Nuno Ramos organiza ato contra a anulação do julgamento do Carandiru

nuno ramos
Foto: Reprodução Youtube

Em protesto à anulação do julgamento do Carandiru, em setembro, o artista plástico Nuno Ramos organiza uma intervenção para relembrar os nomes das 111 pessoas que foram assassinadas durante o massacre ocorrido na tarde de 2 de outubro de 1992, no Pavilhão 9 da Casa de Detenção de São Paulo, o Carandiru.

A ação acontecerá em um edifício na alameda Barão de Limeira, no centro de São Paulo, no qual 24 artistas se reunirão por 24 horas para lerem os nomes das  vítimas. Em entrevista à ARTE!Brasileiros, Ramos explicou que cada artista lerá os 111 nomes durante uma hora. A performance acontecerá entre às 16h do dia 1/11, horário no qual ocorreu a invasão, e às 16h de 2/11, dia de finados, data que se cultua a memória dos mortos.  

O diretor de teatro José Celso Martinez Correa vai abrir os trabalhos e, segundo a página do Facebook do evento, a ação também contará com a participação de Luiz Alberto Mendes Junior (escritor), Marcelo Tas (jornalista), Paulo Miklos (músico), Laerte (cartunista), Bárbara Paz (atriz), Isabela Del Monde (advogada), Ferréz (escritor), Carlos Augusto Calil (cineasta), Jean-Claude Bernardet (cineasta), Marina Person(cineasta), Rita Cadillac (dançarina), Luambo Pitchou (coordenador do Grupo de Refugiados e Imigrantes Sem-teto), Eliane Dias (advogada) e Caio Rosenthal (médico)

Instalação “111”, de Nuno Ramos. Foto: Reprodução/nunorams.com.br
Instalação “111”, de Nuno Ramos. Foto: Reprodução/nunorams.com.br

Nuno Ramos explica que a ação “será bem lenta, como uma vigília mesmo. Durante uma hora, cada  pessoa lerá os nomes das vítimas várias vezes. Pode ser rápido, devagar, pode gritar. Cada um faz como quiser, a única coisa que eu pedi é que os nomes sejam repetidos”. O artista ainda ressalta que será “um evento público via internet”. O intuito não é que as pessoas compareçam ao ato em si, mas que assistam às cenas e compartilhem pela internet. “Ninguém vai visitar, é um evento fechado em um prédio pequeno, para ser transmitido. Será num apartamento no topo de um edifício, porque eu queria que tivesse São Paulo ao fundo, como uma espécie de testemunha silenciosa sabe?”, conta o artista, que já abordou a temática em 1992 na obra 111, na qual cada uma das vítimas do Massacre do Carandiru é representada por paralelepípedos cobertos por asfalto e breu. Atualmente, o trabalho está guardado. Segundo o Nuno, sempre pedem que ele exiba o trabalho novamente, porém “é uma obra enorme que não dá para ser montada de uma hora para outra”.

Questionando sobre a importância da ação, Nuno afirma: “Não quero discutir os meandros jurídicos. O que sei é que isso está acontecendo já faz muito tempo. São 24 anos sem que ninguém tenha passado 24 horas preso. Acho que a invasão do Carandiru representa muito do que nós somos. A dificuldade de gerir o nosso horror, de colocar a nossa violência entre linhas mais nítidas. São 111 pessoas que merecem ser lembradas”.

Leia também: 

Perfil de Nuno Ramos publicado na 35a edição da ARTE!Brasileiros
Entrevista com o artista sobre a sua  obra literária
Matéria publicada na edição 111 da Brasileiros sobre a anulação do julgamento do Carandiru
 


Comentários

Uma resposta para “Nuno Ramos organiza ato contra a anulação do julgamento do Carandiru”

  1. Avatar de Marília Gruenwaldt
    Marília Gruenwaldt

    Arte Ativismo – armadilha da liberdade

    Marília Gruenwaldt [1]

    Direitos humanos no teatro, performance sobre o sofrimento dos refugiados e por que não massacre do Carandiru?

    Este é um bom momento para debatermos a liberdade, o direito de todos em agir de forma livre, de acordo com a sua própria vontade, desde que não prejudique outras pessoas. A arte e o artista são livres, símbolo e refúgio da sensação de estar livre e não depender de ninguém.

    Ser livre também não significa ser imune às contradições e ambiguidades da ideia de liberdade. Riscos que o engajamento político das artes contemporâneas resolveram assumir querendo provocar e retirar o homem contemporâneo do universo de felicidade da sociedade de consumo agigantado pelo globalização. Utopias de um projeto de comunidade e mundo, são sempre o motor para angariar pessoas em prol de alguma causa: saúde, felicidade, sucesso, sonhos de ideais de paz, amor, respeito e harmonia.

    Eu, artista Marília Gruenwaldt[1], assim como muitos, não estou imune a estes desejos. Nuno Ramos [2], com a intervenção Carandiru, faz Arte Ativismo e achei um bom momento para refletirmos sobre a Arte Artista. Para Tal achei pertinente produzir um texto de reflexão, contendo parte de um texto publicado no jornal alemão “ZEIT” em 18 de julho de 2015, do professor Hanno Rauterberg [3] e partes de minha autoria e reflexão.

    Hanno Rauterberg é doutorado em História da Arte pela Universidade de Hamburgo e, é membro da Academia Livre de Artes de Hamburgo.

    Eu de minha parte há 20 anos atuei como ativista ambiental na região oeste da Metrópole de São Paulo, conjuntamente com outras pessoas, formamos coletivos, campanhas e montamos processos junto ao ministério público. Depois de muitas derrotas e alguns sucessos, me sinto bastante confortável para falar sobre este tema.

    Para mim o exercício do Ativismo Artístico não pode passar a barreira da cidadania. Como cidadã precisei arriscar-me, sair da gaiola dourada do neo liberalismo e entrar na verdade, sair da gaiola dourada das ARTES e abraçar a realidade terrível e implacável da vida. Para isto precisei entrar no universo das Leis, do Direito dos Relatórios de Impacto Ambiental – EIA-RIMAS, ler documentos, fiz muita pesquisa em teses de Biologia, Geografia, Antropologia, Sociologia – tudo que é preciso para chegar o mais perto possível de um Ativismo com resultados e mais próximo da realidade, melhorando performance, ilustrações, ferramentas e teatro. Entendo que quem faz o nó político o faz com maestria e para desfazer é preciso aprender como se faz.

    Outros artistas preferiram e preferem jogar o arriscado jogo de linguagem, rasgando, soprando nomes aos ventos, provocando dor e acusações, como faz o filósofo e artista ativista suíço-alemão “Philipp Ruch” [4], que lidera um coletivo com cerca de 70 artistas intitulado – “Centro de Embelezamento na Política (ZPS) , que, recentemente entrou com ação contra o governo federal no Tribunal Administrativo de Berlin em 19 /10/ 2016. A ação é contra o governo federal sobre a interferência ilícita do Ministério Federal do Interior em relação as medidas inconstitucionais, referentes ao parágrafo 63, § 3º da Lei de Direito a Residência e do Pacto UE-Turquia.

    O artista ativista Philipp Ruch disse em uma ocasião à imprensa que: “ Bem, eu estou bastante chateado que eu, como artista, preciso assumir o trabalho dos políticos.“

    Os artistas que se engajam em causas, como Nuno Ramos, Philipp Ruch e outros, acreditam que é necessário meios drásticos para remover as injustiças do mundo.

    Sem hesitação e sem narcisismo, estão praticando uma arte missionária.

    “ Nos precisamos recriar o urino de Marcel Duchamp” falou a arte ativista cubana Tânia Bruguera [5]- que vive e trabalha entre New York e Havana, cujos trabalhos envolvem questões de poder e controle, e vários de seus trabalhos interrogam a história de Cuba.

    Mais recentemente – 2016 desenvolve uma campanha com um site na internet para angariar fundos para promover o “arte ativismo”. Que tem como finalidade de ser um lugar para a conexão de pessoas com diferentes pontos de vista políticos, unidos para construir um país melhor.
    O Instituto arrecada fundos, através do site, e assim poder amplificar suas ações missionária de “Arte Ativismo” . Acreditando que a arte não pode se acovardar diante dos conflitos do mundo – Kickstarter (Instituto de Artivista Hannah Arendt) .

    Assim muitos artistas ao redor do mundo vem tomando posições e desenvolvendo uma linguagem performática e de representação teatral dentro de um novo realismo – teatro político – para revelar as circunstancias dos conflitos , como o trabalho de Milo Rau[6] – dramaturgo e diretor suíço, jornalista, ensaísta e cientista, agraciado com o Prêmio de Teatro suíça de 2014.

    Milo Raul acredita que onde a política falha, só resta a arte.

    Os artistas ativistas contemporâneos usam a linguagem da arte para amplificar a pressão a política, sobre os políticos e acordar a população sobre os problemas urgentes do mundo. Com suas obras, esperam libertar o mundo, para isso usam uma linguagem engajada e ativista.

    O mundo esta em estado de emergência e precisa se transformar, e os artistas em uma ação missionária resolvem alertar.

    A pergunta que precisamos fazer é: Existe alguém que não gostaria de congratular a arte e os artistas contemporâneos por esta missão?

    Segundo o professor Hanno Rauterberg, antes de respondermos a estas pergunta , precisamos verificar que o próprio artista e sua arte estão presos em 5 armadilhas:

    1° A armadilha da tutela – onde o artista é preso a uma atitude educativa., professoral.

    2°A armadilha da midialização – onde ele precisa criar estruturas de linguagem que facilitem a divulgação na grande mídia como escândalos, provocações, uso de celebridades entre outros recursos que provoquem um ECO midiático.

    3°A armadilha da simplificação – onde o artista peso a uma atitude educativa precisa fazer uso de uma linguagem ilustrativa – não raramente envolvendo clichês como: cruz, caixão, sangue, pornografia etc.

    4°Armadilha da compensação financeira – com financiamento público e de empresas, que muitos vezes invalidam o próprio conteúdo da campanha.

    5°Por fim a Armadilha da perda de liberdade artística – onde a própria arte perde seu grande símbolo – liberdade.

    A poética perturbadora da arte ativista fala sobre o panorama do incompreensível. Se é bom que pessoas como Nuno Ramos e outros como Milo Rau, Philipp Ruch e Tânia Bruguera arriscam-se em tais projetos, não podemos deixar de perceber que a arte ativista tem afastado o público, e que a linguagem da arte ativista empobrece, com o uso de jargões de linguagens e temas.

    A arte engajada não deixa de ser uma arte paternalista, educativa e didática, uma arte que restringe a participação do publico como co-autor – da “Obra Aberta”, onde a obra é livre para a interpretação do público e engrandecimento da própria arte.
    Pelo menos, é assim desde que o escritor, filósofo, semiólogo, linguista e bibliófilo italiano de fama internacional Umberto Eco, bem definiu o conceito “Obra Aberta” nos idos da década de 50 do século XX.

    Uma arte didática não oferece a livre participação do público, este está ali para ser convertido, através do choque com a verdade. Logo o artista se coloca acima do público e lhe nega a liberdade de leitura.

    O que faz o público?

    Na dúvida ele tem uma reação alérgica contra o confinamento da Arte.
    Pressionado, reage com repressão, se afasta.

    Bem, resumindo o meu pensamento com uma frase:

    A Arte não tem lugar na utopia – A arte do presente é a utopia da política.

    Será que a arte realmente pode alcançar uma mudança de consciência, que pode se transformar em ação política?

    A melhor resposta é uma OBRA ABERTA.

    Marília Gruenwaldt – 27/10/ 2016

    Referências
    [1] http://www.gruenwaldt.com.br
    [2] http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2016/11/1828467-ze-celso-e-ferrez-abrem-vigilia-de-nuno-ramos-por-vitimas-do-carandiru.shtml
    [3] Hanno Rauterberg a PhD in Art History from the University of Hamburg, and member of the Hamburg Arts Free Academy
    [4] http://politicalbeauty.de/klage/
    [5] http://www.taniabruguera.com/cms/
    [6] http://artivismo.org/#inicio-1
    http://www.the-congo-tribunal.com

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