Beleza e estranhamento na obra de Otto Stupakoff

Pirineus, França, década de 1980
Pirineus, França, década de 1980

Otto Stupakoff gostava de mudanças. Aos 30 anos, no auge de sua carreira como fotógrafo no Brasil,  queimou grande parte de seu acervo e com alguns poucos negativos rumou para Nova York, onde conviveu com fotógrafos icônicos como Diane Arbus e Richard Avedon.  Esse espírito de viajante tomou conta de toda a trajetória de Stupakoff, um dos grandes fotógrafos brasileiros, que clicou personalidades como Tom Jobim, Jack Nicholson, Grace Kelly e Richard Nixon.  Sua obra pode ser vista agora em exposição no Instituto Moreira Salles do Rio de Janeiro.

Com curadoria de Bob Wolfenson e Sergio Burgi, a mostra reúne cerca de 300 fotografias, além de publicações e vídeos apresentando sua extensa produção, realizada entre 1955 e 2005, e que hoje está sob a guarda do IMS.  A exposição se divide em quatro eixos: os anos de formação, sua colaboração com as revistas de moda como a Vogue e a Harpers, as série de nus e as suas viagens pelo mundo. O intuito da mostra é revelar as múltiplas facetas de sua obra, que para Sergio Burgi é caracterizada por “uma harmonia entre beleza e estranhamento”.

O interesse de Stupakoff pelas imagens veio desde cedo. Aos 15, quando morava em Porto Alegre, produziu o curta-metragem Missão. Dois anos mais tarde, em 1953, embarcou para os Estados Unidos pela primeira vez, para estudar fotografia na Art Center School, em Los Angeles. Lá foi correspondente da Manchete e conheceu grandes personalidades como o fotógrafo Edward Weston e a própria Carmen Miranda, de quem se tornou amigo íntimo. Ao voltar ao Brasil, inaugurou seu próprio estúdio, tornando-se um dos primeiros fotógrafos de moda do País.  Além disso, produziu capas de discos de músicos como Dorival Caymmi e Luiz Bonfá e, convidado por Oscar Niemeyer, registrou a construção de Brasília, documentando o processo de modernização do País.

Saigon, Vietnã, (1968)
Saigon, Vietnã, (1968)

Foi nesse contexto de plena ascensão que Stupakoff rompeu com sua trajetória pessoal, familiar e profissional para viver em Nova York, em busca de novos ares. Em entrevista ao curador Eder Chiodetto, o fotógrafo contou que decidiu se mudar, pois percebeu “que havia entrado num ciclo em que importava apenas clientes e dinheiro. Não havia uma busca intelectual. Faltava complexidade”.  Burgi também reforça que o fotógrafo “não teve nenhuma dúvida em romper. Do ponto de vista profissional, ele se libertou de um universo que já percebia limitado por um condicionamento de uma fotografia profissional, na qual criou muito, inovou, mas as expectativas dele estavam além”.

Em Nova York, sua produção se tornou mais autoral, com “uma linguagem muito solta e poética”, como afirma Burgi. Ele entrou em contato com grandes nomes da fotografia, doou cerca de 40 fotos para o MoMA e passou a colaborar com publicações  como LookEsquireGlamour e outras. A convite da Vogue Francesa, mudou-se para Paris realizando editoriais de moda muito significativos, como as fotografias que registram banhistas em Baden-Baden. Daí para frente, intensificou seus deslocamentos por diversos países, fotografando Saigon durante a Guerra do Vietnã, a Índia, o México e o Camboja, onde foi detido e quase morto por soldados do Khmer Vermelho.  

Com uma trajetória muito peculiar, Stupakoff remete a essa figura do fotógrafo charmoso e aventureiro, prefigurado pelo cineasta italiano Michelangelo Antonioni em seu clássico Blow-up. No entanto, Burgi relativiza essa comparação: “Sem dúvida ele pode ser associado a essa imagem do fotógrafo glamouroso, mas isso não é o essencial da sua trajetória, e é isso que a exposição mostra. Ele rompeu com muita facilidade com esse universo para manter um compromisso permanente com o seu processo criativo”.

Foi esse compromisso que fez com o fotógrafo também dialogasse com as artes plásticas ao longo de toda a sua trajetória. Na década de 60,  aproximou-se do artista Wesley Duke Lee, com quem “comungava uma capacidade de observação e interesse, um olhar atento que é o da infância e da adolescência, que não deixa a visão ser atrapalhada pela rotina”, afirma Bianci.  Além de participar de happenings e instalações ao lado de Duke Lee, Stupakoff produziu pinturas e colagens, que chegou a expor em 1963 numa mostra na Petite Galerie em São Paulo.

A experimentação era assim central na obra do fotógrafo, para quem “a técnica era parte do domínio do processo e não uma questão em si mesma”, reforça Burgi. Isso também se dava nos seus ensaios de moda, sempre privilegiando as expressões e trejeitos das modelos e não as roupas em si. Como ele costumava dizer: “A vida é mais importante do que a moda”.

Serviço – Otto Stupakoff: beleza e inquietude
Até 30 de abril de 2017
Instituto Moreira Salles – Rio de Janeiro
(21) 3284-7400

 


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