A jovem gaúcha que toca violoncelo

Depois de excursionar com Jane Birkin e Jeanne Moreau como celista, a brasileira Dominique Pereira Pinto, a Dom, encontrou tempo para se dedicar às próprias composições e, até o meio deste ano, deve lançar seu álbum de estreia. São canções doces, cercada por poucos músicos. As músicas, a voz e a própria figura são suaves. Afinal, Dom tem 22 anos.

Filha de professor de filosofia e psicanalista, Dom começou a estudar música, piano, aos 5 anos, em Porto Alegre, onde sua família ainda mora. Aos 8, mudou-se para Paris, onde o pai foi fazer doutorado. Continuou estudando, mas logo foi atraída pelos sons graves do violoncelo, e o piano ficou para trás. Sua vida se modificou completamente. Hoje, ela ri, mas suas memórias daquele período são de aridez, concentração, foco. Nada existia além da música erudita. E foi assim que ela voltou, cinco anos mais tarde, para Porto. A seriedade era tanta que o ensino local não a satisfazia.

[nggallery id=15929]

Pesquisando na internet sobre um de seus ídolos do cello, Christine Walevska, nomeada cello goddess, Dom ficou sabendo que a artista tinha ligações com a capital argentina. Americana de nascimento, ela se tornou mundialmente conhecida aos 18 anos e, durante uma de suas turnês, apaixonou-se pela Argentina, onde se casou e passou a morar. Dom fez de tudo para entrar em contato com ela, até que se deu conta de que a musa havia se radicado em Nova York – arrumou um catálogo telefônico da cidade e telefonou para ela.

Segundo a menina, Christine ficou surpresa e pouco preocupada com tanto entusiasmo, mas foi paciente e as duas combinaram de se encontrar na Argentina. E lá se foi Dom de mala e cello para Buenos Aires, onde viveu até os 18 anos e fez aulas com a própria Christine três, quatro vezes por ano – em suas visitas à cidade.

Curiosamente, a ida para o país vizinho abriu-lhe uma porta inesperada. A música popular. Enquanto estudava e participava da Orquestra Sinfônica Jovem do Teatro Colón, Dom teve contato com o tango. De uma hora para outra, mordeu o fruto proibido do improviso, algo impensável para qualquer músico de câmara. E, entre seminários e ensaios, começou a colecionar temas que compunha, letras, passou a ouvir discos, música popular. Sem descuidar da técnica. Tanto é que, em 2007, foi aceita em um conservatório parisiense por uma gravação que enviou. Mora lá até hoje.

E foi em Paris que Dom conheceu Jerome, aliás Jeremiah, o criador do La Blogothèque, um site que apresenta músicos sendo gravados em locações escolhidas pelos próprios – no Brasil, o modelo foi seguido pelo pessoal do Música de Bolso. Os dois começaram a namorar e Dom passou a andar com os amigos de Jeremiah. Entre eles, uma produtora que estava procurando músicos para o novo disco de Jane Birkin. Há menos de um ano na cidade, Dom não tinha nada a perder. Compareceu no teste e foi convidada para uma gravação. Jane adorou o resultado e Dom participou de uma série de gravações, sendo seis delas no repertório final de 12 músicas de Enfants D’hiver (2008).

Depois de participar das apresentações promocionais de rádio e televisão, a menina foi convidada para integrar a banda que faria a turnê mundial do disco. Foi um deslumbre. Mais de cem concertos pela Europa, Estados Unidos, Canadá, Japão, Turquia, Rússia. Para completar, Jane Birkin alternava as canções de seu último álbum com os sucessos que dividiu com Serge Gainsbourg.

Dom continuou sendo chamada para gravar com artistas franceses, mas a experiência com Birkin valeu-lhe um convite para participar de uma homenagem à Jean Genet, liderada pelo cantor Étienne Daho e a atriz Jeanne Moreau, que rendeu um disco e uma miniexcursão de gala que chegou à Itália e ao Canadá.

O disco de Dom começou a surgir nos intervalos das exaustivas turnês. Ela precisava fazer algo para relaxar. Desde o início, trabalhou com o guitarrista inglês, radicado no sul da França, Piers Faccini e, aos poucos, começou a desenvolver um truque aprendido com a cantora francesa Camille, sua amiga. É a técnica do looping, em que o artista grava um determinado trecho musical que se repete, permitindo gravações sobrepostas. Camille forma, ao vivo, um coral com sua própria voz. Dom aplicou a técnica ao violoncelo. E, de passagem por São Paulo, enquanto Jeremiah gravava seu Blogothèque com artistas como Rodrigo Campos, Criolo e Luísa Maita, aproveitou para incluir artistas locais como Thiago Pethit, Kiko Dinucci e Guilherme Kastrup em seu próprio disco.

No Meu País é o nome do disco que está em fase de masterização e deve sair primeiro nos Estados Unidos e no Brasil. Na França, é difícil, pois os franceses são meio xenófobos em termos musicais. Mas viver por lá tem suas vantagens. Uma delas, que devia ser copiada aqui, é que o músico só recebe parte de seu cachê – e essa metade já é superior à média daqui –, o restante, o contratante é obrigado a depositar para o seguro desemprego mantido pelo governo. Assim, se um artista trabalha um mês, tem garantido outro mês de salário. Dez meses de cachê? Dez meses de seguro. E assim por diante. Dominique pensa em se mudar mais uma vez. Adivinhou quem pensou em… São Paulo!

Para ouvir
Canção boba
Em Montmartre
Le motel Paris


Comentários

Uma resposta para “A jovem gaúcha que toca violoncelo”

  1. Cabe aqui um elogio ao jornalista Luiz Chagas pelo texto que se pode bem chamar de musical. Se Dom tem o dom da música, Luiz, o do texto bem escrito, bem harmônico como se visualize a pauta das ações da musicista… um texto bem escrito é como uma música bem tocada, com a suavidade das ações sendo docemente sobreposta aos fatos, pouco a pouco desenhando a vida de quem também ‘pinta’ sobre as cordas do violoncelo seus passos de descoberta sobre o imenso universo da música. Bravíssimo tanto a quem toca um instrumento difícil como ‘cello’, quanto a quem sabe vislumbrar nas letrinhas um poema de amor ao texto! Bravíssimo à menina e ao menino!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.