Novelas papais

Saiu recentemente nos Estados Unidos o livro Absolute Monarchs – A History of the Papacy (Editora Random House, 2.598 páginas). O autor é John Julius Norwich, que confessadamente fez uma obra sem pretensões acadêmicas para o público em geral. Tem êxito relativo nessa empreitada. O volume exige dedicação à leitura, tanto pelo número de páginas quanto pela anotação minuciosa de todo papa que passou pelo mundo desde São Pedro. Deste santo, aliás, nem se sabe ao certo se esteve mesmo em Roma.

O problema com esse verdadeiro catálogo extenso é que nele constam até santidades que não fizeram nada de espetacular e reinaram pelo tempo equivalente ao da vida de uma mosca de frutas. Mas para os que têm paciência de Jó, as histórias de vários prelados de Roma valem novelas mexicanas.

Para se ter uma ideia, um dos capítulos é intitulado Monstros. Encabeça a equipe o papa Alexandre VI (1492). O nome civil da criatura era Rodrigo Borgia. Era pai da famigerada Lucrezia Borgia, tida e havida como uma envenenadora de mãos cheias. Mandou várias pessoas acertarem contas com o Criador, depois de jantares e bebidinhas batizadas. Ela, por sinal, nem era o pior fruto de Alexandre VI. É quase certo que o filho do meio de Sua Santidade, um certo Cesare, matou o irmão mais velho, além de incontáveis pessoas com quem não tinha qualquer parentesco.

Nas horas vagas, quando não estavam matando e roubando fiéis e infiéis, a família Borgia promovia bacanais de fazer corar Lúcifer. Bolaram, por exemplo, um jogo no qual os homens que mantinham o maior número de relações sexuais com farto suprimento de prostitutas ganhavam mimos, como sapatos, joias, tecidos finos e, supõem-se, indulgências.

Essa turma do barulho, porém, interpretou apenas uma ópera bufa, se comparada com o papa João (855?-857?). As interrogações nessas datas de reinado não vêm por acaso. É que nem mesmo o autor está certo de que esse herdeiro de São Pedro tenha mesmo existido. Não há provas concretas disso: apenas inúmeros relatos posteriores sobre sua história. Diz a lenda que João era Joana. Esse papa era papisa.

Pelo que contam, ela era uma inglesa que deu com os costados nas relvas e camas de Atenas e, de lá, foi levada para Roma. Por motivos desconhecidos, fez a viagem disfarçada de homem. Assumiu a troca de gênero sexual para ganhar empregos e prestígio em vários ramos de atividades intelectuais em Roma. Tornou-se sumidade na Academia e nos meios da Cúria, a ponto de ter sido escolhida por unanimidade para assumir o trono de São Pedro. Lá se aboletou por dois anos e sete meses.

Os negócios iam de vento em popa para o papa até um fatídico dia, quando João ia a cavalo da Igreja de São Pedro à de São João, o Divino. Em uma rua estreita, entre o Coliseu e a Igreja de São Clemente, o prelado deu à luz uma criança. Ali mesmo: na sela da montaria.

Em vez de lançar mão de sua presença de espírito, famosa na época, e gritar: “Miraculo! Miraculo!”, o papa parturiente simplesmente saiu do proverbial “armário”. Aqui as narrativas se dividem: João da concepção teria sido morto no ato ou levado a outras paragens para o sacrifício.

Depois de ler essa história, passei bom tempo dando panos para manga. O que mais me atiçou não foi João-Joana, mas sim o pai da criança de nascimento tão inoportuno. A primeira pergunta que surge é: “Quem teria a audácia de PAPAR Sua Santidade?”. Quem já viu a galeria de retratos dos herdeiros de Pedro sabe que não é possível se encontrar nenhuma beldade. É claro que o homem era um boca de cabra: comia qualquer coisa. Mas, há de se reconhecer, o diabo deveria ter também um tremendo bico doce, pois não deve ser nada fácil seduzir um papa.


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