É o “RUBGY“! Perdão, é o RUGBY!

Exaustos após uma batalha de 80 minutos, jogadores se cumprimentam, ainda dentro do gramado. O árbitro apita o fim da partida, mas, em vez de os vencedores saírem para comemorar ou simplesmente irem para suas respectivas casas, eles se reúnem com os perdedores para comer e beber juntos, deixando para trás as desavenças em campo. Até o juiz é convidado ilustre na festa, que nada mais é do que um tradicional terceiro tempo, celebração obrigatória em qualquer país praticante do rugby, um esporte que vem ganhando destaque no Brasil.

Oriundo do Reino Unido, o rugby se espalhou pelas colônias britânicas, sendo a principal ferramenta do ex-presidente Nelson Mandela para unir brancos e negros, curando algumas feridas dos tempos do apartheid na África do Sul – que até inspirou o bem-sucedido filme Invictus, de Clint Eastwood. A modalidade ainda se tornou quase uma religião na Austrália e na Nova Zelândia. O país dos kiwis desenvolveu grande identidade com o esporte e neste ano abriga a Copa do Mundo (leia mais na página 106). No Brasil, o rugby chegou no final do século XIX, curiosamente, pelas mãos de Charles Miller, filho de um escocês e de uma brasileira descendente de ingleses, que é tido como o pai do futebol no País. Miller trouxe faca e queijo: dois livros de regras (um de rugby e outro de futebol), chuteiras e bolas para ambas as modalidades. O resto dependia da vontade e animação de seus amigos pessoais e dos companheiros do São Paulo Athletic Club (SPAC), que ajudou a fundar em 1888 e que existe até hoje. Enquanto o esporte da bola redonda se popularizou e ganhou dimensões inimagináveis, o rugby era praticado principalmente por estrangeiros, descendentes de europeus no Brasil, com alguns poucos momentos de destaque no último século.
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Mas uma notícia veio para mudar a história do esporte: o rugby volta a fazer parte da Olimpíada, depois de ficar 92 anos excluído por causa de desavenças entre a anfitriã França e os EUA na final, que geraram conflitos com os dirigentes da competição. Sua reestreia está marcada justamente para os Jogos do Rio de Janeiro, em 2016. O retorno serviu como estopim para uma comunidade de apaixonados pelo esporte que pratica o rugby de forma totalmente amadora, assim como trabalham os dirigentes, os responsáveis pelos clubes e pelas seleções. “Com a volta do rugby para a Olimpíada, foi necessário que a antiga Associação Brasileira de Rugby (ABR) se transformasse em confederação para representar a modalidade perante o Ministério do Esporte e o Comitê Olímpico Brasileiro (COB)”, diz Sami Arap, que assumiu a presidência da nova Confederação Brasileira de Rugby (CBRu) em 2010. “Saímos de um negativo de R$ 30 mil para R$ 990 mil positivos”, conta ele, que divide a função com a carreira de advogado. “Fizemos o rugby ser falado como nunca antes na história deste País.”

O milagre da multiplicação das verbas aconteceu assim que grandes empresas foram apresentadas ao esporte e decidiram embarcar na empreitada. A primeira foi a Topper. “Buscávamos um esporte com os valores da marca, de garra e perseverança, e encontramos o rugby”, conta Ricardo Matera, diretor de Marketing, que fez parte da campanha que estourou no ano passado.

Desenvolvidos pela agência Talent, com produção da Toca dos Filmes, os primeiros vídeos foram feitos para a internet. Um jogador que dá autógrafo para a própria namorada e outro que responde a perguntas em uma sala de imprensa vazia fizeram sucesso na rede. Foram criadas mais três histórias, também em tom de escracho. Nesta última, já veiculada em horário nobre da televisão, uma Maria Chuteira tropeça ao pronunciar o nome do esporte, trocando as letras: “Eu amo o rubgy!”. Sempre sob o slogan: “Rugby, isso ainda vai ser grande no Brasil”.

A COPA DA BOLA OVAL
A Nova Zelândia abriga a Copa do Mundo de rugby de 9 de setembro a 23 de outubro. O país foi palco do primeiro Mundial, em 1987, e sua seleção, conhecida como All Blacks em alusão ao uniforme todo preto, costuma contribuir para o espetáculo com o haka – dança tribal feita antes de cada partida para intimidar o adversário. De acordo com a tradição maori, o deus Sol tinha duas mulheres, uma delas, a virgem de Verão, mãe de Tane-rore, vento dos dias quentes, que deu origem à dança. O haka é usado tanto para dar boas-vindas quando para demonstrar o vigor e a identidade da raça. Ensinada às crianças nas escolas, é apresentada também em outros esportes.
O rugby entrou na chamada “era profissional”, com atletas vivendo do esporte, somente em 1995, na Copa do Mundo da África do Sul. Essa competição também ficou marcada pela vitória inédita dos sul-africanos – primeira equipe do país representada por um time misto de negros e brancos -, apoiados pelo presidente Nelson Mandela, que entendeu o esporte como fator decisivo para unir o país, dividido pelo apartheid (história relatada no livro Conquistando o Inimigo, de John Carlin, que inspirou o filme Invictus, de Clint Eastwood).
Disputada de quatro em quatro anos, a Copa do Mundo reúne as 20 melhores seleções do mundo, classificadas em esquema de eliminatórias. O Brasil ainda não participou de nenhuma Copa.

Para que histórias como a da Topper se consolidassem, a criação do Grupo de Apoio ao Rugby Brasileiro (GRAB), em 2009, foi fundamental. O GRAB reúne empresários de destaques, em sua maioria ex-jogadores decididos em estimular o crescimento do esporte. Hoje, além da Topper, o Bradesco, a Cultura Inglesa, o Deloitte e a Heineken apoiam o rugby. “O GRAB surgiu de um incômodo em relação ao rumo que o rugby brasileiro estava tomando. Ele veio para articular o esporte”, diz Eduardo Mufarej, presidente da entidade que arrecadou cerca de R$ 300 mil em ações em seu primeiro ano. O GRAB, de fato, não tem fins lucrativos e representa a união dos jogadores, uma das bases do sucesso do rugby no mundo.

A verba do grupo foi fundamental na preparação das seleções brasileiras, antes mesmo dos novos patrocínios. Com maior apoio desde 2010, o Brasil conquistou a primeira vitória na categoria Seven contra a Argentina, maior potência do continente, em uma partida masculina – é bom lembrar que nessa categoria a seleção feminina brasileira é heptacampeã sul-americana e invicta no continente. O feito aconteceu em janeiro deste ano em Bento Gonçalves (RS), em jogo do Sul-Americano de Rugby Seven, justamente a modalidade que estará de volta à Olimpíada (leia mais na página 109). No mesmo torneio, as meninas do Brasil ganharam o sétimo título seguido. “Muitos achavam que a vitória demoraria dez anos para acontecer, mas quem busca um objetivo não deve pensar quando será alcançado e sim trabalhar para chegar lá”, diz Maurício Coelho, treinador da seleção masculina de Seven e que comandou a equipe no Sul-Americano.

É na modalidade XV que o rugby esbarra em preconceito no País. Apesar dos movimentos brutos e das jogadas de impacto, que podem assustar a quem assiste pela primeira vez, violência não é a melhor descrição para um esporte que preza pela lealdade ao adversário e por regras rígidas. Violência prevê maldade, uma atitude desleal e perigosa do jogador. No rugby não há lances violentos (brutos, talvez) e, caso alguém os pratique, será punido imediatamente pelo árbitro e suspenso do esporte. O rugby é, de fato, um jogo de estratégia.

Houve uma época em que circulou no Brasil a expressão “give blood, play rugby” (doe sangue, jogue rugby). Em uma partida do esporte, existe a chance de ver alguém sangrar por corte ou impacto casual, sobretudo em jogos da primeira divisão – inclusive é permitida a troca temporária de jogador para que se estanque o sangramento. Mas não é algo que os atletas se vangloriem. “Já quebramos a primeira barreira do preconceito que vê o rugby como um esporte violento. Estamos na fase em que o público mostra interesse e curiosidade. O próximo passo é trazer mais informação”, afirma Matera.

ENTENDA O RUGBY
O objetivo
do jogo é marcar um try, ou seja, cruzar a linha de fundo do campo adversário e apoiar a bola no chão – seria o equivalente a fazer um gol no futebol. O tryvale cinco pontos e dá direito a um chute que valem outros dois.
Existem traves, chamadas “H”, em cada lado do campo. Elas servem para os chutes. Se chutar durante o jogo – acima do que seria o travessão no futebol e entre os paus que formam o H – o time ganha 3 pontos. Esse chute pode acontecer após a cobrança de uma penalidade ou por meio de um drop goal– um chute de bate-pronto, com a bola pingando uma vez no chão.

As penalidades ocorrem, basicamente, por uma falta grave, quando o jogador derruba o outro ilegalmente (contato acima dos ombros ou rasteira) ou por uma falta leve, considerada quando a equipe perde a posse de bola ao passá-la para frente – a bola no rugby só pode ser jogada para trás – ou ao deixá-la cair, também para frente (o que é chamado knock-on).Após faltas leves, o jogo recomeça com um scrum: os jogadores numerados de 1 a 8 fazem uma formação, unidos pelos braços e com joelhos flexionados, compondo uma unidade que tem como objetivo empurrar o adversário e chutar a bola para trás, garantindo sua posse.O jogador de defesa só pode tentar parar o adversário que esteja com a posse da bola.

A bola é oval e com pontas arredondadas para facilitar os passes longos. Sua forma, por outro lado, dificulta os chutes e recepções de lances altos, exigindo técnica apurada.

Foi pensando em longo prazo que a nova confederação começou estruturar as seleções e os patrocínios. No alto rendimento, que traz visibilidade e mais verbas ao esporte, a opção para evoluir foi se aproximar da Argentina, trazendo treinadores experientes e acreditando que os atletas pudessem semear os ensinamentos da seleção em seus clubes. Na Argentina, o rugby faz parte da cultura. A seleção brasileira de XV, inclusive, é treinada pelo argentino Rodrigo Camardón. “Até dois anos atrás, éramos a eterna promessa. Hoje, a Confederação Sul-Americana de Rugby (CONSUR) já vê o Brasil com grande entusiasmo, até porque, temos o maior potencial na região”, afirma Mufarej.

Não é à toa que o International Rugby Board (IRB), órgão máximo do esporte no mundo, triplicou a verba para o Brasil neste ano. De 50 mil libras (cerca de R$ 130 mil), em 2010, o valor subiu para 150 mil libras (aproximadamente R$ 400 mil) em 2011. “Isso também aumenta nossa responsabilidade. Estamos construindo uma relação consistente, mostrando credibilidade e transparência”, acredita o presidente do GRAB.

O Bradesco, uma das maiores instituições financeiras do mundo, já abraçou a causa: “Nós investimos no rugby porque representa o verdadeiro espírito de equipe e a força do trabalho cooperado”, diz Jorge Nasser, diretor de Marketing do banco. Com mais verba, a popularização do esporte no País começa a ficar mais perto da realidade. “Nosso objetivo é colocar o esporte na rede pública de ensino e em comunidades carentes, com educadores certificados pelo IRB”, diz Arap.

DUAS MODALIDADES
Duas modalidades dividem as atenções no mundo do rugby. O Seven foi adotado para retornar à Olimpíada em 2016 (após 92 anos que o rugby esteve fora da competição), pois é um jogo curto, ágil e que dispõe do maior número de países com equilíbrio técnico. Sete jogadores duelam em dois tempos de sete minutos, com um de intervalo. Já a modalidade XV, com 15 atletas de cada lado, prevê mais contato físico e estratégia. São dois tempos de 40 minutos, sendo 10 de intervalo. Jogo mais tradicional, é a modalidade adotada na Copa do Mundo.

O presidente da Confederação Brasileira aponta o ano de 2016 como meta para o Brasil ser a segunda potência do continente, ultrapassando Chile e Uruguai, ficando atrás apenas da Argentina. “Nessa condição, temos chances reais de chegar à Copa do Mundo em 2019”, afirma Sami Arap, apostando na primeira participação do País no evento.

Ainda caminhando rumo ao profissionalismo, o rugby já vê os benefícios dos novos tempos, mas ainda luta para colocar nos trilhos um projeto ambicioso e inovador. “Não adianta somente dirigentes e treinadores trabalharem de forma profissional, precisamos que os jogadores, outros membros da comissão, além das estruturas e condições de treino, em todos os aspectos, sejam profissionais”, diz o treinador da seleção masculina.

Embalado pelos novos recursos, a volta à Olimpíada e a organização de seus dirigentes, o rugby brasileiro se encontra em momento decisivo. Junto dos bons resultados e dos novos patrocinadores, o desafio será obter êxito na profissionalização sem perder seus valores. Eles já se tornaram instrumento de desenvolvimento e conciliação pelo mundo e são capazes de fazer o mesmo pelo Brasil.


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