Em nome da dança nacional

Pouca gente imagina, mas antes de ser chamado, quatro décadas atrás, por Ariano Suassuna para integrar o lendário Quinteto Armorial, o músico, dançarino e ator Antonio Nóbrega não tinha interesse algum por cultura popular. Na verdade, era mais desconhecimento do que qualquer outra coisa. “Meu pai me colocou para estudar violino aos 10 anos e três anos depois montei um grupo com minhas irmãs. Mas a gente tocava músicas que ouvíamos na rádio e TV: Roberto Carlos, Beatles, a MPB dos festivais, canções francesas e latinas. O folclore não fazia parte da minha história, nem sequer de minha visibilidade.” No entanto, foi sua formação erudita na Escola de Belas Artes de Recife que chamou atenção de Suassuna.

Nóbrega, que já vivia na dicotomia clássico-popular, passou a conhecer e se encantar por zabumbas, rabecas, caboclinhos, bumba-meu-boi e quetais. “Curiosamente, comecei a me entender e a me deixar seduzir pelo universo da dança, pelo frevo. Na época, não tinha preocupação em compreender esse encantamento, simplesmente o vivia.” E lá se foi o pernambucano mergulhando nesse novo mundo, ao mesmo tempo que ficava conhecido Brasil afora nos shows e discos do Quinteto Armorial, entre eles Do Romance ao Galope Nordestino (1974) e Aralume (1976). “Teve momentos que eu era quase um nacionalista inveterado. Como assim nós não dançamos, não cantamos e não tocamos a nossa música? Eu devia ser muito chato nessa época. Só depois coloquei esse brasileirismo na prateleira adequada.”

A mudança para São Paulo, no início dos anos 1980, com a mulher, dançarina e parceira Rosane Almeida ajudou nessa adequação entre brasileirismos e universalismos (sem contar o nascimento dos filhos Gabriel e Maria Eugênia). Mas foi só uma década depois, com a fundação do Teatro Brincante e a ótima recepção dos espetáculos-discos Na pancada do Ganzá (1996) e Madeira que Cupim não Rói (1997), que o projeto cultural de Nóbrega começou a andar de espinha ereta.

Pouco a pouco, a dança foi ganhando destaque em seus trabalhos posteriores, e Nóbrega tem a explicação na ponta da língua: “A dança de nossos palcos ainda é de extração tipicamente ocidental. Mas você não vê alguma coisa que traga uma representação simbólica do Brasil. Quando traz, é de maneira frágil. Não é assim com a música de Villa-Lobos ou a literatura de Guimarães Rosa, por exemplo. Além de eu ter me sentido chamado corporalmente pela dança, também me senti compelido a fazer essa reflexão, talvez até por conta dessa ausência”.

Por essas e outras que entre seus projetos futuros o que lhe é mais caro é a criação da Companhia de Dança Antonio Nóbrega, no qual tem a missão de ampliar a formação brasileira e popular de dez bailarinos junto à criação de um espetáculo inédito previsto para meados de 2013. No entanto, o incansável artista quer ainda neste ano estrear um show em homenagem a Luiz Gonzaga e um longa inspirado no espetáculo Brincante (em sua quarta colaboração com o cineasta Walter Carvalho), além de uma série de eventos em seu teatro-instituto na Vila Madalena.

Nóbrega chegou à conclusão de que: “A arte não vai mudar a ordem das coisas, mas tem o papel de ajudar a ter uma consciência um pouco mais completa para fazer a mudança”. E é dançando que ele quer chegar lá.


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