Luz sobre João Gilberto

 

Tão previsível e reincidente quanto um cano de Tim Maia, um bolo de João Gilberto é, para o bem e para o mal, um bolo de João Gilberto. Em 2011, alegando problemas de saúde, João cravou mais uma falta histórica.

Completaria 80 anos e até mesmo um aparato de retransmissão dos shows em cinema, com exibição simultânea em mais de uma centena de salas ao redor do País, envolveria as celebrações da turnê João Gilberto 80 Anos – Uma Vida Bossa Nova. Seria um acontecimento à altura da efeméride. Seria. O episódio jogou mais lenha na fogueira inquisitória que insiste em lamber João. Ignorando o salto de modernidade que ele legou à música popular do País, ainda há por aí quem ignore a importância histórica, o lirismo e a magia desse artista que vem devotando a vida a perseguir a beleza em forma de canções, fazendo eriçar pelos e palpitar corações ao simples ressonar de um acorde ou a entonação de uma sílaba.

Mas “vaia de bêbado não vale”, como o próprio João afirmou ao refutar a recepção hostil que recebeu em 1999, quando subiu ao palco do Credicard Hall, acompanhado do discípulo Caetano Veloso para inaugurar a casa de shows de São Paulo, e teve de lidar com uma acústica sofrível. Vamos, então, às análises sóbrias. Desde a década de 1960, João tem sido objeto de estudo de importantes historiadores, pesquisadores e críticos. Já em 1959, no calor de sua estreia fonográfica, em crônica para o tabloide do jornal Última Hora, Antônio Maria defendeu e profetizou: “João Gilberto será sempre, por mais que caminhe ou navegue, o violeiro manso que, tirante o amor, tem medo de tudo. Tempestade, guerra, faca de ponta, febre terçã. De tudo ele receia. Menos do amor”. Augusto de Campos dedicou boa parte de seu livro Balanço da Bossa, de 1968, a esmiuçar as teias construídas por João para seduzir ouvintes e corações desavisados. Em 1990, Ruy Castro perseguiu o homem por trás do mito e deu pistas substanciais para decifrar a esfinge no delicioso Chega de Saudade.

Em 10 de junho, João comemorou, no anonimato de sempre, seus 81 anos. João Gilberto, um belíssimo presente, foi parar nas estantes das livrarias do País. O livro é o produto final de uma rigorosa pesquisa do organizador Walter Garcia, professor do Instituto de Estudos Brasileiros da USP e autor de Bim Bom: A Contradição Sem Conflitos de João Gilberto (Paz e Terra, 1999), que reuniu textos inéditos, artigos, ensaios, crônicas e raríssimas entrevistas. Assim como a estreia luminar do baiano (o álbum Chega de Saudade, de 1959), o novo livro seduz desde a capa. Traz um rico apanhado histórico de novas informações e joga luz intensa sobre esse homem que pode até continuar sendo incompreendido (fácil ser “chato”, como muitos o acusam, difícil é ser João), mas como Chuck Berry ou James Brown, artífices de gêneros musicais que marcaram o século 20 (o rock e o funk), o pai da Bossa Nova jamais será esquecido.


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