A redução de 0,75 ponto percentual na taxa básica de juros anunciada pelo comitê de política monetária do Banco Central na quarta-feira, 11, foi recebida com exclamações de surpresa pela imprensa e por parte dos analistas do mercado financeiro. No entanto, para aqueles que acompanharam a divulgação dos indicadores da economia brasileira nos últimos meses e que observam a dinâmica política, não seria preciso muita perspicácia para esperar um empurrão mais forte dos juros na descida.
A inflação ao consumidor medida pelo IPCA, índice usado para balizar o sistema de metas de inflação, ficou em 6,29% em 2016, portanto abaixo do limite máximo aceitável neste regime, o que é, certamente uma boa notícia.
O problema é que ela tem origem em uma má notícia que, por algum tempo, se procurou afastar por meio da transição política forçada, como se o afastamento do governo eleito em 2014 fosse suficiente para promover uma mudança nas expectativas que, aliada a um forte apoio no legislativo para a aprovação de propostas de reformas que haviam sido sistematicamente boicotadas até o impedimento daquele governo, conduziria o país na direção da recuperação econômica.
Por isso, antes de procurar discutir os determinantes mais específicos da dinâmica dos índices de preços, é fundamental ter claro que a inflação caiu porque a recessão segue profunda. O comunicado do BC fundamentou a decisão mostrando que a desaceleração do aumento de preços se generalizou nos setores econômicos que sofrem os efeitos da política monetária – não entram setores com preços administrados -, considerando uma revisão para baixo das previsões de inflação do mercado e ainda a recente apreciação do real.
Compreendidas essas razões econômicas, cabe entender a trajetória seguinte. Se tudo se mantiver na mesma toada, o custo do dinheiro diminui, as empresas se animam a investir, as pessoas ganham coragem para tomar crédito e a economia retoma. É assim tão direto? Como pode acontecer a virada? Em que as taxas de juros e o ritmo de sua queda têm alguma influência?
O crescimento depende da estabilidade, e esta vai sendo reconstruída com a diminuição de incertezas. A despeito de todos os esforços para garantir um sólido suporte parlamentar, o quadro político seguiu e persiste bastante instável, com vários membros do governo, assim como ‘parlamentares-chave’ e políticos da oposição, envolvidos em casos de corrupção com desdobramentos policiais e judiciais. Isso tem tudo a ver com a formação de expectativas e as decisões de investimento.
Tendo em vista este quadro mais amplo, não é estranho que se formem pressões mais ou menos evidentes sobre a equipe econômica e sobre o Banco Central para adotar medidas de estímulo ao crescimento, mais rápido. O que significa isso nesse governo? Agora não entrou uma equipe mais mainstream, mais comprometida com a estabilidade de preços? Sim e não. Sim, não se discute a capacidade teórica e técnica da equipe econômica. Da mesma forma, o ex-Ministro Joaquim Levy tinha a formação e a capacidade técnica para implementar uma política de ajuste. Mas a base aliada e outras forças políticas impediram toda e qualquer iniciativa que pudesse iniciar o ajustamento.
Da mesma forma, os atuais responsáveis pela política econômica, por mais que sejam avessos às pressões políticas sobre a definição dos rumos da economia, têm um espaço relativamente limitado para barrá-las. Quanto de redução da taxa Selic pareceria mais popular ao Palácio do Planalto ou a um conjunto de ministérios: 0,25; 0,50; ou 0,75? Como essa preferência se expressa?
Aqui não se trata de afirmar que apenas um banco central blindado, completamente autônomo ou independente está imune ao contágio das preferências do poder executivo. Tampouco é o caso de dizer que a trajetória da inflação não dá espaço para diminuição dos juros básicos, como está claramente comprovado agora.
Todos os governos precisam quase sempre de boas notícias na economia. Um governo que promove uma quebra institucional em nome da reconstrução de algum tipo de ordem e prosperidade precisa desesperadamente de algo novo e positivo, mesmo não tendo nenhuma proposta política nova a oferecer para esta finalidade. O manejo da política monetária em um cenário inflacionário mais benigno por conta da recessão pode ser de grande utilidade, além de tema farto para a imprensa.
* Maria Antonieta Del Tedesco Lins é economista e professora do Instituto de Relações Internacionais da USP
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