Um mórmon na Casa Branca?

Depois do vote or die (vote ou morra) de 2004 e do hope (esperança) de Barack Obama em 2008, as eleições presidenciais de 2012 nos Estados Unidos parecem mornas. Os americanos veem poucos motivos para votar ou ter esperança em meio à crise econômica que devastou suas perspectivas pouco antes daquele 2008 que parecia redentor. Mas se o negro Obama era a grande novidade há quatro anos, o ponto fora da curva nesta eleição parece ser Mitt Romney, cuja candidatura pelo Partido Republicano foi oficializada na tarde desta terça-feira, dia 28.

Willard Mitt Romney nasceu Detroit, Michigan, mas fez sua carreira política em Massachussets, Estado de que foi governador. Apesar disso, o republicano tem o coração ligado à Utah, sede da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias. Romney é mórmon, como os fiéis da LDS, na sigla em inglês, são conhecidos, e pode se tornar o primeiro presidente americano desde John Kennedy a não professar uma religião protestante tradicional.

Conflitos religiosos
Cento e sessenta e oito anos se passaram desde que Joseph Smith Jr., pai fundador da igreja mórmon, foi assassinado na cidade de Cartago, em Illinois. Sua morte nas mãos de uma multidão enfurecida, em 1844, enquanto estava preso acusado de poligamia, foi apenas o ponto culminante de uma série de polêmicas e intrigas que acompanhavam sua igreja desde a fundação, na costa leste da América do Norte, 14 anos antes.

Apesar desta distância histórica, ainda há muito ressentimento entre os mórmons e os protestantes americanos, que formam a maior parte da população e cujos extremistas são a base do eleitorado do partido Republicano (às 16h54 desta quarta-feira, dia 28, por exemplo, o artigo sobre Joseph Smith na Wikipedia em inglês havia sido vandalizado: “Joseph Smith, Jr. (December 23, 1805 – June 27, 1844) was a big fat liar and founder of the Latter Day Saint movement”, dizia o texto).

A escolha de Mitt Romney parece dissonante com os rumos que o partido republicano tomou nos últimos 20 anos. Mas apenas parece. Desde George W. Bush o Great Old Party, que já foi de Abraham Lincoln, presidente que libertou os escravos no sul, deu uma guinada à extrema direita. Temas como aborto e casamento gay se tornaram nevralgicos para os eleitores da legenda, formada, na sua base, por conservadores e ultrarreligiosos.

O movimento dos Santos dos Últimos Dias é polêmico porque acredita em dogmas distantes da cristandade tradicional. Os mórmons colocam, por exemplo, o livro de mórmon, revelado pelo anjo Moroni à Smith, no mesmo patamar da Bíblia. A fé mórmon também é polêmica por algumas decisões tomadas por seus líderes. Joseph Smith era favorável ao chamado “casamento plural”, ou seja, a poligamia. Brigham Young, segundo presidente-profeta da igreja e responsável por consolidar a fé mórmon, guiando seu povo à terra prometida de Utah, teve 55 mulheres (a piada corrente é que metade da população do estado é hoje descendente de seu fundador). A prática só foi repelida em 1890, depois de sua morte (ato que possibilitou a entrada de Utah à União). Young, aliás, não era tão fã da ideia de Utah fazer parte dos Estados Unidos. Seu desejo era formar um estado independente, na região, a Sagrada República de Deseret.

Mas esta história conturbada não impediu que os mórmons se tornassem muito americanos no século XXI. Tradicionalistas, conservadores (a religião proíbe até o consumo de cafeína) e defensores do american way of life até a medula eles, sem querer, viraram a cara do novo partido republicano, dominado pelo ideário do movimento Tea Party.

Mitt Romney aparece hoje tecnicamente empatado com Obama nas pesquisas de opinião de voto. Mas isso significa pouco em um sistema que privilegia as vitórias estaduais. E nos Estados as pesquisas mostram uma possível vitória do atual presidente, que hoje teria 215 votos no colégio eleitoral, contra 132 de Romney. Em 16 estados as pesquisas indicam, como no cenário nacional, um empate técnico. São 175 votos em jogo em um número impressionante de swinging states, o que deve tornar as “mornas” eleições 2012 em uma das mais disputadas dos últimos anos nos Estados Unidos. Na América, mais do que nunca, é hora de votar ou morrer.


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