Beuys e Bem Além – Ensinar como Arte

Pouca gente no Brasil faz ideia de quem foi o polêmico, controverso, anticonvencional, visionário, contestador e agitador que viveu na pele do artista plástico alemão Joseph Beuys (1921-1986). Talvez isso se explique por que, sendo um só e muitos ao mesmo tempo, sua obra não pode ser definida em apenas uma palavra, como se costuma identificar e mitificar os gênios de qualquer gênero da arte e da ciência.

Para o bem ou para o mal, o homem que revolucionou conceitos e radicalizou atitudes em pleno furacão da Guerra Fria, nos anos 1960, construiu e deixou um legado que extrapola seu papel de artista.
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Para quem quer melhor entender, ao vivo, o que isso significa, o Instituto Tomie Ohtake traz a São Paulo a exposição Beuys e Bem Além – Ensinar como Arte, que fica em cartaz de 13 de setembro a 30 de outubro.

A exposição comemora os 100 anos de presença no Brasil do Deutsche Bank, cujo acervo detém as obras que, no pós-guerra, Beuys, como artista e professor, criou com ampla gama de posturas e técnicas que ensinou a seus alunos.

Quando disse, em 1977, que sua maior obra de arte era “ser professor”, Beuys não estava fazendo marketing barato. De fato, estava sim, fazendo a apologia do óbvio. Porque, ensinar, para ele, era a própria extensão de sua atividade artística. E essa faceta de Beuys é considerada tão fundamental para a formação de várias gerações, que os curadores alemães Friedhelm Hütte, Liz Christensen e Christina März, e os brasileiros Agnaldo Farias e Paulo Miyada, estruturaram a exposição em dois núcleos.

As 100 obras em papel da coleção do Deutsche Bank que estarão na exposição são assinadas em sua maioria por Beuys e se completam com trabalhos de seis dos seus mais dedicados alunos: Lothar Baumgarten, Imi Knoebel, Jörg Immendorff, Blinky Palermo, Katharina Sieverding e Norbert Tadeuz.

Outras 50 obras são do núcleo formado por artistas brasileiros. E, não por acaso, tem à frente o mais polêmico dos nossos criadores nacionais, o paulista Nelson Leirner, cuja trajetória guarda estreita relação com Joseph Beuys, tal a analogia ideológica, política, de atitudes e visão da prática pedagógica entre eles.

Da escola de Leirner participam sete artistas: Leda Catunda, Edgard de Souza, Laura Vinci, Sergio Romagnolo, Iran do Espírito Santo, Dora Longo Bahia e Caetano de Almeida. “A proposta – explica Miyada – não pretende identificar uma versão latino-americana de Beuys, mas sim a de suscitar um intercâmbio de ideias sobre pedagogia e arte, a partir do contexto histórico de cada país”.

Nos anos 1960, Beuys estava no centro de um movimento, o Fluxus, de inspiração dadaísta, do qual também participavam John Cage e Yoko Ono. Este grupo disseminou um estilo de performances públicas emblemáticas que mexiam com o imaginário coletivo.

Numa delas, em 1965, How to Explain Pictures to a Dead Hare, Beuys vai a Galerie Schmela, em Düsseldorf, com o rosto coberto de mel e pó dourado, passeia com o animal no colo e sussurra ao seu ouvido diante das telas expostas, como querendo explicar-lhe o significado da pintura.

Alguns anos depois vai a Nova York, desce de maca do avião e, em ambulância, vai direto a uma galeria de arte. Lá, entra numa jaula e passa várias horas ao lado de um coiote. Volta de maca para o avião sem sequer ter pisado em solo nova-iorquino. Título da performance: I Like America and America Likes Me.

O ato da criação – dizia Beuys – é uma inspiração única e singular que pertence ao momento presente. E é por isso que não pode ser simplesmente repetida. O aforismo faz justiça ao ativista estético e político sem fronteiras que foi pioneiro na abordagem de elementos da natureza. A ousadia é marcante em suas ações, como aquela da instalação viva 7000 Oaks, na documenta de Kassel 7, em 1982.

Criatividade, para Beuys, era sinônimo de liberdade, como a consciência de si mesmo. Ele pregava que só no pensamento o homem é plenamente livre. O conceito de escultura de Beuys ia além do seu objeto de trabalho – englobava cultura, política, educação e organização social. Assim, desenvolveu seu próprio conceito, a que chamou de escultura social.

A proposta tinha claramente inspiração política e acendeu a pira da polêmica quando ele disse que “todo homem é um artista”. Assim, a seco, daria ideia de que qualquer pessoa pode pintar, esculpir, desenhar. Um paradoxo, em se tratando de um performer. “Não, falo da dimensão estética do trabalho humano e da qualidade moral que aí se encontra, aquela da dignidade do homem”.

Provocador, Beuys entendia que o papel do artista era o de oferecer os instrumentos (a obra) para que outros a debatessem. Utópico, sonhava em mudar o mundo e moldá-lo aplicando seu conceito de escultura social na prática pedagógica, como fez.

Em sua trajetória de homem marcado por traumas de guerra que deixaram sequelas sociais e de caráter espiritual, Beuys procurou respostas explorando a ideia residual da arte como uma espécie de metáfora da experiência humana.

Definitivamente, Beuys queria tocar a alma das pessoas, extrapolar o óbvio, ir além da manifestação puramente artística para estabelecer o conceito ampliado da arte. A julgar pelo infinito número de happenings inusitados, audazes e bizarros que se tem visto nos últimos anos, ele conseguiu.


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