Em versos, Vinicius de Moraes dizia que beleza é fundamental. Eu peço licença para discordar do poeta e lembrar que charme, “pegada“ e raça fazem toda a diferença. Unindo a opinião do compositor carioca com minha, temos Maria Baró, uma catalã da gema que mistura o swing de Barcelona com um quê da brasileira, que seduz e encanta o mercado internacional de arte.

Nas artes, ela chegou de mansinho, como quem não quer nada, levada por uma mistura de intuição, paixão pela arte e veia empreendedora. Quem chega à sua galeria, a Baró, localizada no bairro de Santa Cecília, no limite com a Barra Funda, vai entender como funciona a adrenalina dessa dinâmica galerista.

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Sempre a mil por hora, Maria fala com todos ao mesmo tempo, de funcionários a artistas, passando pelos jornalistas que a assediam o tempo todo. Maria, que é literalmente cheia de graça, imprime sua personalidade em tudo o que faz. Ao contrário de outros profissionais que procuram manter-se a certa distância dos protagonistas do mercado, ela se aproxima cada vez mais. Afinal, ela acredita, de fato, que hoje, mais do que nunca, o sistema de arte é uma espécie de família, em que todos têm de colaborar com todos. Talvez essa seja a chave do seu sucesso!

“Eu cheguei, vi o galpão e senti: vai ser aqui. Assim escolhi o local onde instalaria minha terceira galeria, a Baró, que fica na Rua Barra Funda, 216, quase em frente ao belíssimo Teatro São Pedro. Eu sou assim. Uma mistura de intuição, paixão pela arte e forte veia empreendedora. A intuição vem primeiro. Muito bem acompanhada, porém, pelo racional. Transformei um galpão de 1.500 m2, onde funcionava um antigo estacionamento, em galeria de arte.  No início, alguns amigos acharam loucura. Mas minha intuição estava certa. No dia da inauguração, em 22 de maio de 2010, esperávamos umas 300 pessoas. Vieram 1.500. Como grandes atrações, um Penetrável e um Cosmococa, com imagens de Luis Buñuel, ambos de Hélio Oiticica. O resultado do investimento é literalmente um grande espaço dedicado à produção contemporânea, no qual os artistas têm condições de esparramar sua arte. Não somos mais um cubo branco, como na Baró Senna (a primeira galeria montada por Maria Baró no Brasil, em sociedade com Eliane Senna).

A amplidão é parte da nossa estratégia, de oferecer aos artistas área suficiente para se expressarem, algo cada vez mais difícil em um mundo dominado pela internet e pelas feiras de arte. O artista chega e vou logo dizendo: ‘Esqueça a parte comercial. Expresse-se da maneira que você quiser, utilizando o espaço necessário’. Eles ficam encantados.

Só agora, quase dois anos após ter aberto a Baró, acredito estar dominando essa grande área. E, em um país no qual, desafortunadamente, há poucos museus e instituições de arte, nós, os galeristas, temos o dever de garantir esses espaços de livre expressão artística.

Hoje, eu circulo com desenvoltura no mercado de arte nacional e internacional, conheço gente do mundo inteiro, já agenciei a venda de obras de artistas do porte de Van Gogh, Miró, Renoir. Mas, olha só: nunca pensei que um dia fosse trabalhar com arte, muito menos ser galerista.

Sou espanhola, de Barcelona. Lá, me formei em engenharia química. Estudava à noite e durante o dia trabalhava no governo catalão, em um departamento voltado para facilitar a instalação de empresas japonesas no país. Com vinte e poucos anos, já falava e escrevia japonês. Ajudei a trazer para a Catalunha a Cannon, a Sharp e a Sony. Como eu tinha um bom relacionamento com os orientais, aos 24 anos fui convidada por uma trading japonesa e mudei-me para Madri. Passei a trabalhar na área de investimentos patrimoniais, nada a ver com arte. Mas os japoneses estavam investindo muito na Espanha, comprando hotéis e campos de golfe. E começaram também a pedir obras de arte. Daí, a menina de formação científica, aos 24 anos se vê procurando obras de Van Gogh, Miró, Renoir, Goya e Picasso para esses clientes japoneses. Além disso, eu agenciava o intercâmbio de artistas espanhóis com o Japão. Paralelamente, o governo japonês me convidou para fazer um curso de Comércio Exterior de investimentos no Japão, para que eu entendesse a mentalidade oriental. Fiquei especialista nisso, adorava o que eu fazia, mas minha paixão já estava definida: era a arte.

Tanto, que voltei para Barcelona e, com 25 anos, ingressei na Faculdade de História da Arte e abri meu próprio escritório na área. Então, sempre trabalhando com arte, participando de feiras internacionais, acabei conhecendo meu marido. Nos casamos, vim para o Brasil em 1997 por causa dele, que veio prestar uma consultoria na área estratégica.

Aqui, minha veia empreendedora continuou pulsando. Sou muito inquieta. Logo consegui, em 1998, com a Daniela Bousso, uma exposição do fotógrafo John Copeland, no Paço das Artes, em São Paulo, com a participação do próprio, experiência única.

A minha entrada no mundo das galerias deve-se grandemente a Marcantonio Vilaça. Ele foi definitivo na minha carreira como galerista. Ele gostava muito de Barcelona, dos catalães e espanhóis. Foi com a minha cara e disse: ‘Vou te apoiar. Faça uma galeria voltada aos jovens artistas. Eu busco esses jovens no mercado’. Assim, apenas dois anos após ter pisado em terras brasileiras, eu abri, em outubro de 1999, minha primeira galeria, em sociedade com Eliane Senna: a Baró Senna. Em setembro, já havíamos sido admitidas na Feira de Arte Contemporânea de Madri, a ARCO, graças aos contatos do Marcantonio Vilaça.

A Baró Senna, na Alameda Gabriel Monteiro da Silva, marcou época pela arquitetura. Era um cubo branco, perfeito, e também fez sucesso por retomar as performances. Fizemos coisas bem diferentes e nos destacamos bastante, pois naquela época não havia tantas galerias como hoje. Fomos, aliás, a primeira galeria a mandar convites eletrônicos. Sempre gostei de inovar. A Baró Senna acabou cinco anos depois, com a mudança de Eliane Senna para os Estados Unidos.

Fiquei um tempo em um impasse, repensando um modelo de galeria, quando topei com o Oscar Cruz, na mesma situação. Assim, da sociedade com Oscar surgiu a Baró Cruz, em 2004, na Rua Clodomiro Amazonas, no Itaim. Naquela época, ninguém dava muita bola para a arte latino-americana em São Paulo e nós fomos pioneiros nisso. Trouxemos vários artistas da América do Sul para cá. Era um espaço principalmente para artistas latino-americanos e brasileiros. A parceria Baró-Cruz também durou cinco anos e acabou porque eu e Oscar tínhamos personalidades muito diferentes. Eu sou muito expansiva, e o Oscar tinha um trabalho mais intimista. Do fim da Baró Cruz para a abertura da minha Baró não demorou muito. Um amigo me falou do galpão da Barra Funda. Abri a galeria em um excelente momento. O mercado de arte contemporânea tem se beneficiado com a boa situação econômica do Brasil, incluindo aí as exportações, que nunca foram tão boas. Mas arte contemporânea é sobretudo uma paixão, pois, sinceramente, é muito mais fácil vender um Miró – e ganha-se muito mais dinheiro com isso – que vender um artista contemporâneo. Se você fizer as contas na ponta do lápis não é um negócio absurdamente rentável. Mas trabalhar com arte, lidar com arte, é uma maneira de sair um pouco do caos do mundo atual e ficar em uma dimensão menos terrena. É libertador.”


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