No itinerário da poesia visual e experimental da Argentina talvez nada seja tão sintomático quanto sua data de partida: 1956. É quando Edgardo Antonio Vigo publica seus primeiros poemas matemáticos em clichês tipográficos – posteriormente produzidos com cartolinas troqueladas –, como modulações de uma nova poesia visual em curso. Dez anos mais tarde, com o número 20 da revista Diagonal 0, que trazia páginas soltas quebrando a bidimensionalidade da página, uma série de poetas que sentaram as bases da lírica ampliada com todo tipo de experiências dissimiles, se agruparia já como Movimento Diagonal Zero. A Vigo juntavam-se Jorge de Lujan Rodriguez, Omar Gancedo, Carlos Ginzburg e Luis Pazos. Todos eles recorreram à exploração dos signos, assim como a diversas apropriações extrapoéticas (imaginários da máquina, da rua, da matemática, da química, do som), através de múltiplos procedimentos de ousadia linguística. Aportaram assim o substrato conceitual, linguístico e formal, para chegar ao horizonte de 2016, quando a poesia visual percorrida se constitui como uma contraescritura e espaço limítrofe entre a poesia dos signos e a imagética, entre as mais diversas textualidades e imagens de todo tipo.
A partir desses primeiros artefatos poéticos, partituras visuais, livros de artista inusitados, poemas sonoros, apresentados na exposição Poéticas Oblícuas, pode-se reconhecer tanto a intertextualidade audiovisual de outras experiências (caso do poema-colagem de Elena Lucca de 1968, com palavras, música, manifestos) como uma outra vertente que representa uma amplidão de registros: uma escrita-caligrafia que vira do avesso o significante/significado para chegar a outras semânticas visuais. Aqui, León Ferrari será pioneiro, desde 1962, como verdadeiro fio terra desta tendência com seus “desenhos-escritos”, assim como Mirta Dermisache será figura emblemática. Ambos autores de uma sinfonia de poemas caligráficos ou de fontes tipográficas novas, com inumeráveis variações ilegíveis quase visuais-sonoras, grau zero de uma escrita libertada.
Esta exploração da textualidade, das letras e das palavras não só oferecerá explosões sígnicas pós-futuristas (as desarticulações de Margarita Paska) ou sintetizará o alfabeto numa recente letra-logo (O Poema Absoluto, Luis Espinosa) como também chegará a tomar direções espaciais, performáticas, públicas, com as colunas de linguagem de Leandro Katz, verdadeiras torres de palavras, ou os pôsteres de rua de Juan Carlos Romero. O objeto, sempre na contramão da funcionalidade, terá forma paradoxal em Horacio Zabala ou em Fernando Garcia Delgado, entre outros, enquanto a apropriação e desconstrução da colagem ganhará peso em Claudia del Río ou Mauro Cesari, já na década dos anos 2000, subvertendo a ordem do discurso publicitário ou médico, através de suas demarcações com irônicas interferências e ruídos. Inversões e deslocamentos se fazem presentes também nas sintéticas elaborações de Ivana Vollaro.
A partir de meados dos anos 90 até hoje, já como poesia digital, plugada na tecnologia recente, as novas construções poéticas em vídeo, computador e animações 3D possibilitaram outros modos de leitura e interação com estruturas hipertextuais. Estas inovações aparecem nos trabalhos de artistas como Javier Sobrino, Fabio Doctorovich (distorções com software), Javier Robledo (vídeo de um paralelepípedo escrito como poesia rodando na rua), Jorge Santiago Perednik, Débora Daich (reunindo som, tela, impressões numa mesma obra), dentre tantos outros. Inclusive novos termos são cunhados: morfismos, poemas virtuais, tipoemas e anipoemas, sempre como experiências no meio informático de uma poesia visual interativa que se encontra em links, por exemplo, de Belén Gauche ou Ana María Uribe (http://belengache.net/ ou http://amuribe.tripod.com/).
A quebra de limites das manifestações reunidas em Poéticas Oblícuas passa por numerosos tipos de poesia – visual, oral, performática, eletrônica, hipertextual, de ação, interativa, videopoesia – e pela articulação de três eixos poéticos experimentais: o citado Movimento Diagonal Zero (1966-1969), o grupo Paralengua (1989-1998) e o Vórtice Argentina (desde 1996). A razão dessas poéticas oblíquas se encontra, como apontam os curadores Fernando Davis e Juan Carlos Romero, nas operações de desvio, interferência e intervalo, na mobilidade oblíqua dos signos que inventam mundos, cosmovisões para ser não só contemplados como ativados.
Em Poéticas Oblícuas surpreende o grande leque de registros, de contextos artísticos de nova significação, de fugas e derivas de linguagem para fugir das categorias preestabelecidas do sentido, tão atreladas à língua como convenção e não libertação. Resulta difícil nesse generoso mapa coletivo reparar em ausências (artistas como Alberto Greco, talvez Liliana Porter ou Victor Grippo caberiam heterodoxamente), pois todos os 38 artistas-poetas incluídos estão como vozes e nunca como ecos.
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