Shoot your self ou vale a pena ler de novo

Raramente temos a oportunidade de ver uma obra como Shoot Your Self, que tem o desafio de concentrar o olhar sobre trabalhos que aparentemente não têm regras. O documentário de Paula Alzugaray e Ricardo van Steen reflete sobre as performances e a ação fotográfica nos trabalhos de artistas europeus, norte-americanos e brasileiros. Um elenco expressivo de performers foi entrevistado por Paula, com força, delicadeza e discrição. Quem acompanha os trabalhos de nomes emblemáticos como Tania Bruguera, Pipilotti Rist, Rebecca Horn, Ghazel e Gary Hill, pode confrontar em conjunto o que conhecemos isoladamente. A coletiva ainda discute o artista e a câmera, e retoma a questão do autor filmar a si mesmo.

As imagens se abrem com uma das artistas mais polêmicas entre os performers internacionais, a cubana Tania Bruguera, que sempre surpreende. Muito bom rever sua performance na 53a Bienal de Veneza e no Jeu de Paume, em Paris, na qual ela lida com a câmera como uma arma com poder de matar social, política e emocionalmente. Para espanto da plateia, ele promoveu uma roleta-russa com arma de verdade

O trabalho de Paula Alzugaray e Ricardo van Steen é uma obra de arte em si mesma e transforma os documentaristas em performers. Outro bom momento do documentário fica por conta da iraniana Ghazel, que vive em Paris: “No Irã, as pessoas estão acostumadas a ver cenas de guerra pela televisão e no horário nobre. Quando entrei para a Escola de Arte, só trabalhava sobre elas”. A luz e a fotografia tratadas pelos documentaristas nas imagens de Ghazer, quase chegam à uma superfície pictórica. Em um momento de precipitação das poéticas, o documentário que trabalha o duplo sentido em inglês do verbo shoot – filmar ou matar – não foi uma tentativa efêmera de juntar performances. A parte dedicada à alemã Rebeca Horn dá provas disso. Tudo foi tratado com simplicidade ao captar a complexidade do trabalho da artista, cujo interesse principal reside no fato de a câmara e o objeto se fundirem e se confundirem. Van Steen parece decodificar o pensamento e a luz, que atravessa o corpo de Horn.

Cada um dos entrevistados deixa sua impressão sobre a objetiva e seus efeitos. Pipillotti Rist, suíça que mora nas montanhas, define a câmera como um pote cheio de ouro. Shoot Your Self transforma suas imagens eróticas em um balé, quase aéreo, em que a câmera e os diferentes eixos giram em torno do objeto. O documentário revela um Gary Hill que segue os movimentos de “dança” do skate esporte que ele pratica desde sempre, compondo uma peça dentro do conjunto da obra.

Do Brasil, vale a pena comentar o trabalho de Paula Garcia, que desde menina acreditava que um dia o mundo iria acabar. Seu depoimento, entrecortado com a realização da obra In Progress, um corpo construído com ferro e ímãs, constitui-se um dos achados do documentário. Shooot Your Self chega em boa hora ao mercado brasileiro de arte, tão carente de trabalhos diferenciados e coerentes como esse.


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