Concreto, aço e artes

Basta perguntar a Lizette Negreiros, uma das funcionárias mais antigas do Centro Cultural São Paulo, sobre a sua atração preferida da casa para que a resposta saia na ponta da língua: “Paulinho da Viola cantando com um grupo de Moçambique. Foi encantador! Lembro até da chuva que caiu no dia, combinava com o show”, diz a santista, que emenda uma sequência apaixonada de lembranças sobre o local onde trabalha há 25 anos. A lista de Lizette ainda tem mostra de teatro com grupos jovens, inspirada em Nelson Rodrigues, Concílio do Amor (1989), montagem de Gabriel Villela com o grupo Boi Voador, encenada no porão do CCSP, e Raul Cortez e José Celso Martinez Corrêa em As Boas (1991), de Jean Genet. O CCSP, que faz 30 anos neste mês de maio, tem muita história. E talvez a mais importante delas seja mostrar ao público de 800 mil pessoas que circula por ano por lá que seu DNA continua intacto: o de promover acesso à cultura sem limites, de maneira experimental e livre em projeto arquitetônico arrojado para a época em que foi construído e atual para os dias de hoje.

Ricardo Resende, diretor da instituição, além de crítico e curador, fala em comemoração discreta para a data, mas os visitantes vão ganhar, em breve, cinco salas reformadas para peças de teatro e shows. Mais: o CCSP vai ganhar um auditório novinho para 200 pessoas. “Sou contra intervenções drásticas. Mas estamos falando de três décadas de uso e a manutenção se faz necessária, como em qualquer casa”, diz Resende, que administra o CCSP com R$ 10 milhões anuais – verba da Prefeitura. Em sua equipe, os curadores das áreas culturais trabalham para trazer atrações de qualidade, sem depender de patrocínios ou leis. “Somos independentes e não precisamos correr atrás de público, que está aqui todos os dias da semana.”

A origem do CCSP está no metrô. Uma imensa área foi desapropriada para a construção da Estação Vergueiro (linha azul) na década de 1970. A ideia inicial, encampada pelo então prefeito Miguel Colassuono, era urbanizar o lugar onde seriam construídos um complexo de escritórios e hotéis, um shopping e uma biblioteca pública. Mas o projeto, depois, foi cancelado. Do plano antigo, restou apenas a criação de uma biblioteca, que se transformou em um centro cultural multidisciplinar, nos moldes do Centre Georges Pompidou, em Paris, a pedido do secretário municipal de cultura da época, Mário Chamie (1993-2011).

Ricardo Ohtake, diretor-geral do Instituto Tomie Ohtake, fez parte da comissão que acompanhou as obras e foi o primeiro diretor do Centro Cultural. Ele conta que o projeto dos arquitetos Eurico Prado Lopes e Luiz Telles previa uma construção “encaixada” entre a Rua Vergueiro e a Avenida 23 de Maio, de concreto, aço, vidro e projeto paisagístico em três níveis. Assim foi feito. Mas o CCSP demorou para cair no gosto do público. “O conceito era muito novo, ficava vazio a maior parte do tempo”, lembra-se Ohtake. A montagem preferida dele é o balé Bolero, coreografado por Lia Robatto e encenado no ano da inauguração, que percorria diversos níveis do espaço com o público acompanhando o elenco pelas escadarias e salas.

Desde sempre, o CCSP experimenta a prática de aproximar as pessoas. Em tempos de internet, sentar para conversar pessoalmente não é nada mal – e lá pode ser até no chão.


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