Em março deste ano, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), por iniciativa pessoal do senhor ministro Aloizio Mercadante, estabeleceu a Comissão do Futuro da Ciência do Brasil com dois objetivos principais: primeiramente, traçar um diagnóstico do estado atual da prática da pesquisa científica no País e, em um segundo momento, oferecer sugestões para a ampliação do papel da ciência brasileira no desenvolvimento social e econômico do País nas próximas décadas.
Pela primeira vez em sua história, o MCTI autorizou que uma comissão consultiva, encarregada de uma missão tão fundamental e estratégica, pudesse ser constituída por cientistas brasileiros e estrangeiros que, trabalhando voluntariamente e sem nenhuma conexão formal com o Ministério ou com qualquer órgão do governo federal, se incumbissem de atingir as metas propostas nos próximos dois anos.
A primeira reunião dos membros brasileiros da Comissão do Futuro, incluindo dois jornalistas e uma educadora, além de cientistas de diferentes áreas, ocorreu no começo do mês de maio em Brasília. Durante esse encontro, a primeira decisão tomada de forma consensual por todos os membros da comissão foi a de procurar meios de envolver toda a sociedade brasileira em seus trabalhos. Assim, para recrutar todos os brasileiros interessados em colaborar com coleta de informação e dados sobre o estado corrente da ciência brasileira, bem como oferecer um mecanismo ágil e transparente de divulgação dos achados da comissão e das sugestões oferecidas para o futuro da nossa ciência, foi criado o site da Comissão do Futuro (http://www.comfuturobr.org).
Com base na filosofia crowdsourcing, um novo mecanismo de colaboração desenvolvido pelas redes sociais em que milhares de pessoas colaboram para atingir um objetivo comum, o site da comissão entrou no ar no último dia 15 de agosto. Inicialmente, ofereceu aos visitantes a oportunidade de se registrarem como membros regulares do projeto, além de espaço para a criação de grupos de discussão sobre temas científicos os mais diversos, depósito de imagens e vídeos científicos, participação no blog da Comissão do Futuro e a oportunidade de dialogar com os membros brasileiros. Comissões como essa são rotina nos EUA, Europa e Ásia. Todavia, em nenhum desses exemplos a participação da sociedade civil foi amplificada como a proposta pela Comissão do Futuro brasileira.
Certamente, a resposta da sociedade brasileira não poderia ter sido mais recompensadora e alvissareira! Em apenas um mês de existência, o site já atraiu mais de 21 mil visitas que resultaram em 3.056 membros cadastrados, espalhados por 43 países de todo o mundo. Essa enorme adesão resultou na criação de 143 diferentes grupos de discussão que vão desde debates em Astrofísica até o questionamento das normas e procedimentos arcaicos que ainda regulam a prática científica nas universidades brasileiras. Além dos grupos de discussão, os milhares de participantes desse projeto coletivo depositaram mais de 130 vídeos científicos e 88 imagens ligadas à ciência.
De repente, no meio de uma madrugada de inverno, perdido em algum aeroporto mundo afora, eu tive o prazer de assistir, por meio da biblioteca de vídeos do site, a recriação do primeiro voo orbital em torno da Terra, realizado pelo piloto soviético Yuri Gagarin, com direito a trilha sonora que incluía as comunicações originais de rádio entre a torre de controle da base espacial de Baikonur, no Cazaquistão, e um quase estupefato Gagarin que não se cansava em repetir como a Terra era linda vista lá de cima!
CIÊNCIA NO BRASIL Site da Comissão do Futuro promove debates e coleta de informações – www.comfuturobr.org |
Site da Comissão do Futuro promove debates e coleta de informações
Assim como eu, jovens e adultos, moradores da costa e do interior do Brasil, gente de Macaíba, Serrinha, Manaus, Cruzeiro do Sul, Votuporanga e tantos outras cidades, municípios e vilarejos de dentro e fora do Brasil, vão poder acompanhar e contribuir, em tempo real, para a construção de uma nova proposta para o futuro da ciência brasileira. Durante os próximos seis meses, a meta é ampliar ainda mais o universo de participantes desse esforço por intermédio da constituição de subcomitês regionais da comissão do futuro. A nossa meta é que esses subcomitês funcionem ativamente em cada universidade, instituto de pesquisa e empresas envolvidas com a produção de pesquisa básica aplicada e na geração de inovação tecnológica no País. A resposta entusiástica com que tantos brasileiros, espalhados em tantos lugares diferentes, dentro e fora do Brasil, responderam a essa fase de implantação do site sugere que, como nunca antes neste País, a sociedade brasileira, e não só um pequeno grupo de acadêmicos e cientistas, poderá manifestar a sua visão sobre o que devemos esperar da ciência e dos cientistas brasileiros na construção dessa nossa democracia tropical! Evidentemente, como tudo que é novo, essa proposta inovadora de consulta e colaboração vai impor uma série de desafios e riscos. Inicialmente, novos métodos de análise e compilação de informação terão de ser criados e empregados para a síntese dos inúmeros debates que já estão em curso. Muitos procedimentos, na verdade, terão de ser criados à medida que a dinâmica do site for se alterando com o amadurecimento dos participantes e suas interações. Tudo isso, sem dúvida alguma, pode causar alguma ansiedade naqueles mais habituados com mecanismos mais tradicionais de funcionamento de uma comissão como essa. Para tranquilizá-los, eu só posso dizer que quem não aceita certos riscos na vida, como Yuri Gagarin, nunca terá a chance de ver a Terra, em todo seu esplendor, do lado de lá, na companhia das estrelas.
*Paulistano e palmeirense de nascença, é professor titular de Neurobiologia e codiretor do Centro de Neuroengenharia da Universidade Duke, na Carolina do Norte (EUA) e idealizador e diretor do Instituto Internacional de Neurociências Edmond e Lily Safra em Natal (RN). Faz parte do Conselho Editorial da Brasileiros
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