“Deseducar” é uma das questões centrais em torno da documenta 14, aberta ao público no último sábado ( 8/4). Recheada de atos que questionam convenções do mundo contemporâneo, a mostra foi inaugurada, na sessão para a imprensa, com um ato representativo desse princípio: a primeira imagem da coletiva foi a reunião de todos os cerca de 160 artistas da mostra com o time curatorial no palco da imensa sala de concertos do teatro grego Megaron, com a apresentação de uma versão da peça Epicycle, do compositor grego Jani Christou (1926 – 1970).
A performance, que durou poucos minutos, era constituída como uma espécie de coral de sons guturais, que começou de forma tímida até chegar a um volume intenso de cacofonias. Foi uma espécie de catarse que aponta que, mesmo em um encontro protocolar com a imprensa, a experiência da arte é o que importa. Com isso, o discurso curatorial foi deixado em segundo plano, um fato raro, e que ainda afirmou a necessidade de se ouvir muitas vozes. Foi um manifesto.
Tendo em vista a importância do coro no teatro grego, dá para constatar que Aprendendo com Atenas, o título provisório da mostra, não se tratou de mera retórica. Na coletiva, Adam Szymczyk, diretor geral da documenta 14, afirmou que “aprender com Atenas é constatar que é preciso abandonar preconceitos, que a grande lição é que não há lições”.
Por conta disso, “deseducação”, o termo de fato empregado ao projeto “educativo” da mostra, se transforma em uma importante estrutura. Para apontar sua abrangência, a curadora grega Marina Fokidis, criadora da revista South as State of Mind, uma das plataformas incorporadas pela documenta, relembrou a frase atribuída ao filosofo Sócrates, “só sei que nada sei”: “com isso, ele aponta a importância do questionamento, onde criar perguntas é mais importante que dar respostas.”
Com cerca de 160 artistas, a mostra se distribui por mais de 40 espaços públicos da cidade: do imenso novo Museu de Nacional de Arte Contemporânea (EMST), que abriga 70 artistas, a um pequeno cinema ao ar livre onde é exibido o novo filme de Douglas Gordon, I Had Nowhere to Go (“eu não tinha aonde ir”), uma poética leitura da biografia do cineasta lituano Jonas Mekas.
Apesar da grandiosidade dos números, não se trata de uma mostra espetacular. Em sua maioria são artistas pouco conhecidos, muitos deles em condição de migrantes, com trabalhos muito precários, como as colagens de Elizabeth Wild, um bom exemplo do tom da exposição. Nascida em Viena, em 1922, ela emigrou para a Argentina, em 1938, mudando-se para a Suíça, em 1962, e finalmente para a Guatemala, em 1996, onde vive até hoje. Lá, todo dia, ela realiza pequenas colagens a partir de revistas, uma espécie de diário de exílio, vivendo em meio à floresta Panajachel, junto com a filha Vivian Suter, outra artista na documenta, afastadas do mundo “civilizado”.
Esse pequeno gesto de resistência reverbera em muitos outros trabalhos da mostra, especialmente performances ou criações sonoras, novos ou já existentes, caso de Epicycle, criado na Grécia durante o regime militar.
Considerada uma das mais importantes mostras de arte contemporânea, a documenta ocorre, pela primeira vez, em dois lugares com o mesmo peso: Atenas e Kassel, sua sede original, na Alemanha, que terá sua parte expositiva inaugurada em dois meses.
A cobertura completa da documenta 14, que desta vez não apresenta nenhum artista do Brasil, estará na próxima edição de ARTE!Brasileiros.
Deixe um comentário