Olhar para o passado é fundamental para o salto adiante. Essa é uma síntese da palestra do crítico e ensaísta Lorenzo Mammì, que abriu nesta quinta (6) o ciclo de debates Talks, parceria da SP-Arte com a ARTE!Brasileiros. Com a curadora Ana Paula Cohen e com Dan Fox, coeditor da revista Frieze, ele compôs programa em torno do tema “arte como forma de resistência”.
A frase acima faz ruído grande com a realidade que vivemos hoje, modificada diariamente pela ciência e pela tecnologia. Para Mammì, porém, o processo tecnológico prometeu um passo adiante, mas, no meio do caminho, percebeu-se que era responsável pelo esfacelamento de relações humanas. “Desculpe se não dou uma visão otimista”, disse Mammì, “mas acho que perdemos a capacidade de focar o salto, e isso está ligado a uma dificuldade em estabelecer certa distância sobre quais são nossos modelos”. Em seguida, ele defendeu a arte como manifestação em tempo expandido. “Ela demanda um processo de compreensão mais lento”.
Mammì retorna a historiadores da arte de seu repertório, como o francês Georges Didi-Huberman e o alemão Aby Warburg (1866-1929) para compreender a repetição: rever algo de produções antigas sempre foi uma prática presente na arte. Com o apoio de outro teórico, Erwin Panofsky (1892-1968), o ensaísta retorna então ao Renascimento para perguntar-se: o que naquele momento resultou na ruptura entre o novo e a produção imediatamente anterior?
Mammì exemplifica: enquanto Huberman se pergunta “por que as coisas se repetem?”, Panofsky questiona “o que muda quando as coisas se repetem?”. Para o ensaísta, há quatro qualidades fundamentais na arte e em sua capacidade de resistir: lentidão, ambiguidade, verdade e reflexão.
As questões de Mammì ficam frequentemente abertas e ele se desculpa por não oferecer soluções, embora tenha apontado uma saída. “Poderemos aproveitar melhor a obra de Marx [Karl, 1818-1883] quando entendermos que o marxismo já acabou”, sentencia. Foi uma provocação aos movimentos de esquerda e mais especificamente à repetição da militância.
Após a palestra de Mammì, Fox apresentou seu olhar sobre os cenários artísticos americano e inglês e as reações tanto à eleição de Donald Trump como à aprovação do Brexit. Para o coeditor da Frieze, as duas situações políticias adquirem seus contornos a partir de “uma fantasia nostálgica sobre o passado” desses dois países. Fox recorre a exemplificações diversas em que a arte empenhou-se politicamente, citando por exemplo o Material Group e sua associação com ativistas que atuaram na preservação dos direitos de portadores do HIV, nos anos 1980.
Há uma crise à espreita em cada ação política proposta pela arte, porém, ele pondera: no atual contexto histórico, a resistência pode voltar-se contra si mesma, paradoxalmente promovendo o mesmo pensamento que pretende superar, como se fizesse uma espécie de marketing invertido, resultando, por exemplo, na eleição de Trump. “Hoje, não basta assinar um abaixo assinado para atuar politicamente”, defende. “Se você quer ser útil, vai lá e proponha algo”.
Ana Paula Cohen fez, entre os três participantes, justamente o que propôs Mammí. Olhou para o passado, mais precisamente para os anos 1960 e 1970. Embora tenha passado por trabalhos como o de Cildo Meireles, que provocou o regime militar carimbando em notas de dinheiro a frase “Quem matou Herzog?”, Cohen focou no trabalho de Lygia Clark e toda a trajetória que a artista traçou para criar uma participação mais ativa de quem se relaciona com sua obra.
O primeiro dia de Talks terminou com a participação de Livia e Marc Strauss, casal de colecionadores americanos que fundou a Hudson Valley Center of Contemporary Art, na cidade de Peekskill. Eles deram um passo a passo sobre a formação de sua coleção e sobre a relação que mantiveram com jovens artistas.
Nesta sexta (7), entre 10h e 13h, o Talks terá como palestrantes Giancarlo Latorraca, diretor do Museu da Casa Brasileira, Lissa Carmona, diretora da Etel Interiores, e Kristina Parsons, especialista em design da plataforma online Artsy. Das 16h às 18h, é a vez de Gabriela Longman, jornalista e pesquisadora, Nelson Brissac, filósofo e criador do projeto Arte/Cidade, e Baixo Ribeiro, curador e galerista da Choque Cultural, discutirem questões sobre a relação da arte com os diversos territórios urbanos.
Deixe um comentário