Você está comemorando a prisão do ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha?
Não se precipite: a operação não se relaciona a um processo jurídico de combate à corrupção, mas a um processo político cujo objetivo é consolidar no poder o grupo que assumiu o Planalto com o impeachment da presidente eleita Dilma Rousseff.
Para isso, é preciso suspender os direitos civis do ex-presidente Lula da Silva.
É ocioso alinhar aqui os erros cometidos pela presidente deposta e seu partido, a começar das alianças de alto risco e baixa representatividade com que ela tentou assegurar a governabilidade.
Apesar das evidências de que alguns próceres do Partido dos Trabalhadores e aliados, principalmente do PMDB, chafurdaram no “caixa-2”, também a questão da corrupção fica a exigir mais esclarecimentos, porque do noticiário seletivo que vem marcando essa operação policial não se pode tirar conclusões, uma vez que o núcleo da questão está bem longe do Direito: trata-se da instrumentalização do sistema judiciário para a obtenção do resultado político.
Quando o sistema da Justiça se desequilibra, todas as instituições podem entrar em colapso.
E a sanha de tirar de circulação o ex-presidente Lula da Silva, objetivo maior do movimento, pode custar muito caro aos operadores do Direito.
Ao repetir as acusações que são feitas a ele, sem terem acesso aos autos, muitos advogados ajudam a cavar a sepultura de seu mister.
Muito deles já estão sentindo no cotidiano o resultado de associações espúrias entre procuradores e magistrados, e muito mais está por vir, reduzindo ou eliminando do sistema do Direito o contraditório livre e amplo entre as partes.
A tendência à radicalização no uso do encarceramento é um dos resultados dessa ânsia justicialista, conforme denunciado por alguns juristas e muitos intelectuais de outros campos.
Os advogados que militam nesse processo haverão de descobrir, talvez tarde demais, que andaram pavimentando a estrada do arbítrio, de onde é difícil retornar.
Há muitos exemplos de denúncias sem fundamento que podem ser observados no noticiário recente.
Veja-se, então, o caso da beneficiária do Bolsa Família que foi acusada de ter doado a fortuna de R$ 75 milhões na última campanha eleitoral.
Imediatamente após ter sido divulgada a notícia, pela pressurosa assessoria de comunicação do Tribunal Superior Eleitoral – a denúncia foi listada numa relação de casos com “indícios de irregularidades mais relevantes do primeiro turno” das eleições municipais.
Os documentos da investigação haviam sido compartilhados com o Ministério Público Eleitoral e foi informado também o Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário, para investigar o possível desvio no Bolsa Família.
Claro, a suspeita era de corrupção no sistema dos projetos sociais.
O caso escancara o viés conservador, o ranço elitista e fascista que embasam o procedimento, pois o pressuposto de que o Bolsa Família é um programa inadequado inibe o mais primário cuidado na apuração.
Na sequência dos fatos, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Gilmar Mendes, precipitou-se em emitir sua opinião, vazada no mais puro preconceito, sem conhecer os fatos: “Ou essa pessoa não deveria estar recebendo o Bolsa Família ou ocorre o fenômeno que chamamos de caça-CPF, que é a ideia de se manipular o CPF de alguém que está inocente”, pontificou o supremo magistrado.
Evidentemente, a mídia hegemônica deitou e rolou em cima dessa torrente de desinformação.
Numa emissora de rádio de São Paulo, um comentarista notório por usar a linguagem chula em público e se desculpar em privado fez a festa.
“Candidata a vereadora recebe doação milionária de universitário”, dizia uma das manchetes, repetidas pela imprensa regional Brasil afora.
Um mês depois, no início desta semana, descobriu-se que a acusada era na verdade a beneficiária da doação: Maria Geni do Nascimento, uma lavradora de 56 anos, candidatou-se a vereadora pelo PDT na cidade de Santa Cruz da Baixa Verde, Pernambuco, por ser uma líder comunitária conhecida na região. Teve apenas 13 votos e fica como suplente.
Segundo informação extraoficial passada pelo TSE a jornalistas, por telefone, o valor correto das doações recebidas por ela seria R$ 750,00.
Em outra versão, também não oficial, teria sido de apenas R$ 75,00, contribuição oferecida por um estudante que recebe auxílio-alimentação numa universidade pública de Pernambuco.
Geni, que não completou o ensino médio, pediu a um contador amigo que ajudasse na digitação da prestação de contas. Seu erro evidente não foi visto pelo técnico do Tribunal Regional de Pernambuco e o resto foi amplificado pela mentalidade reacionária que se espalha pelas instituições públicas.
E o inferno da mídia reacionária caiu sobre a cabeça da Geni.
O ministro Mendes se retratou?
Claro que não.
O TSE se manifestou? Não, nem se preocupou em completar a investigação e corrigir oficialmente o documento mal preenchido.
Trata-se de um caso de desonestidade intelectual?
Claro que não: para haver desonestidade intelectual seria necessário ter havido alguma atividade intelectual de tais protagonistas.
O esclarecimento ainda não mereceu da mídia hegemônica nem uma fração da versão mentirosa que se espalhou.
Taxistas imbecilizados pela imersão diária no lixo que vaza de seus aparelhos de rádio ainda comentam o caso como verdadeiro.
E você, midiota, ainda está repetindo por aí a história de uma beneficiária do Bolsa Família que teria feito uma doação de R$ 75 milhões a um candidato.
Entende como você está doente de midiotice?
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