Mesmo com a perseguição americana ao diretor de “Innocence of the Muslins” (“A Inocência dos Muçulmanos”) e os discursos de autoridades do país, como Hilary Clinton, de que o filme era “repulsivo”, o mundo islâmico não parece ter a intenção de relevar as ofensas lançadas na película ao profeta Maomé e ao Islã.
Acostumados a conflitos, principalmente os de cunho religioso, populares no Iémem, Líbia, Sudão, Egito, Índia, Afeganistão e outros nove países manifestam sua indignação nas ruas com protestos violentos, ataques a embaixadas – como a que vitimou o embaixador norte-americano e outros quatro funcionários da embaixada na Líbia -, queima de bandeiras norte-americanas, cartazes de Obama com estrelas de Davi nos olhos e muito mais.
Apaziguar essas populações pode ser questão de tempo, já que as manifestações parecem mais provenientes de um estouro de ânimos – que já vinham alterados em relação aos Estados Unidos – motivado pela existência do filme do que propriamente um movimento organizado antiamericano.
Mas qual serão os reais motivos que fazem com que os Estados Unidos sejam alvo de tanto ódio por parte dessas populações? E qual seria o movimento mais adequado dos americanos para acabar com a crise?
Para tentar entender esse conflito, a Brasileiros conversou com o doutor em direito internacional e professor pela FGV (Fundação Getúlio Vargas), Salem Nasser.
A razão dos protestos não extrapola as ofensas contidas ao islã no filme e recai sobre a antipatia desses povos contra os EUA?
De fato, o filme, ou simplesmente a notícia do filme, já que muitos certamente não o viram, funciona como estopim para movimentos que tiram sua energia de fontes mais profundas. Essas fontes combinam, penso, uma grande frustração com o papel que os Estados Unidos, segundo a percepção dos povos muçulmanos, desempenham no Oriente Médio e no universo árabe e muçulmano mais amplo, com uma especial sensibilidade ao que é visto como um profundo desrespeito ao Islã.
A frustração, sempre latente e sempre pronta a se manifestar, tem a ver com uma atitude imperial dos Estados Unidos, que interferem nos destinos dos povos árabes e muçulmanos, por exemplo, apoiando regimes despóticos e apoiando incondicionalmente Israel na opressão ao povo palestino.
Além disso, não se pode esquecer que, na última década, o que os Estados Unidos chamam de guerra contra o terror e esforço de exportar a democracia e se materializam em violência cotidiana no coração das sociedades árabes e muçulmanas.
Qual seria o caminho mais adequado para os EUA resolverem esse conflito?
Agora os Estados Unidos não tem outra alternativa a não ser gerenciar uma situação muito volátil; sua prioridade será garantir a segurança de suas instalações e de seus interesses. A fúria passará, mais cedo ou mais tarde. Quando isso acontecer, será necessário perceber o fosso que separa os Estados Unidos dos corações e das mentes do mundo muçulmano e avaliar o quanto esse fosso se aprofunda e a situação se complica como resultado das revoltas árabes. O fato é que sociedades mais democráticas nesse universo, árabe e muçulmano, terão maior liberdade e maior disposição para demonstrar seu desgosto com os Estados Unidos. Se estes puderem internalizar essa consciência, será preciso então ir mais além dos discursos que dizem as coisas certas e mudar no campo da ação concreta. Mas isso não se anuncia muito provável.
Na sexta-feira, dia de sangrentos protestos, embaixadas da Alemanha e Reino Unido foram atacadas no Sudão. Isso mostra um descontrole dos manifestantes ou tem alguma razão?
Penso que isso tenha mais a ver com a percepção desses países como aliados dos Estados Unidos e, junto com eles, representantes de um Ocidente opressor. No caso do Sudão especificamente, àquela frustração genérica descrita acima adiciona-se uma outra, decorrente da campanha ocidental que já dura vários anos e que tende a colocar o Sudão entre os Estados párias.
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