Roma é lugar de espetáculo. Imperadores, papas, príncipes, reis, rainhas, invasores, peregrinos, escravos, todos já desfilaram pelas ruas da Cidade Eterna. E artistas, tantos artistas. Os franceses, oficialmente, foram os pioneiros, fincaram o pé em Roma, em 1666, com a inauguração da Academia da França (atual Villa Medici), que hospedava pintores e escultores para produzirem sua arte, inspirando-se na Antiguidade e no Renascimento italiano. Em 1800, chegaram os americanos e os espanhóis – sempre com o apoio de seus governos. No século seguinte, aportaram em território romano artistas ingleses, alemães, japoneses, árabes, suíços, romenos e latino-americanos.

De fonte inspiradora, a cidade passou a ser vitrine estratégica para a promoção cultural das nações. As academias de arte estrangeiras, como Villa Medici, Academia Alemã (Villa Massimo) e Academia da Espanha (Real), por exemplo, apresentam um vasto programa cultural, que acaba por complementar as atividades anuais promovidas pelo município. As instituições realizam exposições de arte, concertos, eventos de literatura e
oferecem hospedagem a artistas e intelectuais na capital italiana.

CAPITAL DAS ARTES

Os italianos, principalmente os romanos, reclamam. Ato que faz parte da cultura local, apelidado lamentela. Para eles, Roma não oferece uma vida cultural tão ativa quando Londres, Paris e Madri. Talvez seja verdade, mas, mesmo carente, a cidade está entre as grandes promotoras da cultura na Europa, e as atividades se intensificam com a chegada do verão, que atrai turistas de todas as partes do globo. Alguns fatos que comprovam essa efervescência:

  • Roma é uma das cidades que mais recebem turistas na Europa. Em 2010, foram cerca de 10,5 milhões de visitantes.
  • 62 festivais de médio e grande portes são realizados na cidade todos os anos. Destaque para Romaeuropa, que completou 25 anos em 2010, e o Festival de Cinema de Roma. Ambos acontecem no segundo semestre.
  • A cidade possui 64 institutos estatais que promovem exposições, concertos e eventos de literatura durante todo o ano.
  • Os institutos privados ou fundações, resultado de parcerias entre o governo e o setor privado, somam 160.
  • Roma tem a maior concentração de bens arqueológicos catalogados do mundo. São 25 mil pontos de interesse arqueológico.
  • O circuito turístico arqueológico Coliseu, Palatino e Fórum Romano é o mais visitado da Itália. O último número, de 2009, apontava para 4.655.203 visitantes. A renda com a venda de bilhetes rendeu à administração pública, naquele ano, 30 milhões euros.
  • O segundo lugar fica com o complexo dos museus do Vaticano: 4.280.600 visitantes em 2009.
  • Em 2010, a mostra do pintor Caravaggio, na Scuderie del Quirinale, bateu recorde de visitação. Foram 580 mil visitantes em quatro meses.
  • No mesmo ano, 200 mil pessoas visitaram a mostra do pintor Francis Bacon, na Galleria Borghese.
  • A cidade e seu entorno possuem 824 bibliotecas públicas, com cerca de 8.600.000 textos.

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Este ano é o Brasil que entra no circuito romano para mostrar sua arte, música e teatro, com a primeira edição do Festival de Cultura Brasileira. Idealizado e promovido pela embaixada do Brasil em Roma, com o apoio da Casa Fiat de Cultura e o patrocínio da Fiat Automóveis, via Lei Rouanet, o Festival acontece na sede da embaixada brasileira, na Piazza Navona, e vai até dezembro.

O evento teve início em abril com as apresentações do grupo de música instrumental Uakti e do pianista Nelson Freire. Em maio, foi a vez de os designers Fernando e Humberto Campana inaugurarem a mostra Brazilian Baroque Collection. O Grupo Galpão, o artista plástico Vik Muniz, o violoncelista Antonio Meneses, a pianista Maria João Pires, o cantor Toquinho e a atriz e diretora Denise Stoklos também participarão do Festival. “A intenção é mostrar ao público europeu um programa cultural diversificado, com artistas que representem a produção brasileira recente nos campos do design, das artes plásticas, da música e do teatro”, afirma José Viegas Filho, embaixador brasileiro em Roma.

O grupo mineiro Uakti, que se apresentou no dia 7 de abril, se encaixa nesse perfil. Munido de instrumentos curiosos, esteticamente imperfeitos, feitos com tubos de PVC, pedaços de vidro, cabaças, metais e cordas, o grupo, com 33 anos de estrada e um premiado currículo, tocou para uma plateia de cerca de 300 pessoas. O espetáculo, chamado 4 Tempos, trouxe músicas de Philip Glass, Villa-Lobos, Tom Jobim, Milton Nascimento e composições próprias do grupo. “Não existe hoje na Europa uma experiência de construção de instrumento musical equivalente ao do Uakit. É uma coisa absolutamente inovadora. Eles vão da música erudita a ritmos brasileiros ou internacionais com grande facilidade. E é esse o tipo de produção cultural que queremos mostrar, que fujam do estereótipo Brasil. Estamos quebrando paradigmas”, afirma José Eduardo de Lima Pereira, presidente da Casa Fiat de Cultura.

Após uma pausa nas apresentações por conta do verão europeu, o Grupo Galpão – companhia mineira de teatro criada há 27 anos com inspiração no teatro popular e de rua – abre a segunda etapa do Festival. O grupo se apresenta nos dias 22 e 23 de setembro em um teatro de Roma. A peça escolhida é Tio Vânia ou Zio Vania, no idioma de Dante, um clássico do teatro russo, de Anton Tchékhov. O espetáculo será em português, mas com legendas em italiano.

Os eventos ocupam diversos espaços do Palazzo Pamphili. As exposições de arte contemporânea e de design, por exemplo, com obras de Vik Muniz, dos irmãos Campana e da Coleção Kornis, ocupam ora a galeria Cortona, projeto do famoso arquiteto Francesco Borromini, com afrescos do artista barroco Pietro da Cortona mostrando cenas da vida de Enéas, localizada no segundo andar; ora as duas salas do espaço Candido Portinari, no andar térreo. Já as apresentações musicais acontecem na sala Palestrina, também no segundo andar, que leva o nome do compositor Pierluigi da Palestrina.

NOSSO PALAZZO

O escritor Stendhal dizia que, quando se entra em Roma, todas as reputações ficam pequenas. O Palazzo Pamphili está ali para provar isso. Projetado pelo arquiteto Girolamo Rainaldi, um dos grandes mestres de 1600, o Palazzo faz parte da arquitetura barroca espalhada pela cidade. Rainaldi dedicou-se com fervor à obra, pois era comemorativa ao Jubileu de 1650.

O terreno havia sido comprado quase 200 anos antes pela família Pamphili e abrigava sua residência. Seu membro mais famoso foi Giovanni Battista Pamphili, Inocêncio X, que foi papa entre 1644 e 1655. Os Pamphili habitaram o edifício até o início de 1700. Nos idos de 1800, o imóvel serviu de porto seguro para intelectuais, como o poeta Vincenzo Monti, além de diplomatas russos e cardeais. Alguns anos mais tarde, o Palazzo se transformou na sede da Academia Filarmônica Romana. Foi somente em 1920 que o governo brasileiro, com fins diplomáticos, colocou os pés na suntuosa construção. No começo, pagava-se aluguel, mas, na década de 1960, o Brasil optou pela compra do imóvel. A decisão brasileira – e a rápida aceitação por parte do governo italiano – foi parar nas primeiras páginas dos jornais. Muitos italianos eram contrários à venda do patrimônio histórico ao Brasil.

Apesar dos berros da opinião pública italiana, a operação da compra do Palazzo foi concluída no mesmo ano do seu anúncio. Por 900 milhões de liras (o que corresponde hoje a 450 mil euros, cerca de 1,2 milhão de reais), o governo brasileiro adquiriu o prédio e se comprometeu a fazer a restauração em tempo recorde: um ano. E cumpriu. A embaixada brasileira em Roma é uma das mais bem localizadas e invejadas da cidade. Ao lado direito do prédio, está a igreja Sant’Agnese in Agone, importante obra do arquiteto Francesco Borromini. No centro da praça, outro cartão-postal: a Fontana dei Quattro Fiumi (Fonte dos Quatro Rios), de Gianlorenzo Bernini. Nela, há grande ilha rochosa habitada por quatro figuras humanas inquietantes, que representam os rios Nilo, Danúbio, Ganges e Rio da Prata, simbolizando, respectivamente, os Continentes Africano, Europeu, Asiático e Americano.


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