Qualquer dúvida sobre a necessidade de o movimento Limpa Brasil! Let’s do it ser trazido ao País pela empresa Atitude Brasil, com apoio da UNESCO, foi posta de lado depois que cidadãos do Rio de Janeiro, Brasília e Goiânia se transformaram em catadores de lixo, aqueles humildes trabalhadores que o País e o mundo passaram a conhecer melhor e admirar, principalmente depois do premiado documentário Lixo Extraordinário, de Vik Muniz. O filme mostra a realidade dos catadores do Jardim Gramacho, no Rio de Janeiro, o maior lixão do Brasil.

Por meio da ação voluntária, 17 toneladas de lixo foram recolhidas no Rio de Janeiro, 59 em Brasília e 160 em Goiânia. As diferenças nos totais coletados podem ser explicadas, primeiramente pelo ineditismo do projeto no Rio. Além disso, Rio e Brasília tiveram apenas um dia de coleta, enquanto Goiânia desenvolveu o projeto em dois dias seguidos. As próximas etapas do Limpa Brasil!, neste ano, serão realizadas em Campinas, São Paulo (em quatro finais de semana) e Belo Horizonte, completando as seis cidades com mais de 1 milhão de habitantes escolhidas. “O primeiro mutirão de limpeza aconteceu em 2008 na Estônia. Lá, o foco era o chamado ‘lixo histórico’, aquele abandonado em bosques e outras áreas isoladas. Por conta dos anos de educação, há pouco lixo nas ruas. Mas no Brasil a situação é diferente. Nosso problema não é apenas o lixo histórico, mas principalmente o do presente, do dia a dia e o do futuro”, afirma Marta Rocha, diretora executiva da Atitude Brasil.
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O trabalho da Atitude Brasil, empresa de comunicação social, cultural e ambiental, que também estimula a reflexão e o debate por meio da realização de seminários internacionais de sustentabilidade, vai muito além de transformar cidadãos em catadores de lixo. Seu principal objetivo é promover a educação ambiental em médio e longo prazos. Uma revolução de costumes para que o lixo nas ruas venha a ser muito inferior ao que vemos hoje.

O Limpa Brasil!, inspirado em experiência já realizada em 30 países, será desenvolvido ao longo de 10 anos. Para 2012, oito cidades já foram escolhidas: Porto Alegre, Curitiba, Vitória, Salvador, Recife, Fortaleza, São Luís e Belém, sempre usando o critério populacional como referência. A campanha ganhou garotos-propaganda ilustres, como Chico Buarque, Milton Nascimento, Marília Pêra e Tião Santos. Todos vestem a camisa e anunciam: “sou catador”. A ação será repetida a cada dois anos por grupo de cidades, e um painel com os dados coletados poderá mostrar a evolução (ou não) dos costumes dos brasileiros e do poder público.

Reciclagem de verdade
Transformado em ícone da reciclagem ao ser um dos principais personagens do filme de Vik Muniz, o catador de lixo Sebastião Carlos dos Santos, mais conhecido como Tião, não tem dúvidas de que tudo depende da educação. “Na verdade, esse é o passo inicial para termos uma coleta seletiva eficiente, com aproveitamento máximo, com ganhos econômicos, sociais e ambientais para todos”, disse ele, durante o Limpa Brasil! em Brasília. Tião é presidente da Associação dos Catadores do Aterro Sanitário de Jardim Gramacho, no Rio.

Enquanto observava os sacos verdes de lixo (um plástico desenvolvido pela Braskem a partir de resíduos da cana-de-açúcar, reciclável e biodegradável) trazidos pelos moradores de Brasília se empilhando no ecoponto instalado no Parque da Cidade, Tião comentou que, no caso do Limpa Brasília!, o material seria levado em caminhões diretamente para as cooperativas de catadores, para ser selecionado e separado de acordo com o tipo de reciclável – ele prefere não usar a palavra lixo. “Infelizmente, no dia a dia, mesmo o lixo que as pessoas, por conta própria, separam seletivamente, é jogado no mesmo caminhão, sendo comprimido e levado aos lixões e estações de coleta de lixo. Claro que muita coisa se perde e o trabalho, como se observa em qualquer um desses locais, fica muito mais difícil e, no final, se perdem materiais que poderiam ir para a reciclagem.”

A experiência de uma vida trabalhando na coleta, separação e destinação correta de todo o tipo de material reciclável em um lixão faz com que Tião considere que, daqui para frente, a sociedade terá de se mobilizar e cobrar dos governos uma política séria de coleta seletiva de lixo. “Está mais do que comprovado que a reciclagem representa ganhos ambientais, sociais e, evidentemente, econômicos para todos. Mas é preciso implantar, de fato, uma coleta seletiva do material. E o papel do catador também precisa ser repensado e recompensado, em termos econômicos e sociais”, afirma.

Ele diz ainda que, embora os catadores sejam a ponta mais operativa na escala da reciclagem do lixo – os que realmente põem a mão na massa -, eles são os que menos se beneficiam. “Noventa por cento do material que chega à indústria para reciclagem foi selecionado e passou pelas mãos dos catadores. Mas somente 5% do valor do que é produzido retorna para eles”, critica.

De qualquer modo, Tião se entusiasma com a adesão popular ao Limpa Brasil! e espera que, no futuro, as cidades brasileiras possam ser parecidas com Palma de Mallorca, na Espanha. “Eu estive lá e fiquei empolgado. Eles podem ser um exemplo mundial. Reciclam tudo, do lixo ao esgoto”, comenta. Uma ilha que, a cada verão, recebe centenas de milhares de turistas, Mallorca teve de adotar todo o tipo de projeto de reciclagem para se manter viável e seguir como um dos maiores polos turísticos do mundo. “Acho que temos de olhar o projeto de Mallorca e trazê-lo para o Brasil”, torce.

O Limpa Brasília!, acompanhado de perto pela Brasileiros, que integra o grupo de empresas apoiadoras do projeto em âmbito nacional, conseguiu ampliar a mobilização e a participação da sociedade e do poder público em relação ao Rio. Teve, por exemplo, a presença do governador Agnelo Queiroz e a do secretário do Meio Ambiente Eduardo Brandão, que chegaram ao ecoponto do Parque da Cidade não apenas para marcar presença oficial, mas trazendo sacos com o lixo coletado em um curto percurso no parque. Agnelo teve até uma “aula” de separação do lixo por categoria, dada por catadoras da cooperativa de Brasília, e anunciou que o governo de Brasília vai, finalmente, dar melhores condições de trabalho aos catadores no maior lixão do Distrito Federal, na Via Estrutural, a 20 km da Esplanada dos Ministérios. “Já lancei o edital para a construção de um galpão, com 6 mil m2 de área, que funcionará como principal polo da coleta seletiva. Isso permitirá, até abril de 2012, fechar o lixão e implantar a coleta seletiva de maneira eficiente”, afirmou.

Outro parceiro do Limpa Brasília!, o Banco do Brasil, disponibilizou mais de 160 agências como pontos de distribuição dos kits limpeza para os voluntários e ainda estimulou seus funcionários a participarem do evento. Em uma mobilização prévia, o staff da Atitude Brasil esteve em todas as regiões administrativas de Brasília e na rede escolar pública, além de escolas privadas, como o Mackenzie, o Colégio Marista e outros. A adesão das universidades também foi muito positiva. Alunos de Economia da UnB passaram a manhã do domingo fazendo uma faxina no campus e chegaram ao Parque da Cidade com sacos cheios de lixo, catados no chão do Campus Darcy Ribeiro (que certamente aplaudiria o trabalho, mas morreria de vergonha vendo como sua menina dos olhos fica suja a todo instante).

Em Goiânia, a interatividade e o engajamento entre os órgãos da prefeitura, a sociedade civil e o empresariado local foi uma boa surpresa. Além disso, o prefeito Paulo Garcia – engajado diretamente no projeto participando ativamente da coleta – determinou que a COMURG, companhia de lixo da cidade, se integrasse ao trabalho, não só no recolhimento do lixo coletado pelos voluntários, mas também fazendo uma coleta dirigida: o lixo orgânico, por exemplo, foi separado previamente pelos moradores e coletado de maneira distinta pelos caminhões da COMURG, facilitando (como, aliás, deveria ser a prática normal) a posterior reciclagem pelas cooperativas de catadores. O resultado desse trabalho integrado foi o grande volume de lixo coletado.

Na verdade, esse volume de lixo recolhido, principalmente nas ruas, deve ser festejado apenas em função dos esforços das pessoas que se colocaram como voluntárias. A reflexão que deve ser feita e que destaca ainda mais a importância do aspecto educacional do Limpa Brasil! é uma só: jogamos muito lixo nas ruas, praças, enfim, no meio ambiente. E precisamos mudar.


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