Porque o fenômeno de micro-organismos resistentes à terapia virou prioridade na ONU

Não é de hoje que manchetes em todo o mundo alertam para o crescente fenômeno de patógenos resistentes à terapia. Longe de ser exceção, a resistência afeta diferentes doenças e faz com que tratamentos percam à efetividade: antes capazes de curar alguém que sofre, eles se tornam inócuos diante de organismos simples como parasitas, fungos, vírus e bactérias. 

A resistência também não diferencia ricos nem pobres. Da malária, ao HIV. Das infecções urinárias à pneumonia. Nenhuma doença infecciosa passa incólume ao fenômeno. Para se ter uma ideia da gravidade e da seriedade do assunto, o evento foi levado à Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, cuja 71ª edição ocorre agora em setembro. É apenas a quarta vez que um assunto de saúde foi levado para o principal órgão deliberativo da ONU: os outros foram HIV, doenças não transmissíveis (como diabetes e condições cardiovasculares) e o Ebola.

Em 2010, 7% dos soropositivos em terapia antirretroviral em países em desenvolvimento desenvolveram resistência ao tratamento. Nos países desenvolvidos, o índice varia entre 10% a 20%. Mundialmente, a Organização Mundial de Saúde estima que 480.000 pessoas desenvolvem tuberculose resistente à antibiótico por ano.  

“Dentro do contexto mais amplo, a resistência é considerado o maior e mais urgente risco global que requer atenção nacional e internacional”, enfatizou texto da Organização das Nações Unidas. 

Na assembleia, líderes mundiais assumiram o compromisso de lutar contra o avanço de patógenos resistentes. E não será uma tarefa fácil. Os objetivos envolvem prevenção, diretrizes estritas em hospitais e mudanças de hábitos na agriculta e na pecuária. Países pertencentes à ONU devem seguir de perto as diretrizes que têm por base o Global Action Plan on Antimicrobial Resistance, publicado pela Organização Mundial de Saúde em 2014.

Keiji Fukuda, epidemiologista e diretor-assistente da Organização Mundial da Saúde em coletiva sobre o encontro. Fukuda foi representante especial da OMS na reunião da ONU.
Keiji Fukuda, epidemiologista e diretor-assistente da Organização Mundial da Saúde em coletiva sobre o encontro. Fukuda foi representante especial da OMS na reunião da ONU. Foto: Reprodução

O esforço mundial é necessário porque, pela globalização, nenhum país é capaz de superar esse problema sozinho, reforça a ONU. Será preciso um esforço mundial e um sistema de vigilância poderoso para barrar o avanço desses micro-organismos. Além disso, o acordo na ONU pode servir para uma cooperativa global – que inclua o financiamento de estudos e pesquisas para melhor entender e prevenir o avanço desses agentes. Um novo planejamento de ação está previsto para a edição da Assembleia Geral da ONU em 2018.


Um risco mundial e desafios

Melhorias na saúde global nas últimas décadas estão sob ameaça com o avanço de micro-organismos resistentes a terapias, diz a ONU, que exorta médicos a utilizarem medicamentos como o último recurso. O problema é grave porque estamos sob o risco de voltarmos a uma era em que é possível óbitos por doenças há muito superadas, como a intoxicação alimentar e a pneumonia. A grande questão com a resistência é que a tecnologia não anda na mesma velocidade com que esses patógenos “driblam” as terapias.

Ainda, diz a ONU, doenças como tuberculose e a gonorreia se tornaram resistentes a medicamentos de ponta, criados recentemente. Em países mais pobres, antibióticos eficazes e acessíveis são cruciais para salvar as vidas de pessoas expostas a condições associadas à pobreza, como a malária e infecções alimentares.

Em todos os países, algumas operações cirúrgicas de rotina – e até tratamentos como a quimioterapia – poderão ser menos seguros sem antibióticos eficazes para proteger contra infecções.


O papel da agricultura e da pecuária

A comida é um dos possíveis veículos para a transmissão de bactérias resistentes para seres humanos. O uso na agricultura e na pecuária de fortes produtos para o combate de pragas e doenças têm contribuído para o fenômeno. Pessoas que diretamente lidam com esses produtos no seu dia-a-dia também estão mais suscetíveis, diz a ONU.

Os altos níveis de agentes resistentes são o resultado de uso excessivo e incorreto de antibióticos e outros agentes antimicrobianos em humanos, animais (incluindo peixes de viveiro) e culturas, bem como a propagação de resíduos destes medicamentos no solo, colheitas e na água.


O que os países devem fazer, segundo a ONU

1 – Melhorar a sensibilização e a compreensão da resistência antimicrobiana através da educação e comunicação;

2 – Reforçar as evidências da ciência por meio do aumento da vigilância e pesquisa;

3 – Propagar a prevenção e reduzir a incidência de infecção por meio de medidas eficazes de saneamento e higiene;

4 – Otimizar o uso de medicamentos antimicrobianos na saúde humana e animal, com melhores critérios para a adoção do tratamento;

5 – Aumentar o investimento de novos medicamentos, ferramentas de diagnóstico, vacinas e outras intervenções.


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