Globo) – Alguns consideram minha melhor novela. Eu acho que ela sofreu um pouco pela extensão: 206 capítulos. É um divisor de águas na minha carreira na televisão e no horário das oito da Rede Globo.
Corrida d0 Ouro (1973-74, Globo) – Uma novela que eu apenas comecei e foi completada pelo Gilberto Braga. Eu deixei a novela para escrever Escalada.
As Pupilas do Senhor Reitor (1970-71, Record) – A primeira versão era primorosa, em preto e branco, na TV Record. A versão do SBT tinha uma produção muito bem cuidada, mas outros autores alteraram, sem critério, alguns caminhos, buscando uma audiência mais fácil.
Aquarela do Brasil (2000, Globo) – Uma minissérie em que me desentendi com o diretor. Foi bastante prejudicada por isso.
Chiquinha Gonzaga (1999, Globo) – Uma minissérie que eu adorei fazer com Regina Duarte, fazendo um de seus melhores trabalhos. Fiz sozinho sem que nenhum outro autor colaborador escrevesse sequer uma cena. Foi um trabalho plenamente realizado.
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