A segunda maior bienal do país

O artista chileno Eugenio Dittborn tem 68 anos e uma obra construída a partir do deslocamento e da transposição das fronteiras – geográficas, acima de tudo. É um nome conhecido internacionalmente e participou da documenta de Kassel, na Alemanha, quando os artistas latino-americanos eram praticamente ignorados. Porém, embora tenha estado na 26ª Bienal de São Paulo, pode-se dizer que sua produção pouco viajou até o Brasil. A situação vai mudar a partir de 10 de setembro, quando começa em Porto Alegre a 8ª Bienal do Mercosul.

A obra do pintor, gravador e desenhista, mais precisamente a sua face mais notável, que são as Pinturas Aeropostais, constituirá um dos principais eixos da megamostra de arte contemporânea do sul do País. Vai ocupar todo o grande hall e as galerias laterais do Santander Cultural de Porto Alegre – espaço nobre da cultura local, encravado no centro histórico da cidade e ponto-chave do caminho a ser percorrido pelo espectador que visitar a Bienal.
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Dittborn foi escolhido o artista homenageado da oitava edição, explica o curador-geral, o colombiano José Roca, porque sua obra “simboliza o conceito de desterritorialização” que norteia a concepção curatorial da mostra, cujo título é Ensaios de Geopoética. Roca tem se empenhado, desde o ano passado, em esclarecer que sua aposta é no questionamento de como e por que se define um território, não apenas do ponto de vista cartográfico, mas também político e cultural – algo cada vez mais flexível diante das tecnologias digitais e de conceitos essencialmente contemporâneos como o multiculturalismo. “A Bienal quer mostrar alternativas à noção convencional de nação, e Dittborn é transnacional”, já definiu, em entrevista a mim concedida, quando da primeira visita do artista à capital gaúcha, para conhecer o espaço expositivo.

O chileno gostou tanto da amplidão das paredes e do enorme pé direito do Santander que deve trazer alguns de seus maiores e mais imponentes trabalhos – aqueles que chegam a atingir quatro metros de comprimento ou altura. São pinturas bidimensionais, mas que, expostas da maneira que considera ideal, transformam-se em espécies de instalações que documentam um percurso. Explica-se: os Aeropostais são pintados em papéis maleáveis, a partir de um processo que Dittborn chama de “tingimento”, às vezes como se fossem carimbos, que permitem que o material seja dobrável. Para que a obra se configure de fato, diz, é preciso realmente dobrá-los e guardá-los em pequenas caixas para que possam ser enviados via correio como se fossem uma correspondência tradicional. Conforme viajam, são desempacotados e fixados nas paredes de galerias mundo afora; depois, novamente condicionados nos respectivos envelopes, vão mudando as suas feições. “Passados alguns anos da confecção, não há imagem que não tenha ficado bem diferente daquilo que foi concebido originalmente”, afirma o artista, que não abre mão de expô-los ao lado de seus invólucros devidamente carimbados, selados e manipulados – o que faz pensar sobre a linguagem dos trabalhos, pinturas que apenas se fazem completas para o seu criador quando apresentadas em três dimensões. O jogo de dobras, linhas – muitas delas retas – e sobreposições de traços e desenhos que formam a essência visual dos Aeropostais, por si só já seriam suficientes para compor uma poética do ruído sobre a construção imagética.

A viagem, contudo, tanto quanto em trabalhos como as artes postais do pernambucano Paulo Bruscky, é fundamental para anunciar ao espectador as proposições do artista. E quanto mais eles viajam, explica Dittborn, melhor: “Pelo seu tamanho, esta mostra é muito significativa para mim. Vou levar somente pinturas que tenham sido apresentadas em cinco ou seis outros lugares diferentes do planeta. No mínimo isso”. Trata-se de um caso em que a exposição, ao mesmo tempo, vai e não vai trazer algo inédito para o público que for prestigiá-la. É interessante notar que este caminho da desterritorialização, embora presente na definição e até na nomenclatura da Bienal do Mercosul, tomou forma na sexta edição, realizada em 2007, definida pelos próprios organizadores como “o ano da internacionalização” – ali a produção sul-americana praticamente deixava de ser o foco, após cinco edições voltadas sobretudo para a arte do continente. Se a sétima edição, de 2009, deu um passo adiante neste sentido, convidando a expor 338 artistas, de 29 países, esta 8ª Bienal se propõe, explicitamente, a rever qualquer divisão ou classificação da arte contemporânea a partir de sua origem geográfica.

O número de artistas pode não ser tão grande (são 107), mas sua procedência é a mais diversificada: eles virão de 34 países, entre eles Bélgica (Francis Alÿs), Palestina (Khalil Rabah) e Camarões (Barthélémy Toguo). Os eixos são sete: Casa M (espaço dedicado ao intercâmbio artístico), Geopoéticas (grande exposição no Cais do Porto de Porto Alegre, com 61 artistas), ZAPs (as Zonas de Autonomia Poética serão “pequenas nações” instaladas em meio às mostras tradicionais), Além Fronteiras (exposição no Margs, Museu de Artes do Rio Grande do Sul, com a visão de nove artistas convidados sobre o território gaúcho), Cadernos de Viagem (projetos de residência no interior do Estado a serem apresentados no Cais do Porto e em mostras itinerantes), A Cidade Não Vista (com trabalhos de oito artistas, concebidos para espaços inusuais da capital), além da homenagem a Dittborn.


Em sua próxima edição, ARTE!Brasileiros trará a cobertura completa da Bienal do Mercosul



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