É na estrada do Cururuquara, que serpenteia ao pé do Vuturuna, em Santana do Parnaíba, que vive o velho Arduino. Muitos o tomam por sitiante, mas ele é um guru. Certo tipo de guru. Não é um clássico. Passa ao largo das Upanishads. Não leva ao transcendente nem conduz à vida virtuosa. Ele é um guru de atalhos e picadas. Daí seu sucesso com jovens e, curiosamente, intelectuais franceses que o consideram o maître de la décompression.
Ele vive à beira da mata. Em casa pequena, cercada por mangueiras, junto a um pasto de poucas vacas. O velho Arduino é uma figura parda e, dizem, descende do padre Guilherme Pompeu de Almeida, que no século 18 foi o dono daquelas terras. É um velho índio, tipo solene que impõe respeito. Vive só com a mulher. Os cinco filhos adultos só aparecem no fim do mês.
O dia lá começa cedo. Arduino acorda no escuro, tira leite, dá milho para as galinhas e acende o fogo. Dizem que há magia esse fogo. Depois do café, mexe um pouco na horta, trata o cachorro e só lá pelas sete aparece na porta da frente da casa. Olha a fila calada na porteira e manda entrar o primeiro, que sempre chega assustado. O filho do Nogueira foi um deles.
“Que jovem não se encanta por um velho índio que o ouve e orienta?”, perguntou Nogueira à mulher, quando soube que o filho – um perdidaço – tinha ido ao guru. A mulher, protetora, disse que o menino, antes travado, preocupado e acautelado, mudara muito nas últimas semanas. Estava mais solto, mais leve, alegre e feliz. Não havia dúvida.
Nogueira, entristecido, considerou: “Tantos anos de escola, psicopedagoga, orientação e o moleque vai consultar um índio na estrada do Cururuquara?”. A mulher delicadamente disse: “Pois é. Quem sabe esse índio não ajuda você também? Vocês são tão parecidos!”.
Foi a primeira vez, em 20 anos de casamento, que sua pessoa, decantada pela seriedade, honradez e competência, foi lida como travada, preocupada e acautelada. Mas, Nogueira, maduro, calou-se. Depois pensou, leu e, por fim, foi para a estrada do Cururuquara.
Falou, ouviu e pagou. Essencialmente, foi isso o que ocorreu naqueles 50 minutos. Foi duro ouvir o que ouviu.
Na mesma manhã, lá pelas oito e meia, Nogueira traçou um sanduíche de bacon com gorgonzola na Castelo Branco. Mandou tudo para baixo com um martelo de Ypióca e foi trabalhar. À tarde, avisou que iria se atrasar e saiu para umas paradas mal resolvidas que havia deixado para trás. Voltou tarde para casa.
Sem saber bem por que, mergulhou na do índio. “Que coisa impressionante”, pensou.
Com o tempo, ele foi ficando mais leve. A mulher, em consequência, mais feliz e mais solta também. Até Nogueira ficou mais atraente, mais sorridente. Ela começou a se cuidar e Nogueira, claro, chegou mais. Naturalmente, aliviaram a pressão no moleque que, então, foi alçando voo. Enfim, tudo melhorou.
O velho índio é uma figura excepcional. Ademais, ganha muito dinheiro com as sessões. Mas não sobra um tostão. Vai tudo para os filhos. Uma cambada de vagabundos. Fazer o quê? O velho índio sabe é dar palpite na vida de filho dos outros. Com os dele, é inócuo. Nisso, e somente nisso, ele é um homem comum.
*PhD pela Universidade de Cambridge, foi professor titular da USP. É autor dos livros Choro de Homem (Ateliê Editorial) e O Pai de Max Bauer (Ateliê Editorial/Editora Brasileiros).
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