Era uma tarde ensolarada de quarta-feira quando a reportagem da Brasileiros se encontrou com o designer de consumo Maurício Queiroz na Oscar Freire, elegante rua comercial de São Paulo, para a cruzada: descobrir por que os homens são seduzidos por tantos prazeres, exceto o da compra. Especialista em criar ambientes atraentes em lojas ou, em outras palavras, na arte de estimular o consumo – segundo ele, um ato totalmente emocional -, o arquiteto nos guiou para os que, em tese, seriam os templos do consumo masculino – lojas como Armani, Crawford e Adidas.
Maurício inicia nossa expedição mostrando a diferença entre um estabelecimento instigante para o homem e um que “ele não consegue entrar”. “Em nossas origens, o homem era quem caçava enquanto a mulher cuidava. Então, ele é mais objetivo, focado. A mulher adora falar que faz várias coisas ao mesmo tempo, e é verdade. Portanto, em uma loja, o que vamos ver é a reprodução disso. Nas masculinas, uma organização mais cartesiana; nas femininas, tudo misturado”, afirma.
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Com Lady Gaga tocando animadamente, a Accessorize, loja de acessórios femininos capaz de enlouquecer qualquer mulher, principalmente no período de liquidação – o que era o caso -, para um homem, pode representar o inferno. “Eu não sei se isso é uma fivela de cabeça ou um sutiã de Carnaval… Assim vai pensar um homem”, diz ele, referindo-se a uma tiara com flores, modelo popularizado pela recém-princesa da Inglaterra Kate Middleton Spencer. “No mesmo espaço, há uma quantidade muito grande de produtos com finalidades diferentes, é muito bagunçado para um homem.” Além disso, de acordo com nosso especialista, liquidação geralmente é interpretada por eles não como uma grande oportunidade, mas sim como a “venda de produtos encalhados”.
Em outro extremo, a Mont Blanc, loja também de acessórios – cinto, bolsas, carteiras, canetas -, bem próxima à que acabávamos de visitar, exerce sobre os homens o efeito inverso. Embora apresente produtos femininos, é tradicionalmente masculina. E isso está explicitamente expresso nas prateleiras, meticulosamente organizadas. Cintos e carteiras estão separados por cores, na verdade, duas: preta e marrom. Quem procura canetas, óculos e bolsas, também não terá dificuldade em encontrá-los. As seções são bem-definidas. “O homem entra em uma loja e diz: ‘Preciso de um par de sapatos e de um cinto pretos’. Pega o produto, paga e vai embora. Já a mulher fala: ‘Tenho uma festa amanhã’. ‘O que você pensa?’, responde a vendedora. Conversam sobre as amigas, veem na revista, ela prova 20 roupas e ainda volta no dia seguinte para trocar, porque pensou bem e não era nada daquilo.”
Continuamos nossa caminhada pela Oscar Freire e Maurício fala sobre uma nova consciência de consumo masculina. O homem agora se interessa por tendências, está mais bem informado sobre moda, em ter um estilo. Rebato argumentando que nós mulheres não conhecemos esse homem. E ele responde: “Esse que não liga para tendência, talvez não ande na última moda, mas certamente compra um estilo. Ser desencanado também é um estilo”.
Entramos na Armani – um meio-termo entre a Giorgio Armani (top da marca) e a Armani Exchange (mais básica). “Dentro da marca, a Armani não chega a ser exclusiva, como a Giorgio Armani, mas também não é massificada. Então, você vê expostas duas ou três peças juntas. Se fosse na Giorgio Armani, por exemplo, você veria apenas um único terno em destaque, que reforça essa ideia de exclusividade.”
Perto dali, avistamos uma grande loja de decoração, de três andares: o Espaço Santa Helena. Perguntamos à vendedora qual o setor mais procurado pelos homens e, para nossa surpresa, ela não indica o terceiro andar – área de eletrônicos -, mas sim, o segundo, o de cozinha. Um corredor minimalista de paredes pretas e iluminação contemporânea chama a atenção. Ali, refrigeradores e fogões fabulosos estão expostos como máquinas de guerra. “Para alcançar o freezer dessa geladeira, é preciso ser jogador de vôlei”, brinca um senhor ao vendedor, enquanto pesquisa geladeiras com a mulher. Depois de toda uma efusiva explicação do funcionário sobre as impressionantes qualidades do produto, o senhor indaga, sem expressar emoção: “E quanto custa?”. “Homem realmente é muito prático”, diz nosso especialista.
Muitas vezes, a experiência dentro da loja é mais importante para o homem do que o produto que ela oferece, segundo ele. Passando pelo setor de panelas, Maurício se lembra de uma loja de panelas de grife, a Le Creuset, que será inaugurada em Brasília com esse conceito. Ele conta que haverá livros de culinária e iPads para consulta, além de ambiente naturalmente aromatizado por um jardim de ervas. “É uma tendência as lojas oferecerem experiência. O cliente vai entrar para se informar, ver receitas e, de repente, comprar uma espátula, que custa 30 reais. Mas daqui a 20 dias vai voltar para comprar outro produto. Ou seja, você fidelizou o cliente. É o que acontece em lojas como a Fnac.”
Pode soar estranho um estabelecimento comercial de panelas – mesmo que de grife – se preocupar em criar mecanismos de atração para “eles”, e não “elas”. De acordo com Maurício, esse é um sintoma do surgimento desse novo homem. Mais maduro? “Creio que mais aberto.” Ele vai além do futebol e churrasco. Pode reunir os amigos para um pôquer com comida mexicana, que ele mesmo faz, por exemplo, ou para discutir vinhos.
Reforçando essa tese, na joalheria Guerreiro, a poucos metros dali, o gigantesco outdoor luminoso na entrada, usado como chamariz para os transeuntes, não exibe a foto da Gisele Bündchen nem de Grazi Massafera, mas sim de um homem de peito cabeludo, Rico Mansur. Detalhe: cheio de pulseiras. Mais precisamente quatro em cada braço, além de três colares e diversos anéis. “Foi bacana a gente ter colocado essa foto do Rico, porque nosso público masculino é muito forte”, diz uma vendedora. Ela explica que entre “eles”, o maior sucesso de venda são essas pulseiras de couro usadas pelo jogador de polo. “O perfil desse consumidor é um homem acima dos 35 anos, mais antenado, que já entra aqui sabendo o que vai comprar.”
Se hoje homens se interessam por joias e panelas, isso não significa que deixaram de lado o futebol. E a Adidas da Oscar Freire sabe disso. Apesar do design arrojado da fachada, na qual as três listras características da marca iniciam um percurso que acompanha todo o interior da loja e da vibrante música eletrônica, são os uniformes do time paulista de futebol Palmeiras e as fotos de seus ídolos expostas na vitrine – Kleber, Valdivia e Marcos Assunção – que param o trânsito. “Reconheça seu herói pelo uniforme”, diz a mensagem no vidro. “O que vale aqui não é marca, mas o amor pelo time. O homem que gosta de futebol consome esse universo”, diz Maurício. Se o time muda de patrocinador, ele muda de loja. Sem problemas.
Caminhando mais um pouquinho, alcançamos o que parece ser a apoteose do consumo movido à testosterona. Uma loja chamada Sergio K. Com um Porsche na vitrine – não a foto, mas a réplica de um 550 Spyder, o mítico conversível que vitimou James Dean, pendurada verticalmente na parede -, e manequins com looks descolados, como bermuda de verão com colete de inverno (roxo), o local não é terreno para principiantes. “Esta loja é para um homem que já consegue entender como formatar um look. A exposição dos produtos é quase como em uma loja feminina.” Isso significa que não há uma sala para roupa social e outra para casual, como chegamos a ver em outra loja masculina, a Crawford, mas sim tudo no mesmo ambiente e em sequência. “Você tem aqui uma echarpe, um sapato vermelho, uma jaqueta de couro super-rocker…”, descreve nosso especialista. “Esse é o tipo de loja que não vende camisa polo, certo?”, indago, querendo dizer que a loja não é “feijão com arroz”. Quando sou surpreendida pelo vendedor: “É nosso carro-chefe. Temos a polo mais famosa de todas”. Por mais “evoluída” que uma loja para homens seja – em outras palavras, mais próxima da feminina em termos de variedade de peças e (des)organização -, são produtos básicos, como uma singela polo, as eternas estrelas. Sem complicação.
Naquela tarde, o público masculino nas lojas era praticamente inexistente. Voltamos no sábado, quando o movimento é intenso, para ouvir a versão dos homens. “Acho chato, não tenho paciência para compras. Mulher demora para escolher e não pode ver uma vitrine”, diz o zootecnista Marco Aurélio, 25, que acompanhava a namorada. Único na família a portar uma sacola, o funcionário público José Erivaldo Lopes Gomes, 57, é uma exceção. Adora compras. “Ele sai para ‘olhar’ toda semana”, entrega a esposa Lucia Helena Gomes, 53. “Mas eu só compro uma vez por mês”, defende-se. Na Oscar Freire, José, que mora em Olinda e veio visitar a filha em São Paulo, foi atraído pela vitrine da Brooksfield. “Comprei igual ao da vitrine, só que de outra cor.” “Ele experimenta, faz pose no espelho, chama a gente para olhar. É todo vaidoso”, diz a filha, a designer Letícia Mattos Gomes, 24.
Dificilmente há um homem comprando sozinho. A maioria são casais. “Gosto de ter peças novas, mas não de comprá-las. Gosto de que os outros comprem pra mim”, diz, rindo, o administrador de empresas Antonio Bastos Júnior, 22, com a namorada que, segundo ele, influencia 90% da sua escolha. “Os outros 10% são o preço.” Ele diz que o grande “problema” é ter de experimentar roupas. Para isso, o advogado João Batista, 38, que acompanhava a esposa, tem a solução. “Coloco a cintura da calça em volta do pescoço e tenho uma ideia se vai servir ou não.”Acredita que homens não gostam de fazer compras porque não têm habilidade para isso. “Eu, pelo menos, nunca acerto, mesmo experimentando.” Nem a preocupação de estarem sempre bonitos. “Hoje, a cobrança em relação ao homem é maior, mas a mulher ainda dá mais valor para isso.” Em suma, é uma questão cultural.
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