Se José Luís Peixoto receber duas propostas de viagem na mesma data e uma delas for o Brasil, o Brasil ganha. Recentemente esteve em São Paulo, para participar da mesa de encerramento da Pauliceia Literária, que aconteceu entre os dias 12 e 17 de setembro.
A conversa foi mediada pelo curador Manuel da Costa Pinto. Entre outras coisas, mostrou que, para o vencedor do Prêmio José Saramago com o romance Nenhum Lugar, todos os lugares são possíveis. Até a Coreia do Norte. O país de Kim Jong-Um rendeu outro livro a Peixoto (ainda que tenha se comprometido a não escrever nada sobre a vida norte-coreana antes de embarcar). Apesar de ter quebrado – de certa forma – o que foi prometido, voltou lá outras três vezes. “É muito fácil especular sobre a Coreia do Norte”, referindo-se às pessoas que falam sobre o país, sem argumentos necessariamente factuais.
Dentro do Segredo, lançado em 2014, tem algo diferente de seus outros livros – é documental. Peixoto afirma que fez questão de que fosse assim, com informações precisas. Em trechos mais livres, deixa claro que se trata de sua interpretação. O livro tem até um pedido de desculpas aos futuros habitantes. Há uma passagem em coreano nas últimas páginas – sem tradução -, na qual afirma que a pessoa do futuro deve saber bem melhor sobre a Coreia do que ele, mas que o livro mostra aquilo que ele sabia no momento em que o escreveu. “Aquilo que a Coreia do Norte realmente é saberemos um dia. Hoje não há certeza absoluta sobre uma grande quantidade de aspectos fundamentais”, reconheceu após traduzir a passagem. Para ele, existe muita desinformação sobre o país, é preciso ter uma vivência in loco para formar opiniões mais genuínas.
E o autor quer desconstruir alguns equívocos acerca da sociedade norte-coreana. O primeiro, segundo ele, é achar que o país tem alguma inspiração marxista. Se existe alguma, é muito remota, diz. Não se encontra lá referências ao alemão, nem a Lenin ou Stalin. “A Coreia do Norte é um sistema nacional-socialista. Nacional em extremo”, alertou o escritor. No entanto, continuou, existe uma estética stalinista, surgida nos anos 50, no período de intensa Guerra Fria.
O português de Galveias falou sobre alienígenas para exemplificar a compreensão que os norte-coreanos têm – ou não – do mundo além do seu. “Eu sempre achei que é possível que exista vida em outro lugares, mas há uma coisa que é complicada de se conceber: e se essa vida não for perceptível pelos nossos sentidos?”, disse em tom provocativo, fazendo a plateia atenta refletir. O fato é que, assim como o mundo não consegue conceber que existam sentidos além dos seus, os norte-coreanos não conseguem conceber coisas além de seu país. Afinal, eles estão presos em uma bolha alimentada com propaganda governamental totalitária.
A fala de Peixoto busca alertar sobre o preconceito que existe em relação aos norte-coreanos, com frequência caracterizados, de modo pejorativo, como “alienados”, sem considerar suas limitações. A sincronia em tudo também foi algo que chamou sua atenção na Coreia do Norte. A razão está, de acordo com ele, no quanto é malvisto as pessoas se distinguirem umas das outras. É necessário sempre estar em equidade. O valor, entre os coreanos, está no quanto uma pessoa é igual às outras.
O próximo livro de José Luís Peixoto será lançado no Brasil em 2017. Por enquanto, Em Teu Ventre só foi editado em Portugal. Conta um episódio intrigante: as aparições de Nossa Senhora de Fátima a três crianças.
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