Sempre que aparece algum bicho nos arredores da cidade de São Lourenço D’Oeste, no extremo oeste de Santa Catarina, toca o telefone no estúdio de Rudimar Narciso Cipriani. Pode ser um urutau ou uma simples joaninha. Não importa. Nessa cidade, todo mundo sabe que ele é o fotógrafo oficial da biodiversidade na região.
A fama vem de exposições de fotos de natureza, promovidas por Rudimar Narciso Cipriani em eventos públicos e, principalmente, nas escolas. “As crianças são o terreno mais fértil para semear. Então, deixo mostras em cada escola por pelo menos 15 dias e já fui convidado também para dar palestras, responder a perguntas, falar sobre biodiversidade. Procuro sempre colocar conteúdo nas legendas das fotos para que os alunos adquiram conhecimento. Da mesma forma que eu me sensibilizei quando tinha 10 anos, eles também podem se interessar pela preservação da natureza a partir de fotografias”, diz ele.
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Muitas crianças param Rudimar na rua para falar dos animais. Um bom número de pais e mães também. São centenas de olhos auxiliares, prontos a colaborar com indicações e facilitar o registro da fauna. Se for ave, melhor ainda. “Eu queria ser fotógrafo de natureza desde pequeno, quando trabalhava com meu pai na agricultura, plantando feijão e milho com meus irmãos”, recorda-se. O sonho nasceu nas caixinhas de fósforos Irati, que nos anos 1970 traziam estampadas figurinhas com aves brasileiras. “A gente esperava meu pai trazer os fósforos para casa só para ver se tinha figurinha nova. Essa coleção foi um marco na minha vida e daí vem a minha predileção por fotografar aves. Não consigo nem explicar, é paixão mesmo.”
O caminho para concretizar o sonho não foi curto nem fácil. O pai do fotógrafo só tinha três alqueires de terra e contava com o trabalho dos três filhos para a subsistência da família – Rudimar é o do meio. Aos 18 anos, ele deixou a roça pelo escritório, indo trabalhar em uma cooperativa agropecuária como gerente de atendimento da comunidade. Ficou no ramo dez anos, até um fotógrafo local anunciar um curso de fotografia.
De aluno, Rudimar logo passou a funcionário. Auxiliava em casamentos, batizados e aniversários. Quando surgia uma horinha vaga, corria para o mato. “Era frustrante por que eu já tinha a paixão por fotografar, mas não possuía a câmera certa. Meu equipamento era simples, sem as lentes apropriadas. Eu precisava chegar perto das aves. Mas eu sabia que era só o começo e eu iria avançar até ter condições de adquirir um equipamento adequado.”
A chance veio com as câmeras digitais. A essa altura, Rudimar já havia conquistado freguesia própria na cidade vizinha de Novo Horizonte e feito caixa para montar seu estúdio na avenida principal de São Lourenço D’Oeste. Os casamentos e os álbuns de família continuam a garantir o sustento, porém os voos do fotógrafo ganharam distância e alcance.
Ele já esteve, por exemplo, em Presidente Figueiredo, no Amazonas, só para observar e fotografar o galo-da-serra, uma das aves retratadas nas figurinhas das caixas de fósforos e sua predileta até hoje. Visitou também o Parque Nacional da Amazônia, no Pará, e o Cristalino, no norte de Mato Grosso, onde a floresta amazônica encontra o cerrado e a biodiversidade é altíssima, movimentando um turismo especializado de observadores de aves.
As fotos de Rudimar ganharam novos espaços. “Em 2005, tive o primeiro contato com a revista Terra da Gente. Ao ver as fotos publicadas, comecei a alimentar um novo sonho, o de ver minhas fotos estampadas naquela revista”, conta. No mesmo ano, ele reuniu fotos suficientes para preparar um CD e enviar ao diretor editorial da publicação, Ciro Porto. “Para a minha surpresa, ele gostou de praticamente todas as fotos e publicou duas. Para mim, foi uma realização.”
O fotógrafo e eu
Na época, eu era a editora-executiva da revista Terra da Gente e me lembro bem quando Ciro me mostrou as fotos daquele CD. Chamou nossa atenção o fato de as aves estarem retratadas com cores muito vivas e bem fiéis às suas plumagens, apesar de fotografadas contra a luz do céu – sempre um problema para observadores, cinegrafistas e fotógrafos. E tudo fora feito com a mesma câmera que vários de nossos melhores profissionais usavam. Portanto, não era mérito do equipamento.
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Depois entendemos: Rudimar usava nas fotos de natureza todo seu conhecimento sobre flashes, refinado durante muitos anos de prática em casamentos e batizados. Essa habilidade faz toda a diferença, sobretudo no caso de aves com penas iridescentes, como os beija-flores. Existem detalhes e tons que jamais seriam revelados, sem a luz bem modulada do flash.
Nossa opinião bateu com a dos jurados do 1o Concurso Avistar de fotos de aves, organizado no ano seguinte (2006), durante o primeiro grande encontro de observadores de aves do Brasil. Uma foto de Rudimar foi premiada naquele ano e diversas outras conquistaram o merecido reconhecimento nos anos seguintes.
A paixão do fotógrafo foi para capas de revista, agendas e cartazes relacionados à conservação ambiental, além de se multiplicar nas exposições produzidas pelo próprio fotógrafo, uma maneira – como ele gosta de repetir – “de fazer alguma coisa pelo meio ambiente, pela preservação, utilizando a fotografia para sensibilizar as crianças”.
Surgiram também convites para sair em viagens de reportagem. Mas Rudimar só os aceita quando consegue encaixar as datas entre seus compromissos de registros sociais. “As aves são mais difíceis de fotografar do que as pessoas. Só que os eventos sociais são mais estressantes. As pessoas têm seus conflitos, reclamam, têm suas vaidades, suas preferências. Os bichos não reclamam. No entanto, são fugazes. É preciso esperar, aguentar os mosquitos… Já peguei bastante carrapato”, brinca.
Valeu a pena. A legião de admiradores do talento de Rudimar Narciso Cipriani garante que sim. Em especial, os admiradores mirins. A eles, Rudimar conta que, figurinhas à parte, quando era pequeno, na roça, só tinha um meio de saber como eram as aves: armando arapucas e aprisionando os bichinhos em gaiolas. “Hoje, respeito a fauna quando fotografo. Não toco nos ninhos, não manipulo, não chego perto demais. Procuro não interferir no comportamento natural de cada espécie.”
Por meio de suas fotos – expostas, reproduzidas, publicadas -, ele abre janelas para as crianças conhecerem a natureza, sem precisar aprisionar nenhum bicho ou destruir seu hábitat. Os pequenos – como nós – gostam do que veem e se bandeiam para o lado dos conservacionistas.
Assim, todos os dias, Rudimar reescreve a própria história, acrescentando variantes de finais felizes e apontando caminhos para novos personagens. Mesmo que a modéstia o impeça de reconhecer sua grandeza de professor.
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