Em Concerning Consequences. Studies in Art, Destruction and Trauma, Kristine Styles analisa a obra dos artistas que viveram o período da Segunda Grande Guerra e seus desdobramentos nas relações geopolíticas durante a Guerra Fria. Essa geração,
nos países diretamente envolvidos, enfrentou perseguições, fome, violência, migrações forçadas e, na vida adulta, realizou trabalhos nos quais a destruição, corporal inclusive, surge como resposta visual ao que a autora denomina culturas do trauma.
Para Styles, no caso de artistas como Istvan Kantor (1949) ou Larry Miller (1944), impactados pela dissolução econômico-social provocada pela guerra, a equação é solucionada sob a forma de dupla entidade. Em relação a Yoko Ono (1933), para a autora, essa duplicidade é demonstrada por meio da fusão de diferenças entre a artista e seu marido John Lennon (1940-1980), na parceria denominada LENONO.
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Não é possível abordar as obras de Yoko Ono sem atentar para essa reunião e suas determinações: ao mesmo tempo que o músico passa de um produto aprimorado pela indústria musical para um artista aberto às experimentações, Ono, sem deixar
seu radicalismo artístico, mergulha no mundo dos ícones, no caso dela negativo, da mídia de massa.
Essa interpenetração é mais visível na obra do músico, mas também é presente na figura midiática da artista. Em O Céu Ainda É Azul, Você Sabe… (até 28 de maio no Instituto Tomie Ohtake), com curadoria de Gunnar B. Kvaran, diretor do Museu Astrup Fearnley, evita-se o estereótipo propagado, e é possível captar outras dimensões da artista, nas aproximações
e, principalmente, distâncias de Lennon.
O trauma – violência e desaparecimento – perpassa muitas das obras, sendo mais evidente e direto, por exemplo, em Pessoas Invisíveis (2011-2017), que trata de Hiroshima. Mas também é possível observar as ressonâncias da guerra em Peça para Acender (1955), vídeo de cerca de cinco minutos, resultado de uma instrução para observar a consumação do fósforo pela chama, destruindo o objeto. Trabalho importante na cronologia da artista, Peça para Acender é do período em que a artista participa dos eventos com os artistas conceituais do Fluxus, no qual as instruções – indicações textuais com proposições mentais que eventualmente se materializam – servem como obra-ativação do espectador. Ainda no contexto da relação com Fluxus, está presente na exposição o vídeo da performance Cut Piece (realizada a partir de 1964). Nesse trabalho, podem ser vislumbrados tanto a violência resultante do trauma quanto um comentário específico da perspectiva feminista, adiantando em pelo menos uma década as propostas provocadoras que só se tornariam pauta a partir do início dos anos 1970 nos Estados Unidos.
Um aspecto positivo da mostra é uma atualização contextuada de War is Over (If You Want It), série de ações de ativismo pacifista realizada desde o final dos anos 1960, com a presença de elementos que evocam as disputas por terras no Brasil, relacionando o cartaz daquelas ações e eventos em Canudos, Ñande Ru Mangaratu (Kaiowa) e Eldorado dos Carajás. Ou os trabalhos desenvolvidos por outros artistas a partir de uma instrução específica na série de Eventos Água.
A quantidade de trabalhos com mais de 50 ou 60 anos que ainda apresentam força crítica mereceria talvez um espaço mais amplo para exibição, já que exige a participação física e ruidosa do público. Muito facilmente é possível colidir com algumas das placas suspensas que apresentam as instruções, por exemplo.
Por outro lado, a exposição exibe de forma tímida o importante papel experimental de Ono no campo musical, em suas relações com John Cage e na cena japonesa dos anos 1950, e nas experimentações na Plastic Ono Band.
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