Outro dia, estava lendo o livro de Maria do Rosário, amiga que morreu faz pouco tempo. Victor, ex-marido, resolveu transformar pensamentos, ideias e parte da biografia dela – filmes como atriz e diretora, além de romances e algumas coisas mais – em livro, fazendo-me lembrar dela desde a época que éramos garotas e morávamos em Botafogo. Rosário se foi depois de passar por uma doença longa, enquanto eu continuo no mesmo bairro, olhando a casa dela por fora e viajando na vida da gente, cheia de altos e baixos, risos e lágrimas, perdas e ganhos.

Enquanto isso, meu neto dizia algumas palavras ao telefone: “Valeu! Tranquilo… Irado! Maneiro”. Depois, desligou o aparelho ou seria o iPod, iPad, iPud? E pode? Eu me senti totalmente fora do mundo. Sou de um tempo que se lia O Tesouro da Juventude, coleção que tinha sido da minha mãe quando criança, mas resistiu ao tempo e tinha coisas nele que eu adorava…

Então, fiquei tentando adivinhar como Olavo Bilac, por exemplo, traduziria essas palavras. Acho que o comentário do poeta, de imediato, seria: “Por certo, perdeste o senso”. Mas uma tradução perfeita dessas palavras me parece que nem o poeta teria na ponta da língua. Da mesma forma, seria difícil para um gringo ou mesmo uma criança de hoje traduzir as gírias que minha avó falava com as amigas no telefone de discar: “Ora, pílulas! Que coisa cacete! Coisa pau. Fulana é uma chata da Silva Xavier!”.

Cada época define de jeito diferente os sentimentos, a maneira de ser. Quando passei cinco anos na Europa, na época do exílio do pai da minha filha, não entendi direito meus amigos falando “Legal, legal”, substituindo a “fossa”, que inspirou os anos 1960 com Maysa, Dolores Duran e outros cantando canções obrigatoriamente tristes, num período em que era obrigatório estar na fossa, mesmo que fôssemos adolescentes e contentes.

Lembro-me do diretor italiano Carmelo Bene responder a uma piadinha que sempre fazíamos com seu nome: “Come stai, Carmelo? Bene?”. Ao que ele sempre respondia: “Male, male”.

Estar bem era fora de moda, o bom era ouvir Antonio Maria cantando: “Ninguém me ama, ninguém me quer…”. Mas tinha o lado Roberto Carlos, que era o contrário de qualquer fossa. E depois que compôs Quero que Vá Tudo pro Inferno, sucesso absoluto, ele proibiu a música de ser tocada por causa da palavra “inferno”, que, segundo ele, não se podia dizer. Também não se podia usar nem falar “marrom” que ele trocava por “azul”, até mudou o nome do músico Marrone, que tocou com ele, para “Azulone”. Tudo em nome da sorte.

Então, veio a Bossa Nova e trouxe alegria para o mundo, além de um som extremamente original. Engraçado como o tempo se reflete nas artes. Há fases em que se apela para a tristeza, outras para a alegria, outras para uma época digital ou sem assunto, como quando a Luiza foi para o Canadá.

Acabo de ler o livro de Rosário, vou dar uma volta e passo por um café, lá um garoto americano de uns 20 anos dizia, em inglês, que só saía de casa quando chovia para ninguém ver as suas lágrimas. Será que voltamos à fossa? Fala sério, gringo, assim você me mata!

*É atriz, atuou em mais de 50 filmes, 15 telenovelas e minisséries, além de peças de teatro. Também é cronista do Jornal do Brasil e autora do livro O Quebra-Cabeças (Imprensa Oficial, 2005), uma compilação de crônicas publicadas pelo jornal.

 


Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.