Quanto vale um muro?

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Muro da casa de João Batista da Silva, grafitado no Beco do Batman. Foto: Mariana Tessitore

Com uma expressão fechada, o aposentado João Batista da Silva (77) negocia com dois grafiteiros. A dupla insiste: “Agora que o senhor apagou os grafites antigos, podia nos autorizar a pintar o muro da sua casa”. Com firmeza, ele responde que não. Minutos depois, logo após o aposentado entrar em sua residência, um dos rapazes picha na superfície cinza: “Quanto vale um muro?”

Morador antigo do Beco do Batman, reduto de arte urbana na zona oeste de São Paulo, Batista passou a tarde desta segunda-feira (11/4) apagando grafites no muro de sua residência. A ação provocou alvoroço e repercutiu na internet, sob a leitura de que Silva teria se inspirado na política de cerceamento da arte urbana realizada pelo prefeito João Doria (PSDB) nos primeiros dias de seu mandato. ARTE!Brasileiros foi até o beco, conversar com os moradores do local.

Silva explica: “Moro aqui há 27 anos, sempre deixei que grafitassem minha casa. Mas estava cansado, queria mudar. A casa é minha, se quiser eu posso”, diz. Ele garante que, apesar de ter “muita simpatia pelo Doria”, não agiu inspirado pelo prefeito e que a escolha da tinta cinza se deu porque “indicaram na loja como o melhor custo benefício”.

O aposentando reforça que sua ação não foi contra o grafite, propriamente: “Gosto da arte urbana. Mas queria chamar atenção para a bagunça que está aqui. É muito complicado, as pessoas fazem barulho a noite toda, quando eu peço para diminuírem o volume, elas me xingam. E foi bom, porque, assim que pintei o muro, já teve repercussão, o subprefeito de Pinheiros veio aqui e me disse que vai tentar controlar melhor a situação”, afirma.

Citado como ponto turístico na SPTuris, site da prefeitura, o Beco do Batman atrai turistas do mundo todo interessados em conhecer o grafite de São Paulo. Na tarde desta terça-feira (11/4), um grupo de cerca de vinte chineses visitava o beco, enquanto um programa de TV era gravado.

A moradora do local, Agatha Ribeiro (18), afirma ser admiradora de arte urbana. “Vivo aqui há três anos. Na minha própria casa há um grafite de que gosto muito. Os artistas pediram para os meus pais, e eles deixaram que o muro fosse pintado. Não concordo com o que o João fez. A arte dá vida ao local. Foi um erro”, pontua a estudante.

A aposentada Vânia Machado (55), por sua vez, diz entender a postura do vizinho. “Acho que foi um grito de alerta, exigindo que as autoridades olhem para a nossa situação. Eu moro aqui há mais de trinta anos, gosto muito dos grafites, tem um inclusive no muro da minha casa. O problema são os turistas e as luzes que ficam acessas a noite toda. As pessoas apenas visitam o local, mas, para nós que vivemos aqui, é um pouco mais complicado”, afirma.

O grafiteiro Boleta (38) foi um dos que teve o trabalho apagado por Silva. Ele afirma não ter se sentido ofendido com a atitude: “Nos conhecemos há muitos anos, entendo ele estar cansado”. Boleta aposta, porém, que, mesmo com ações dos moradores ou eventuais medidas da prefeitura, o caráter do espaço não se modificará: “Esse lugar já tem fama, todo mundo quer pintar aqui. Por mais que apaguem, nunca será destruído; o grafite está enraizado”.

Novos grafites

Um dia após pintar os muros de sua casa, Silva afirmou que cederá o espaço para que os grafiteiros produzam novamente. “Depois de conversar com o subprefeito de Pinheiros, decidi convidar os meninos a criarem. O importante é que consegui chamar atenção para o descaso do local”, afirma. Além do trabalho de Boleta, havia no muro pintado um grafite de Binho Ribeiro.

Procurado pela ARTE!Brasileiros, Ribeiro afirmou que já acertou os detalhes com Silva e que começará a produzir na próxima quinta-feira (13). “Ele ficou nervoso com tudo isso, foi a sua maneira de se pronunciar. Mas já conversamos, e ele não cobrará nada de mim, nem de ninguém”.

Um grafiteiro, que frequenta o local e não quis se identificar, discorda de Ribeiro: “É toda uma situação complicada, ele queria chamar atenção. Mas voltou atrás e tenho certeza de que começará a cobrar as pessoas para pintarem aqui, o que é bem complicado. Foi tudo um pouco esquizofrênico, e digamos que a escolha da tinta cinza não ajudou muito”, pontua.


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