A volta da arte no futebol

foto Hélio Campos Mello

Neymar é um azougue, com ou sem a bola nos pés. Indomável dentro das quatro linhas do gramado, o camisa 11 do Santos tem se mostrado tão eficaz no mundo do marketing quanto seus dribles desconcertantes nos adversários. Seu magnetismo, que já atrai 11 grandes patrocinadores e outros oito menores, é resultado de uma receita ignorada pela maioria das celebridades: espontaneidade, alegria e simplicidade. Herança que traz de uma família humilde, educada e bem estruturada, que há apenas cinco anos, depois de Neymar assinar seu primeiro contrato com o Santos, deixou de contar os trocados para as despesas da casa.

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Responsável direto pelas recentes conquistas do alvinegro nos últimos três anos − campeão da Libertadores, Copa do Brasil e tri do Paulistão −, Neymar, fora de campo, transforma seu perfil vencedor em visibilidade certa para marcas como Nike, Panasonic, Antarctica, Santander, Unilever, Volkswagen, Claro e Lupo. Esforço que garante ao ídolo santista, entre luvas, salário e verba de publicidade, quase R$ 3 milhões mensais – renda que ainda o coloca atrás de outros craques internacionais, como Messi, Cristiano Ronaldo, Rooney, Kaká, David Beckham e Samuel Eto’o. “Não é tudo isso. Prefiro não falar em dinheiro diante da realidade de tantos brasileiros”, desconversa Neymar da Silva Santos, pai, mentor e administrador da carreira de Juninho, forma como o artilheiro é tratado em casa e pelos amigos.

Confira a entrevista com Juary, o outro menino da Vila

Neymar, o Príncipe da Vila (título do funk de MC Cosme), não tem tempo para quase nada. A fama e o sucesso transformam suas poucas horas de folga em uma exaustiva maratona de compromissos, em que cada minuto é controlado com mão de ferro por seu assessor, Eduardo Musa, fiel escudeiro contratado pelo Santos para gerenciar a vida profissional do artilheiro. Por dia, os pedidos da imprensa ultrapassam, sem grande esforço, 70 solicitações. Sem perder o bom humor ou qualquer crise de estrelismo, Neymar encara tudo numa boa. “Já me acostumei com essa vida maluca. Tento aproveitar ao máximo cada momento livre, procuro transformar um minuto em três”, ensina o atacante, depois treinar por duas horas e enfrentar oito entrevistas seguidas no Centro de Treinamento Rei Pelé, em Santos.

Com apenas 20 anos, a estrela santista tem raros instantes livres. É quando consegue escapar para brincar com o filho Davi Lucca, de 10 meses, tomar açaí ou comer temaki com os amigos ou ainda jogar pelada na sua casa veraneio no Jardim Acapulco, Guarujá (litoral de São Paulo). Sempre sem extrapolar os limites, nada que comprometa os contratos milionários assinados pelo garoto. “Fico mais tranquilo quando ele está na concentração do que em casa, jogando bola com os amigos”, diz “seu” Neymar, que foi jogador profissional e conhece a paixão do filho pela gorduchinha. Mesmo sem a presença de uma segurança ostensiva, companhia típica de alguns jogares famosos que estão em débito com a torcida, Neymar, em determinados momentos, parece estar engessado ao ser monitorado por tantas regras. Mas ele não reclama nem tem piti. Sua polêmica mais famosa aconteceu em setembro de 2010, durante o Campeonato Brasileiro. Ele xingou o técnico Dorival Júnior depois que o treinador o proibiu de bater um pênalti contra o Atlético-GO. Foi suspenso por um jogo, o técnico resolveu deixá-lo de fora por mais uma partida, justamente um clássico contra o Corinthians. A cabeça do treinador rolou algumas horas depois. Hoje, o garoto faz questão de cumprimentar o técnico sempre que se cruzam pelos gramados. “Ele errou e vai errar outras vezes”, diz seu Neymar. “A única vantagem é que ele aprende com o erro e não volta a tropeçar no mesmo lugar.”

Assim como acontece com a modelo Gisele Bündchen, Neymar causa comoção por onde passa. Ao saber que o craque estaria em Brasília para participar da sessão da Câmara dos Deputados que homenagearia o centenário do Santos, em plena terça-feira pela manhã, a maioria dos 513 parlamentares marcou presença atrás de um autógrafo ou foto ao lado do ídolo. Da tietagem não escapou nem Marco Maia, presidente da casa, que tentou até bater bola de cabeça com o artilheiro. “Ele é um garoto e não podemos privá-lo da liberdade. Quando ele quer sair, ir a um show, ligamos antes e acertamos um esquema com o lugar para tentar evitar o alvoroço”, conta seu Neymar. Essa empatia popular do atacante estimulou Mauricio de Sousa, criador da Turma da Mônica, a incluir Neymarzinho em sua seleta galeria de personagens, que já homenageou Pelé, Maradona, Ronaldo e Ronaldinho. Ao ser perguntado por Daniel Japiassu, do jornal O Estado de S. Paulo, por que não fazia o mesmo com Messi, o desenhista estabeleceu a real diferença entre os dois craques: “O problema é que o Messi não tem carisma. É apagadão”.

Craque paquerador
Desde pequeno, Neymar sabia que a bola era sinônimo de prazer. “Ele podia ganhar qualquer presente, mas só ficava feliz se viesse acompanhado de uma bola”, conta o pai. Aos 4 anos, quando ainda morava em Mogi das Cruzes (SP) divertia a família driblando os pés das cadeiras da mesa da sala. Sua trajetória só começou a mudar aos 11 anos, quando Zito (José Ely de Miranda), ex-coordenador das categorias de base do Santos e parceiro inseparável de Pelé entre 1952 e 1967, foi vê-lo em treino na Portuguesa Santista, por sugestão de Betinho (Roberto Antônio dos Santos). O autor do convite sabia o que estava fazendo, afinal foi seu olho clínico que detectou o talento de Robinho, outra joia burilada pelo Santos.

Há dois anos, Zito declarou: “Neymar vai chegar próximo ou vai passar o Pelé em qualidade. O Pelé era um gênio e o garoto também é”.  Não errou. Maneco (Manoel Gomes Lima), administrador da Vila Belmiro, segue na mesma linha: “Não me lembro do dia em que o Neymar chegou aqui, mas não me esqueço de quando o vi pegar pela primeira vez na bola. Parecia que estava revendo o garoto Pelé. Só que o Rei era um pouco mais forte, encorpado”, conta o funcionário com mais de 50 anos de serviços prestados ao Peixe. Não por coincidência, fora o Zito, que brilhou nos gramados, Betinho e Maneco, juntamente com o roupeiro Zuca (José Joaquim Neto), são os anônimos do alvinegro que Neymar tem na ponta da língua quando se lembra dos seus primeiros dias na Vila. “Foram eles que me mostraram que o Santos era muito mais do que um time, era uma família”, recorda-se Juninho.

Não fosse a capacidade empreendedora de Luis Alvaro de Oliveira, presidente do Santos, Neymar já teria abandonado a família santista para ir jogar no Barcelona, no Chelsea ou no Real Madrid. Usando engenharia financeira que repatriou Robinho por uma temporada, em 2010, o dirigente propôs um plano de carreira ao craque, assim como se faz nas grandes empresas. E percebendo o perfil equilibrado do pai, além da sua vontade em permanecer no Brasil, Luis Alvaro garantiu: “Se concordar com a nossa proposta, vou brigar pelo seu filho assim como faria por minhas seis filhas”. Hoje, pelo acordo firmado até 2014, os patrocinadores do atleta bancam sua permanência no Brasil, pagando de 70% a 90% do contrato para a NJR Sports, empresa do craque, e o restante para o Santos. Além da bolada em torno de R$ 3 milhões mensais, o clube paga aulas de inglês, sessões com fonoaudióloga e media training que, em parte, explica as respostas geralmente monossilábicas do craque. “Quem sabe ele não fica até 2016. A Europa não vive um bom momento e a opção de permanecer na Vila não deve ser descartada pela família do atleta”, pondera o dirigente.

Mas não é de hoje que o Santos cuida da educação de Neymar. Aos 14 anos, quando o menino já se mostrava uma pedra preciosa, o clube sugeriu aos pais que ele fosse matriculado na Lupe Picasso, escola construtivista fundada há 35 anos no Canal 2, próximo à Vila Belmiro. O clube bancou sua formação escolar até agosto de 2009, quando se formou no curso técnico profissionalizante, equivalente ao Ensino Médio.

“Mesmo ainda não sendo famoso, Neymar sempre foi uma figura iluminada aqui dentro, muito irreverente e brincalhão”, conta Luciene Picasso, diretora da escola. “Ele não era o melhor aluno, mas correspondia na medida do possível”. Ao puxar o seu histórico escolar, Luciene encontrou boas notas em artes, geografia, português, inglês e educação física, claro. Muito namorador, conquistava as meninas criando coreografias, talento que ainda explora na comemoração de seus gols, para os jogos Interclasses, disputados durante o recreio. “Ele era tão popular na escola que pediu para fazer sua festa de 15 anos aqui”, lembra-se a educadora. Ao que tudo indica, a ligação de Neymar com a Lupe Picasso não deve terminar tão cedo. Carolina Dantas, mãe de Davi Lucca, já passou por lá para conhecer o colégio.

Jogar com fé
Outro lugar que Carolina também foi conhecer, junto com o filho e Neymar, foi a sede da Igreja Batista Peniel, em São Vicente, também no litoral de São Paulo. O craque frequenta o templo desde os 8 anos, levado pelo técnico Betinho que, na época, treinava o time de garotos do Clube Tumiaru e organizava campeonatos no campinho reservado aos fiéis. “Com o tempo, seu Neymar começou a acompanhar as partidas do filho e se aproximou da igreja, depois vieram a mãe, Nadine, e a irmã, Rafaela”, conta o pastor Newton Lobato. “Hoje, só elas conseguem frequentar regularmente os cultos”, lembra-se o religioso, que tem na parede do escritório uma reportagem emoldurada com a primeira convocação de Neymar para a Seleção Sub-15.

Se às quintas-feiras Neymar está em Santos, o atacante dribla os fãs, chegando 15 minutos depois do início celebração, já com o salão apagado, e sai um pouco antes do fim. “Mesmo assim, é na igreja que eu me sinto mais sossegado, todo mundo me conhece desde pequeno. Eles fazem parte da minha família”, diz o jogador.

Depois de ver na imprensa que Neymar oferecia dízimos de R$ 30 mil, R$ 40 mil, o pastor prefere não comentar o assunto, mas revela que foi seu Neymar quem o acudiu quando as reservas para a reforma da igreja, ainda em andamento, acabaram. A obra não é pequena e ampliou a capacidade do templo de 700 para 2.300 fiéis. Embora longe dos cultos, Lobato recomenda que o fiel jogador leia, pelo menos, uma passagem da Bíblia antes de entrar em campo. Foi na igreja que Neymar “lambeu as feridas” por não ter sido convocado para a Copa de 2010. Pediu para mãe organizar uma festa na creche da comunidade, depois distribuiu presentes, brincou e jogou bola com as crianças.

Agora, considerado uma das poucas presenças garantidas no mundial de 2014, o menino de ouro da Vila chegou a ser questionado se a sua excessiva exposição na mídia não poderia desvalorizar o seu perfil até a Copa. Olga Curado, consultora que repaginou a imagem de Dilma Rousseff, diz que isso só ocorrerá se ele tiver problema em alguma das esferas  da sua imagem – valor, gestão ou relacionamento. “Todo mundo gosta de alegria, de gols. É só ele se manter assim em campo, que fora dele continuará a ser desejado”, afirma a especialista. Opinião que é compartilhada por Luiz Fernando Musa, CEO da agência da Ogilvy & Mather, responsável pelos contratos de Neymar com a Unilever e com a Claro. “Ninguém fica saturado de um craque que, duas vezes por semana, entra em campo e produz obras de arte”, afirma o publicitário. “Além disso, Neymar é o primeiro ídolo brasileiro que surge depois que o País virou referência global. Ele é uma estrela que desponta longe do estigma do povo coitadinho. É um exemplo da ascensão da classe C”, completa.

Essa alegria ingênua que contagia a todos mais uma vez incendiou o Morumbi durante a comemoração do tricampeonato do Santos, no Paulistão 2012. Amigo de todas as horas, o menino da Vila puxou da torcida para o gramado três ou quatro companheiros inseparáveis, pois o craque faz questão de estar sempre cercado das velhas amizades, a maioria conquistada ainda quando ele era apenas uma promessa da bola. Felipe Ferrari, Luiz Gustavo, Gil Cebola, Guilherme Pitta, Jota Lamberti, Mario Luiz, Cosme Salles e Rhau Santiago são alguns dos desconhecidos do grande público que frequentam a casa, o iate e o camarote de Neymar, na Vila Belmiro. Longe do assédio da mídia, essa galera se comunica e marca programas por meio de blogs, sempre com a participação ativa de dona Nadine e de Rafaela. “O Juninho é muito generoso, gosta de pagar jantares, dar presentes e já disse que pensa em montar um salão de cabeleireiro comigo”, conta Cosme, 27 anos, que começou a aparar as madeixas do jogador aos 10 anos de idade, e depois, aos 14 anos, fez seu primeiro corte moicano. Embora tenha trocado há um ano o ramo da beleza por um emprego no setor de logística, Cosme continua assinando o visual extravagante do craque. Ele revela que o topete de Neymar se mantém altivo graças a sessões regulares de alisamento, muito gel e cera.

Atualmente, antes de sair da concentração para o jogo, o ídolo reserva de 15 a 20 minutos para secar e moldar os cabelos. Se o penteado não estiver de acordo, o boné torna-se a salvação. Ao posar para a capa da Brasileiros, Neymar, simplesmente, fingiu que não entendeu o pedido do fotógrafo Hélio Campos Mello para tirar o acessório. No campo da vaidade, ele tem outros caprichos: depila as pernas com máquina, faz os pés regularmente e ainda há quem diga que acerta a sobrancelha com pinça.

No quesito motor, contenta-se com um Mini Cooper (EDP-0011), preto e branco, decorado com duas faixas amarelas − combinação que lembra o escudo do Santos, acompanhado das estrelas alusivas ao bicampeonato mundial interclubes − e um Porsche Panamera, modelo típico de um tiozão, não de jovem de 20 anos, que poderia abusar da esportividade de um Porsche 911 ou um Cayman. Como não tem mais suas finanças controladas por mesadas, Neymar cultiva mais um prazer: as joias. Uma de suas últimas aquisições foi uma corrente em ouro branco, com um medalhão que traz duas cruzes entrelaçadas e os nomes Neymar, Nadine e Rafaela, trio que tem voz ativa nas decisões de Juninho e, certamente, o ajudará a escolher o seu destino profissional a partir de 2014. “Desde criança, sonho em ir jogar na Europa e ganhar a Copa do Mundo. Se Deus quiser, o mundial será nosso. Sobre o meu futuro, prefiro não pensar agora”, finalizou o garoto Neymar.

Zigue-zague das letras
Neymar não é Deus, mas também escreve certo por linhas tortas. Aliás, os traços amplos são marcantes na grafia do ídolo santista. Sua cabeça é um dos elementos do corpo mais valorizado pelo astro alvinegro. É o que diz a grafologista Doris Vivian Meyer, que analisou algumas linhas do autógrafo do jogador dedicado ao fã Pedro Aliboni de Toledo. “A escrita de Neymar mostra que o temperamento do jogador é extrovertido. A letra ‘p’, bem aberta, aponta que ele dá bastante valor ao penteado e à aparência em geral. Em seus relacionamentos pessoais, procura sempre ‘driblar’ eventuais mal-entendidos. Sua assinatura traduz a ginástica futebolística que faz, visando o gol como sucesso.”

A TOCA DO CRAQUE
Quem descobre que o escritório de seu Neymar fica na Avenida Ana Costa, em Santos, logo imagina um tremendo business center, com uma bela vista da orla. Nada disso, o QG da família fica em um edifício comercial modesto, perto do centro, quase encostado no morro. Na portaria, não tem catraca nem pedem documento para os visitantes. O porteiro apenas liga para anunciar as pessoas.

O conjunto da NJR Sports não tem mais do que 70 m², que acomoda uma sala de reuniões, onde seu Neymar recebe os executivos que vão negociar os contratos milionários do filho, cinco mesas de trabalho, um conjunto de sofá e duas poltronas, um bar no fundo e dois banheiros. Ainda para compor o ambiente, uma geladeira da Kibon, daquelas horizontais usadas nas padarias. A decoração é bastante eclética, mistura banners do craque, quadros abstratos, lembranças de viagens (astecas, nordestinas e gaúchas), um tapete cor de vinho peludo e inúmeras caixas de papelão. Entre diversas fotos expostas da sala de seu Neymar, uma chama atenção e reúne Juninho, Lucas (atacante do São Paulo) e Príncipe Harry, neto da Rainha Elizabeth II, com um lembrete deixado depois do recente encontro do trio no Haras Larissa, em Monte Mor (São Paulo): “See you in London 2012”.

O ambiente do escritório é completamente descontraído, tanto que Rodrigo Paiva, assessor de comunicação da CBF e da Nike, chega de bermuda e camiseta para participar de uma reunião sobre futuras ações de divulgação da marca de artigos esportivos. Os funcionários são parentes da família; sobrinhas, tias e primos se desdobram em múltiplas obrigações, servem café, atendem o telefone, recebem a imprensa, atualizam o blog do artilheiro, agendam compromissos, recebem fornecedores, entre outras coisas. “Todo mundo precisa trabalhar, por que não ajudar os parentes que têm habilidade e podem executar as tarefas?”, justifica seu Neymar. O lugar reflete o cuidado da família em não ostentar, mostrando que o simples é mais fácil e melhor, como ensina Muricy Ramalho, técnico do Santos.


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