Luta por direitos dos imigrantes é tema de exposição em São Paulo

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Vista da exposição. Crédito: Thamara Malfatti

Era o ano de 1991. Verônica chegava a São Paulo com oito anos. Acompanhava sua família, que vinha da Bolívia, para encontrar o pai já estabelecido na capital. Preocupada com a educação dos filhos, a mãe de Verônica procurava uma escola que aceitasse recebê-los, já que ainda estavam irregulares no País. A estadual Prudente de Moraes permitiu matriculá-los. Dois anos se passaram e a Secretaria de Educação estabeleceu algumas mudanças na matrícula dos alunos. Um dos requisitos era que os estudantes fossem cadastrados com o R.G. Em outubro de 1994, o diretor convocou Verônica e outras crianças, que foram obrigadas a deixar a escola por não terem documentos. “Na época, eu tinha 11 anos” – conta Verônica Quispe Yujra – “fiquei muito triste e percebi a importância que tinha um documento, e o quanto não tê-lo podia me tirar”. Yujra se formou em Odontologia e idealizou o projeto Si Yo Puedo, que promove cursos voltados para a comunidade boliviana. A história de Yujra, dentre tantas outras que se relacionam com a imigração contemporânea, pode ser conferida na exposição Direitos migrantes: nenhum a menos, em cartaz no Museu da Imigração, em São Paulo.

A mostra apresenta dois projetos de história oral desenvolvidos pelo museu: Conselheiros extraordinários imigrantes nos conselhos participativos municipais; e Mulheres em movimento: migração e mobilização feminina no Estado de São Paulo. No primeiro, estão entrevistas com imigrantes que, a partir de 2014, foram eleitos para os conselhos municipais. São senegaleses, bolivianos, malineses, que puderam participar pela primeira vez da política brasileira, já que no Brasil só podem votar os imigrantes naturalizados brasileiros que estejam regularizados no País há mais de 15 anos. Já o outro projeto aborda o movimento de mulheres que, nos últimos anos, se fortaleceu dentro da comunidade imigrante, formando em 2014 a primeira frente de mulheres que participou da Marcha dos Imigrantes.

Segundo a curadora da mostra e integrante do núcleo de pesquisa do museu, Tatiana Waldman, a exposição propõe uma conexão entre o passado e o presente. “O grande papel do museu é promover um diálogo entre essas experiências históricas e contemporâneas. O ato de imigrar tem muitos pontos em comum, independentemente dele ter sido no final do século XIX ou no início do XXI”, afirma. Localizado no bairro tradicional do Brás, o museu ocupa a antiga hospedaria de imigrantes que recebeu mais de 2,5 milhões de pessoas que chegaram ao Brasil, desde 1887. Essas memórias de uma geração que veio para o País há dois séculos se conectam agora com uma nova história, de imigrantes que lutam por seus direitos, em um momento no qual a xenofobia e o fechamento de fronteiras ganha cada vez mais força.

O “outro”
Na primeira sala da mostra, o público entra em um espaço pequeno e escuro. Nas paredes desse ambiente claustrofóbico há frases como: “E se você estivesse em um país onde você não pode escolher seu representante político?” ou “Você não tem acesso a serviços de educação”. Waldman ressalta que a intenção desta sala é remeter às fronteiras legais que impedem o acesso dos imigrantes a seus direitos: “O Estatuto do Estrangeiro é uma legislação que nasceu em 1980, no período de ditadura militar no Brasil, e ainda é uma herança que a gente carrega desse passado. Essa permanência reforça uma visão do migrante como um estrangeiro, uma ameaça, o ‘outro’. E é justamente esse estigma que tentamos quebrar, fazendo com que as pessoas reflitam sobre quem constrói essa fronteira entre nós e os outros”.  A curadora ainda enfatiza que atualmente no Brasil vivem cerca de 1 milhão e meio de imigrantes. Já o número de brasileiros que moram fora do País é de mais de 3 milhões.  Há, portanto, um grande número de brasileiros que são imigrantes, o que também questiona a separação entre “nós” e os “outros”.

Em contraponto à primeira sala, a exposição apresenta outro espaço no qual estão localizados os depoimentos dos projetos de história oral, além de fotos e vídeos que retratam as manifestações políticas e culturais como a Marcha dos Imigrantes, que acontece todo dezembro em São Paulo, e a Festa de Alasitas, celebração típica da Bolívia. Alguns dos vídeos exibidos foram feitos pelo Visto Permanente, coletivo que produz audiovisual sobre artistas imigrantes em São Paulo. Segundo Cristina de Branco, integrante do coletivo: “As mídias hegemônicas brasileiras retratam o imigrante como um estranho, um exógeno, alguém que vem deturpar a nacionalidade, ameaçando uma pureza natural que sabemos não existir. A imigração é pautada de uma maneira negativa e até violenta. Os bolivianos, por exemplo, são sempre associados ao trabalho escravo. Os haitianos são aqueles que chegam em massa invadindo o país. O imigrante é visto assim como um problema. Diante disso, criamos um canal midiático que propõe uma representação alternativa a essa imagem negativa veiculada pela imprensa”, afirma. O vídeo mais acessado do coletivo, que apresenta o grupo de rap boliviano Santa Mala, pode ser assistido na exposição.

Na segunda sala também há um destaque especial para a militância das mulheres imigrantes. Segundo Jobana Moya, boliviana que vive no Brasil desde 2007 e participou do projeto de história oral, “as mulheres em geral já estão numa situação de vulnerabilidade, mas as que são imigrantes enfrentam ainda mais dificuldades. Por exemplo, caso uma brasileira sofra qualquer tipo de violência doméstica, ela pode denunciar na delegacia da mulher. Mas se você é imigrante e não está regularizada, você não vai denunciar, pois é provável que a polícia se atenha mais com a sua situação imigratória do que com o que de fato ocorreu”. Por isso, Moya, enfatiza a importância de as mulheres imigrantes se mobilizarem e conquistarem seu espaço: “Em muitos manifestações que vamos com o coletivo, as pessoas falam: ‘Pelas mulheres negras, deficientes.. e todas as demais especificidades’. Porém, eu juro, nunca escutei ninguém falar das mulheres imigrantes e refugiadas. Estamos na cidade, mas ninguém nos enxerga”, afirma a ativista que participa do coletivo Equipe de Base Warmis.

É justamente esse esforço de dar visibilidade a grupos marginalizados que marca a exposição.  Segundo Cristina de Branco, do Visto Permanente: “Continuamos dando muito destaque para as mesmas comunidades históricas, como a japonesa, a italiana, alemã, que na sua grande maioria vieram num processo de branqueamento do Brasil. Mas ainda somos resistentes a comentar sobre esses imigrantes que vieram para cá nos últimos anos e que são, em sua maioria, de fenótipo indígena e negro. O grande desafio realmente é falar sobre essas novas imigrações assumindo um discurso antirracista e antixenófobo”.

Para a curadora da mostra, um dos principais objetivos é enfatizar que a imigração é um direito humano e que “todas as pessoas estão sujeitas em algum momento da vida a querer ou precisar migrar”. A luta pela garantia desses direitos é o que está em pauta hoje e aparece nos depoimentos da exposição. Verônica Yujra, que desde cedo aprendeu o quanto a legislação brasileira pode ser elitista, afirma: “Hoje a gente vive uma disputa ideológica. A disputa que existe não só no Brasil, como no mundo, é que tipo de sociedade queremos construir: uma que seja inclusiva, com respeito à diversidade, ou outra que seja excludente. Não existe universalidade pela metade”.

Serviço – Direitos migrantes: nenhum a menos
Até 18 de dezembro
Museu da Imigração do Estado de São Paulo
Rua Visconde de Parnaíba, nº 1316 – Mooca –São Paulo
Informações: (11) 2692-1866
www.museudaimigracao.org.br


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