Desde que roubaram o meu carro, resolvi não comprar outro, ainda mais agora que o tráfego para. Antigamente, tinha horário para os carros andarem ou não. Tipo sete, oito da noite, eles andavam mais devagar, mas não me lembro de terem parado, baterem o pé e falarem na nossa cara que não andariam.
Claro que essa história de horários de carro, às vezes, era pura invenção de papai – depois do trabalho, ele adorava sair com os amigos para beber no Lidador. Mamãe, furiosa, brigando, e ele botando a culpa no tráfego.
Só que, hoje em dia, a mentira se tornou verdade e não há hora possível do dia ou da noite que os carros andem. À noite, realmente não sabemos direito por que ir mais cedo para casa, talvez por causa do tráfico – esse, sim, anda de verdade a qualquer hora, de qualquer maneira. Tanto, que todos ficam com medo dele e acabam saindo ao mesmo tempo para encarar um trânsito paradaço.
Outro dia, levei três horas para ir do Botafogo ao Projac. São verdadeiras viagens que fazemos ao sol, sem ninguém mais parar no Lidador para tomar uísque ou mesmo um chopinho. Muito menos passar rapidinho em um motel, como se fazia antigamente, escondido, numa época em que as senhoras nem sabiam que isso existia.
Então, para não pagar esses micos de ficar parada no meio da rua, ansiosa e consolada pelo motorista de táxi que tenta conversar conosco para nos acalmar, deixando, às vezes, a gente ainda pior, ou ligando um rádio aos berros tocando um rap, resolvi encarar um ponto de ônibus vazio para ir rapidinho do Flamengo a Botafogo, esquina com Paissandu que, aliás, hoje em dia, fiquei chocada por ninguém conhecer. A rua Paissandu? Meu Deus! Aquela das palmeiras?
Pois é. Foi para lá que fui esperar o ônibus, pois táxi que é bom também não passava por causa de um acidente em um túnel. Estava sozinha no ponto, quando chegou um homem com cara de mendigo, uns 50 e poucos anos, me apontou o revólver e disse: “Passa a grana!”.
Respondi que não tinha grana. Ele, então, me mandou dar a carteira com cartões de banco e documentos. Depois, começou a gritar comigo, pois realmente estresso as pessoas com minhas distrações de não saber onde botei as coisas, e eu comecei a falar delicadamente: “Moço, calma, já vou achar a carteira! Calma!”.
Ele me respondeu: “Quero também o celular”. E eu: “Moço, então mais calma ainda porque celular é pior de achar que carteira. Ele rola pela bolsa como um bebê levado, que a gente só acha quando grita”.
Consegui entregar carteira e celular, e só pedi para ele me devolver a carteira de identidade para não me sentir como Dercy Gonçalves quando já estava bem velhinha, que se sentia péssima quando estava sem peruca, pestana e dentadura.
Contei a história do assalto para o meu neto, que riu e falou: “Sinistro, vó!”. E saiu correndo para contar para o irmão.
*É atriz, atuou em mais de 50 filmes, 15 telenovelas e minisséries, além de peças de teatro. Também é cronista do Jornal do Brasil e autora do livro O Quebra-Cabeças (Imprensa Oficial, 2005), uma compilação de crônicas publicadas pelo jornal.
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